segunda-feira, março 15, 2010

abandono


foto de Gonçalo Elias

Na última década ouço, recorrentemente, comentários sobre a desorçamentação a que o Instituto da Conservação da Natureza e da Biodiversidade tem sido sujeito. Em diversas áreas protegidas e departamentos, é enorme a escassez de meios humanos e materiais essenciais à execução das variadas tarefas que lhes são destinadas. Em algumas áreas protegidas não há vigilantes da natureza, noutras não existem viaturas ou dinheiro para as pôr a funcionar. Material de secretaria, combustível e ajudas de custo têm dotações orçamentais exíguas. O dinheiro disponível para acções de conservação é pouco e muito menos o aqui aplicado.

O gráfico que se segue, representa as dotações orçamentais para o ICNB provenientes dos orçamentos gerais do Estado de 2001 a 2009, e dá substância à percepção de desorçamentação daquele instituto, que muitos de nós temos. 

(clicar no gráfico para ampliar)

Da sua leitura, tiro as seguintes conclusões:

1)      as dotações orçamentais têm sofrido um decréscimo, relativamente contínuo; em 2009, a dotação orçamental do ICNB representava cerca de metade do valor nominal da dotação orçamental de 2001;

2)      entre 2001 e 2006, as despesas de funcionamento – salários, manutenção da frota automóvel, combustível, rendas, consumíveis diversos, etc. – decresceram, ainda que entre 2006 e 2008 tenham registado um aumento; apesar do decréscimo contínuo do número de funcionários e do congelamento dos salários da função pública; em 2009, e após novo decréscimo, as despesas de funcionamento foram orçamentadas em cerca de 97% do valor de 2001;

3)      o valor orçamentado para investimento (PIDDAC) – medidas de conservação, estudos, etc - sofreu um decréscimo quase contínuo, com excepção do registado de 2005 para 2006; em 2009, o valor orçamentado para o investimento representava apenas 15% do proposto 8 anos antes;

Estes decrécimos são ainda mais evidentes se falarmos de valores reais, dada a inflação registada.

O decréscimo dos valores do PIDDAC é particularmente preocupante, pois representa a verba destinada, por exemplo, à execução de medidas de conservação da natureza propriamente ditas, ainda que, ao que parece mas o gráfico não mostra, boa parte dessa verba seja usada para construir sedes e outras coisas que a bicharada, ao que parece, não usufrui. O valor atribuído em sede de PIDDAC têm ainda a vantagem de, quando bem gerido, permitir aceder a alguns fundos comunitários tendo, por isso, algum potencial multiplicativo.

Ser-me-ia aceitável tal desorçamentação, se uma quantidade significativa de serviços prestados tradicionalmente pelo ICNB tivessem transitado para outros departamentos do Estado ou para privados o que manifestamente nunca sucedeu.

Para além do orçamento geral do estado, o ICNB depende também de receitas próprias que resultam, por exemplo, da aplicação de diversas taxas. Dado o estatuto de Instituto Público e a necessidade de gerar receitas próprias – opção política, aliás, com riscos não negligenciáveis - não duvido que, no futuro, estas venham a apresentar uma tendência de crescimento. Todavia, a realidade presente é confrangedora e a diferença entre a promessa eleitoral do PS para 2005-2008 – “promover a reorganização do Instituto da Conservação da Natureza, devolvendo-lhe dignidade e superando, progressivamente, a situação de grave estrangulamento financeiro em que se encontra”- e o que o gráfico acima publicado representa é a diferença entre o que se diz e o que se faz, resultando de uma clara opção política dos últimos governos do PS e, em abono da verdade, também do PSD (2003-2005).

Dissimulada por um discurso contrário, a forma lenta e discreta com que os últimos governos vão estrangulando o ICNB e a Conservação da Natureza em Portugal conta, finalmente, com o silêncio de todas as organizações ambientalistas nacionais que, na melhor das hipóteses, apenas muito pontualmente se parecem preocupar com o assunto.

Gonçalo Rosa

12 comentários:

Anónimo disse...

