segunda-feira, março 01, 2010

O gosto da biodiversidade (epílogo) V


Correu bem.
A ligação entre a alimentação e a paisagem funciona no contacto directo, parece claro que a escolha dos centros comerciais para comunicar está certa (juntamente com as praias são dos mais democráticos espaços públicos que temos), a natureza (esta é a palavra que é mais comum as pessoas perceberem quando se quer falar de paisagem, território, conservação, biodiversidade, etc.) é matéria que claramente interessa às pessoas pelos motivos mais díspares, e o interesse pela compra de terrenos para conservação é muito evidente (e, embora não ao mesmo nível, também o interesse sobre a possibilidade de venda de terrenos que ia aparecendo aqui e ali).
Foi uma acção que se fez pela primeira vez e seguramente aprendemos muito sobre como funciona um centro comercial. O projecto precisa de ser mais bem adaptado às características especiais dos centros comerciais.
Mas o potencial para a área da conservação e sustentabilidade, não aproveitado integralmente desta vez, é mesmo muito grande.
henrique pereira dos santos

10 comentários:

Anónimo disse...

Ainda bem que correu bem.

Percebo que se possa argumentar que é precisamente nos centros comerciais, que se encontra o alvo preferencial para uma iniciativa destas, mas não deixa de ser irónico promover uma acção que pretende promover um consumo sustentado numa catedral do consumo desenfreado.

Pergunto-me se a opção de servir os alimentos com recurso a um "empratamento" sofisticado (tão em voga) se não desloca a mensagem de que isto pode ser uma opção do dia-a-dia para se confundir com uma extravagância equivalente a comer sushi ou vietnamita.

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alexandre,
Agradeço encarecidamente a excelente demonstração prática da incapacidade do movimento ambientalista pensar para lá da sua aparente superioridade moral.
É curioso como te interrogas sobre a opção de falar de consumo sustentável exactamente onde os cidadãos comuns fazem opções de consumo porque nos teus valores não cabe um mundo de pessoas comuns que enchem os centros comerciais por decisão livre e consciente mas apenas um mundo onde as pessoas são levadas a ir aos centros comerciais pelos interesses da grande distribuição.
É curioso como te esforças tão pouco por explicar como queres que se faça para captar a atenção das pessoas, mas é tão lesto a explicar que na tua opinião a forma usada (a cozinha de autor) está errada, não porque não seja eficaz, mas porque está fora dos teus valores reconhecê-la como expressão cultural ao nível de um concerto de música que com certeza apoiarias, apesar de saberes que nenhum dos ouvintes ia para casa tocar bach.
O projecto é tão simples: captar a atenção de pessoas comuns para ter tempo para conversar com elas sobre os efeitos na gestão do território das suas opções na alimentação.
Experimenta conseguir falar mais de um minuto com pessoas fora do teu círculo habitual de relações sobre a diferença das paisagens criadas a partir da opção de comer pão com manteiga ou molhá-lo em azeite.
Neste fim de semana fiz isso seguramente com mais de duzentas pessoas.
Nenhuma me pareceu um alienado consumista interessado em comida vietnamita.
Eram simplesmente pessoas normais cuja maioria nunca se tinha colocado a si próprio a questão.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, não sei bem o que dizer?

Acho que o meu comentário foi construtivo e só consigo compreender a tua animosidade se for um prolongamento de outras discussões anteriores...

Ao contrário do que possas pensar, eu não sou fanático anti centros comerciais e até os frequento com alguma regularidade e sem complexos de culpa. Eu próprio reconheci que em certa medida fazia todo o sentido uma iniciativa destas num centro comercial, mas penso que a ironia é inegável. Seria um pouco como fazer uma campanha a favor da utilização dos transportes públicos ou as bicicletas à porta do autódromo.

Parece-me abusivo concluíres que eu não entendo as idas aos centros comerciais como "decisões livres e conscientes". Julgo no entanto também que o papel desempenhado pelos "interesses da grande distribuição" não pode ser descurado.

Quanto à aprestação, eu não disse que era errada. Disse apenas que me parecia haver um eventual desajuste entre o conteúdo e a forma. Como estratégia comunicacional parecer-me-ia preferível optar por exemplo por suportes mais rústicos (pratos de barro por exemplo) do que pelos "cópinhos de cristal". Mas era sinceramente uma sugestão colocada em tom de interrogação.