Gonçalo, o que dizes é tudo verdade, mas o que precisamos de decidir é se queremos um Estado maior ou mais pequeno? Eu vivo bem com um estado grande, mas os mais liberais podem-te dizer que os privados podem desempenhar um importante papel neste sector.
O problema é que se o estado é grande as pessoas queixam-se, se o estado emagrece as pessoas também se queixam...

Alexandre Vaz

G.E. disse...

Alexandre,

O problema não é o Estado ser grande ou ser pequeno, o problema é que neste país há demasiadas pessoas que dependem do Estado e a quem interessa que tudo fique como está (e que o Estado continue a sustentá-las).

Neste contexto, as questões ambientais acabam por ser muito secundárias (para não dizer completamente irrelevantes). Quero dizer: se a população, o cidadão comum, não valoriza as questões ambientais, porque carga de água é que o Estado há-de as valorizar?

Gonçalo E.

Anónimo disse...

Exactamente.
O estado não é mais do que um reflexo da sociedade que temos.

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Eu tenho uma posição claramente liberal. Isto é, quero um Estado forte naquilo que são funções essenciais do Estado (o monopólio da violência legal, a relação entre Estados, a segurança) nas quais incluo a conservação da biodiversidade (ao contrário de muitas outras questões ambientais que são financiáveis no mercado, como o mercado das águas ou dos resíduos).
Só que o que este post diz não tem nenhuma relação com maior ou menor Estado. O Gonçalo Rosa é muito claro quando diz que se as funções que estão cometidas ao ICNB tivessem passado para outro lado, tudo bem.
O que este post diz é que o Estado, através do ICNB, se assume como o actor central e dominante do sector da conservação (basta ler a regulamentação sobre áreas protegidas privadas) mas ao mesmo tempo não põe os recursos onde põe a boca.
Claro que isto é irrelevante porque a conservação da biodiversidade em Portugal é socialmente irrelevante.
Não se pense que é um problema só do ICNB. Alguém sabe o que faz a QUERCUS com as suas propriedades? A LPN sabe-se um bocado mais, mas mesmo assim, muito menos do que seria normal.
O problema é mesmo connosco.
henrique pereira dos santos

Gonçalo Rosa disse...

Alexandre,

Acho que o texto é claro e que o Henrique reforça bem o que escrevo.

Pessoalmente, entendo que diversos serviços na área da conservação da natureza podem ser executados por privados (já uma vez aqui escrevi sobre a possibilidade de contratualizar a gestão de áreas protegidas ao sector privado: empresas, ongas, etc). Á excepção de meia dúzia de funções, ao Estado, reservaria uma função essencialmente reguladora. Sei que as minhas ideias não colhem muitos adeptos, mas o que penso, neste domínio, é irrelevante no contexto deste post.

O que me parece digno de nota, é que se estes serviços continuam na mão do Estado, então não é aceitável que o Estado os deixe completamente à míngua, tanto para mais que houve promessas eleitorais em sentido oposto, feitas pelo actual governo que é, sejamos honestos, um continuo do anterior (de 2005-2008).

Gonçalo Rosa

G.E. disse...

Gonçalo,

Mas para que é que queres passar para privados serviços que a população não valoriza?

Se não há interesse na questão da conservação, então a questão fundamental deixa de ser QUEM é que deve zelar pela conservação (público vs. privado) e passa a ser SE se deve zelar pela conservação (i. e. conservar vs. não conservar).

Ou seja, em vez de andarmos a fingir que há interesse na conservação e depois não agir em conformidade, mais valia assumir de uma vez por todas que não há interesse em conservar o que quer que seja, porque isso colide com o modelo de desenvolvimento que esta sociedade realmente deseja, e assumir que as verbas públicas devem ser canalizadas para outros fins. A bem da coerência.

Gonçalo E.

Miguel B. Araujo disse...

Gonçalo E.

A pergunta é interessante mas o que interessa saber não é se a população (conceito difuso) valoriza mas se há mercado e se este remunera os bens de conservação, como sejam a existência de espécies raras, paisagens naturais bem cuidadas, solidão, silêncio, etc. A avaliar pelas tendências internacionais é pouco credível partir do pressuposto que a natureza não tem um mercado com níveis interessantes de remuneração e envolvendo cada vez mais pessoas. Acontece que em Portugal pouco se faz para valorizar o nosso património numa perspectiva de marcado o que contrasta com outros Países desenvolvidos da Europa onde qualquer forasteiro tem fácil acesso a informação sintetizada sobre onde ir, onde ficar, como chegar lá, que ver em cada local, etc.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel e Gonçalo,
Penso que nesta troca de argumentos se misturam duas questões:
1) Há mercado e havendo pode ser optimizado e optimizando-se é suficiente para gerar recursos para a conservação das áreas protegidas?
A resposta é que efectivamente há mercado, de facto pode ser optimizado mas, essa é a má notícia, nunca chegará (raramente, há duas ou três áreas protegidas no mundo onde eventualmente chegará) para gerar os recursos necessários à conservação. Nesse sentido o papel do Estado é insubstituível e é por isso que incluo a conservação da biodiversidade nas funções essenciais do Estado.
2) Independentemente da origem dos recursos, há maior eficiência numa gestão directa do Estado ou na gestão por privados?
A resposta é muito mais complexa e provavelmenteinclui sempre um equilíbrio entre Estado e privados.
O problema em Portugal é que nem se chega a este ponto da discussão porque ainda estamos na discussão anterior: onde estão os recursos para gerir a conservação?
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Henrique:

"1) Há mercado e havendo pode ser optimizado e optimizando-se é suficiente para gerar recursos para a conservação das áreas protegidas? A resposta é que efectivamente há mercado, de facto pode ser optimizado mas, essa é a má notícia, nunca chegará (raramente, há duas ou três áreas protegidas no mundo onde eventualmente chegará) para gerar os recursos necessários à conservação. Nesse sentido o papel do Estado é insubstituível e é por isso que incluo a conservação da biodiversidade nas funções essenciais do Estado."

Mas de que custos de gestão estamos a falar? Uma coisa são custos de gestão para gerir áreas privadas de vários milhares de hectares (incluindo a manutenção de um staff permanente) e a boa notícia é que falso que hajam apenas 2-3 áreas protegidas que são rentáveis nestas circunstâncias (estamos mais perto das várias centenas - se incluirmos reservas de caça em África que participam nas redes de conservação da fauna - do que das dezenas), e outra é fazer os privados participar e beneficiar da gestão das áreas protegidas em terrenos privados, desta forma aumentando a eficácia das políticas de gestão e aligeirando os custos directos imputáveis ao Estado. Ora é disto que estamos a falar em Portugal, com a eventual gestão directa por parte de privados de áreas pequenas inseridas, ou não, no quadro de áreas protegidas maiores. De resto, nunca me ouvirás dizer que o Estado se deve demitir das suas funções reguladoras e financiadoras da conservação.

"2) Independentemente da origem dos recursos, há maior eficiência numa gestão directa do Estado ou na gestão por privados? A resposta é muito mais complexa e provavelmenteinclui sempre um equilíbrio entre Estado e privados."

De acordo. São soluções para serem investigadas caso a caso mas há que começar a investigá-las.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
De facto estava a falar de áreas de não uso extractivo, e não incluí as reservas de caça (essas são áreas produtoras de serviços que têm impactos positivos na biodiversidade, como acontece com muita agricultura e pastorícia).
Não estou a minimuzar o seu contributo para a conservação, que é inestimável, mas é um risco demasiado grande confundir esse tipo de uso económico com áreas especificamente designadas para a conservação (podem conter esses tipos de uso económico mas como instrumento para atingir os seus objectivos de conservação).
Sim, eu sei que nnca defenderias a retirada do Estado da conservação, só quiz explicitar os dois tipos de questões porque conduzem a discussões diferentes que são muitas vezes, sem proveito, misturadas.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Não podemos estar à espera que o ICNB resolva todos os problemas. A conservação da natureza depende de todos nós. O voluntariado é muito importante. Conheça as áreas protegidas e informe-se das actividades em que pode colaborar. Apresente projectos e envolva as comunidades locais em actividades de conservação da natureza.

Gonçalo Rosa disse...

Caro anónimo,

Independentemente de devermos ter uma participação activa na resolução de problemas, não devemos deixar de nos indignar com o desinvestimento que aqui assinalo. E isso é muito diferente que "esperar que o ICNB resolva todos os problemas".

Gonçalo Rosa