Quanto à cozinha de autor, não considero que seja o empratamento que a eleva mais alto e recuso liminarmente comparar o melhor prato do mundo a uma peça de Bach.
Ainda assim e usando o teu exemplo, parecer-me-ia má ideia uma iniciativa com o objectivo de promover o gosto dos jovens pela música com um concerto de Joly Braga Santos à saida da praia.

Alexandre Vaz

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alexandre,
1) É exactamente para quem anda de carro que faz sentido fazer campanhas para o uso de transportes públicos;
2) A ideia de que a conservação é preferir pratos de barro em vez de copos de cristal, isto é, que é uma actividade pouco sofisticada é profundamente errada. Exactamente uma das propostas que fiz na ATN, e que tenho aplicado com o apoio da direcção, é quebrar essa ideia de que a conservação é uma coisa de hippies ou alternativos. Por isso consegui que a tshirt de apoio à reserva fosse desenhada pelos Storytailors (enfim, com implicações na paciência necessária para esperar por isso), que o Chef que trabalha connosco seja do topo, que o gabinete de advocacia que trabalha connosco (pro bono) seja um dos cinco maiores de Portugal, que o desenho da identidade da Reserva tenha sido feito pela BBDO (não pagámos, claro), que a agência de comunicação que nos está a apoiar (pro bono) seja das duas ou três mais importantes do país e muitos outros aspectos que visam posicionar o projecto onde deve estar a conservação: uma actividade sofisticada, de conhecimento intensivo, transversal e orientada para os sectores mais dinâmicos e inovadores da sociedade;
3) Fala com qualquer chefe do mundo com um mínimo de reconhecimento inter pares (e pelo cascais shopping passaram, por puro acaso, mais dois do topo do topo, com quem tivemos a oportunidade de falar da relação dos alimentos com a paisagem, porque tínhamos entre nós outro do mesmo nível) e ele te explicará que a experiência gastronómica é uma experiência total, que procura estimular todos os sentidos e não apenas o gosto. Por isso tu defendes o barro para explicitar os teus valores de ruralidade e autenticidade, e nós preferimos recriar os produtos que podem sustentar a ruralidade de modo a acrescentar-lhes valor suficiente para que sejam sustentáveis, o que implica fazer muito bem, incluindo o empratamento.
É para o cérebro que trabalhamos, não é para a boca.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Henrique, perdoa-me se o meu cérebro não encontra a suprema estimulação no empratamento... E nem todos os chefes do mundo me convenceriam do estatuto galáctico da culinária.
Eu gosto muito de cozinhar (e há quem diga que o faço bastante bem), mas nem por isso alinho nesta histeria do "gourmet" nem da lógica do "star system" aplicada aos cozinheiros... Mais, comparar o el Bulli ao Prado será para mim sempre um sacrilégio.

O exemplo do prato de barro talvez tenha sido excessivamente caricatural, mas acho que funcionou bem para explicar aquilo que pretendia e não me revejo na forma pejorativa como falas de hippies e alternativos. Para mim é tão absurdo o estereótipo do ecologista de sandalias birkenstock como o do ambienalista chic no seu toyota prius.

Os teus índices de mérito são também reveladores do oceano que separa as nossas visões do Mundo.
A mim não me seduzem especialmente os storytailors nem os maiores escritórios de advogados ou agências de comunicação.
Fico no entanto curioso de saber quem desenha o papel higiénico que usam na ATN.

Para terminar, este jargão neoliberal que sistematicamente nos atira com a necessidade de "acrescentar valor" a tudo e mais alguma coisa é profundamente desonesto... Pior do que isso só mesmo a panaceia que se tornou a ideia de "inovação".
Quem julga que a ruralidade e o campesinato são sustentáveis alicerçados apenas no turismo e nos produtos diferenciados de excelência está profundamente enganado.

Alexandre Vaz

Henk Feith disse...

Fico contente saber que correu bem.

Já há um programa para o road-show da Faia Brava? Centros Comerciais não faltam por este país fora...

Henk Feith

Eduardo Freitas disse...

A leitura deste post e do anterior fez-me recuar no tempo e lembrar-me de dois jovens adolescentes que partilhavam de um fruto que sabiam proibido. Era o tempo do vinil e o álbum que ouvíamos no gira-discos (que é isso?) intitulava-se "Os Sobreviventes".

A letra da canção que me ocorreu (de Sérgio Godinho, musicada por José Mário Branco) era assim:


Na ruela de má fama
o charlatão vive à larga
chegam-lhe toda a semana
em camionetas de carga
rezas doces, paga amarga

No beco dos mal-fadados
os catraios passam fome
têm os dentes enterrados
no pão que ninguém mais come
os catraios passam fome

(É entrar,...)

Na travessa dos defuntos
charlatões e charlatonas
discutem dos seus assuntos
repartem-s'em quatro zonas
instalados em poltronas

Pr'á rua saem toupeiras
entra o frio nos buracos
dorme a gente nas soleiras
das casas feitas em cacos
em troca d'alguns patacos

(É entrar,...)

Entre a rua e o país
vai o passo dum anão
vai o rei que ninguém quis
vai o tiro dum canhão
e o trono é do charlatão

(É entrar,...)

É entrar, senhorias
É entrar, senhorias
É entrar, senho...

Francisco Barros disse...

"É para o cérebro que trabalhamos, não é para a boca."

Embora eu continue adepto do prato de barro e do tradicional (vulgo chanfana de cabra-serrana á Serra dos Candeeiros), fico satisfeito com os resultados descritos.

Embora em Portugal a esmagadora maioria das pessoas não me pareça alinhar nos pratos sofisticados (efeitos da crise...), acho louvável a iniciativa, pois é uma vertente que me parece não estar explorada no que respeita ao consumo de animais e plantas com base na promoção da biodiversidade em Portugal(embora me pareça que noutros países isso já ocorre de alguma forma).

Quanto a mim, pessoalmente, não me interessam os meios para atingir O objectivo, desde que os meios não estejam "viciados" e que não comprometam o objectivo a longo prazo.

A "politica" da ATN parece-me bastante racional e espero que tenha sucesso neste campo (não pela quantidade, mas pela qualidade - a quantidade só se mostra após reconhecimento da qualidade).
Se o sucesso for o esperado, este projecto "piloto" pode bem ser uma referencia para outras iniciativas identicas.

Para quem tem vindo a assistir "in loco" a algumas espécies em regressão drástica pelo abandono de certa actividade humana, vejo com bons olhos esta iniciativa e espero que tenha o maior sucesso e que seja uma base de referencia na conservação da biodiversidade de modo sustentado (incluindo a "educação ambiental" daí decorrente)!!

Francisco Barros

Henrique Pereira dos Santos disse...

Alexandre,
1)É bom que saibas que o teu cérebro responde a muitos mais estímulos do que pensas (mas penso que saberás como o estímulo visual é importante nos mamíferos).
2) Já percebi que entendes que a cozinha é uma expressão cultural de segunda, não vale a pena estares sempre a repetir porque a tua crítica era apenas que não valia a pena fazer coisas excepcionais porque não era isso que as pessoas faziam no dia a dia. Não estamos de acordo (e sei que tu próprio não estás de acordo contigo porque aceitas sem problema a mesma lógica desde que aplicada a outras expressões culturais).
3) Não fiz apelo a quaisquer índices de mérito, expliquei apenas que estamos a procurar romper os círculos sociais habituais da conservação (ver post).
Henk,
A avaliação da acção está ainda em curso e não sou o único envolvido, mas por mim o projecto tem erros conceptuais que devem ser repensados antes do alargamento da experiência.
Eduardo,
A música também é do sérgio godinho, para além de ser também do josé mário branco.
Há coincidências curiosas. Ainda há muito pouco tempo, numa das vezes em que me cruzei com o Sérgio Godinho (que não conheço de lado nenhum), o interpelei para lhe dar os parabéns pelo excelente concerto com o José Mário Branco e com o Fausto. Mas mais exactamente para lhe dizer que tinha encontrado numa bomba de gasolina os sobreviventes a baixo preço, tinha posto no rádio do carro e apesar do tempo todo passado aquilo continuava a ser muito boa música e um disco óptimo. O que estranho é a utilização desse disco para insultos fáceis, inuteis e anónimos, muito longe do espírito do disco.
Apetece perguntar-lhe "que força é essa amigo, que te faz andar de bem com outros e de mal contigo". É que "não quero dar-te conselhos" mas seria bom que fosses "aprender a nadar companheiro, que a maré se vai levantar".
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

Parabéns por esta excelente iniciativa