terça-feira, março 16, 2010

O trigo e o petróleo

Em 1916 António de Oliveira Salazar publicou a sua tese "A questão cerealífera. O trigo", que não li mas um dia lerei. O que li foram alguns comentários sobre o que pensava em 1916 o académico Oliveira Salazar. Aparentemente pensava que o país não era particularmente vocacionado para a produção de trigo e que a sua agricultura se deveria orientar, a prazo, para "culturas hortícolas e pomícolas, isto é, para a produção de legumes, frutas, flores, videiras e oliveiras", para citar a leitura que dele faz Pedro Lains.
Mas, e a questão não é irrelevante, isso seria a prazo, porque no imediato havia problemas estruturais na agricultura que a impediam de cumprir a sua vocação e um défice alimentar que seria preciso colmatar por razões estratégicas.
Terá sido por isso que o político Oliveira Salazar, mais tarde, cerca de 1930, reforça o regime de protecção da produção de trigo.
Lembrei-me disto quando li hoje no jornal o Ministro Vieira da Silva a fazer umas contas à poupança de petróleo no sector energético:
"Prevemos aumentar para 8 600 MW de capacidade instalada para a hídrica, 8 500 MW de eólica e atingir os 1 500 MW de solar de todas as dimensões (térmico e fotovoltaico). Este mix significa uma poupança/ ano de cerca de trinta milhões de barris de petróleo equivalente, mais ou menos 2 000 milhões de euros, a preço de hoje."
A jornalista que o entrevista, da secção de política ou de economia, com certeza, não lhe faz as perguntas que seria razoável esperar:

1) Porque se fala em capacidade instalada em vez de energia produzida expectável?

2) Como é que o solar térmico entra na produção de electriccidade?

3) A que preço fica a dita poupança em barris de petróleo no sobrecusto do tarifário de electricidade e em custo de oportunidade para os investimentos necessários a essa poupança.

Salazar, muito melhor economista e político que a maioria dos que por aí andam (sem que isso signifique qualquer concessão em relação às suas opções políticas, muito piores que as de muitos dos que por aí andam), não justificaria economicamente, que eu saiba, a campanha do trigo, mas sim com a soberania da nação.
Se o que se pretende é justificar economicamente a política energética do Governo seria bom começar por deixar de lado a propaganda e avaliar realmente a questão tal como ela é, com todas as suas virtudes e defeitos.
Na prática o Governo está empenhado numa campanha do trigo (neste caso substituído por petróleo), com custos económicos e ambientais que escamoteia permanentemente.
Do outro lado existe também uma campanha de sinal inverso, que pretende que todo o sobrecusto actual de produção de electricidade a partir de renováveis é injustificado e economicamente ineficiente, e que conclui sempre que a solução está na energia nuclear.
Os preços do petróleo são demasiado voláteis e incorporam mal o longo prazo e as suas externalidades ambientais negativas para que se ponham de lado todas as formas de apoio à produção alternativa de electricidade a partir de fontes renováveis, para já não falar da eficiência energética cujo principal motor será, com certeza, o facto do consumidor suportar preços reais de produção e não preços martelados politicamente (incluindo o preço da água de Alqueva, por exemplo, completamente irrealista do ponto de vista dos custos de disponibilização aos utilizadores).
Não é possível a produção responder de imediato às condições instantâneas de mercado, pelo que haverá sempre alguma ineficiência aceitável para que possamos garantir a capacidade de resposta numa situação de escalada dos preços do petróleo e outros combustiveis fósseis (que, ao contrário do que pretendem os nuclearistas, influenciará também os preços da electricidade produzida pelo nuclear).
Clarificar economicamente a política de produção de electricidade é pois uma questão central para a racionalidade das decisões.
Olhar para os efeitos negativos da campanha do trigo talvez nos ajude a perceber os riscos destas campanhas patrióticas de poupança de barris de petróleo, a um preço que se esconde na propaganda.
É que poupar cem euros de petróleo porque gastei 300 a construir um sistema alternativo de abastecimento de electricidade não é a coisa mais economicamente racional. Embora possa haver outras razões, não económicas, como era o caso da soberania nacional defendida por Salazar a propósito do trigo. O que de qualquer modo o levou a desvalorizar os efeitos na fertilidade dos solos decorrentes da opção política tomada, que agravaram os problemas estruturais da produção agrícola por muitos anos (mesmo que inicialmente disfarçados pelo crescimento exponencial do uso de adubos).
Havendo razões não estritamente de economia de curto prazo, e eu acho que há algumas, convém explicitá-las e pôr-lhe o preço bem à vista, deixando às pessoas a possibilidade de escolher o que querem para o seu futuro.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

aeloy disse...

1. Devo dizer que achei particularmente conseguida a entrevista, e as falhas penso que se devem a deficiente informação jornalistica (sim é possivel produzir electricidade a partir do solar térmico, em idd já se consegue com segurança e mesmo em protótipos, posso dar + info)e a questão do petróleo é sempre mal invocada creio que 70% das importações (ou mais) são para sectores que não são substituíveis (nem pela brincadeira dos carrinhos electricos).
E há as confusões entre potência e produção, que são recorrentes e não tem em conta a eficiência e as taxas de utilização, além da questão dos preços e dos critérios para estes serem fundamentais na equação.
Outras questões, nomeadamene os números de trabalhadores envolvidos e qual a base da estimativa? são também de referir como menos claras.
E claro que acho que a transparência deve ser total (por exemplo nem uma palavra sobre os custos do CO2) e ser base de qualquer opção.
António Eloy

EcoTretas disse...

Está toda a gente muito confusa. Vamos por partes. Comparar electricidade com petróleo não faz qualquer sentido: ainda por cima este ano vão finalmente fechar o Carregado, que utilizava sobretudo fuel.
Na parte da capacidade instalada, nada a comentar. O HPS tem toda a razão, mas os jornalistas em Portugal, nesta temática, são uma nódoa!
Para mim, e para a Sociedade, o nuclear de hoje não é uma opção. Especialmente em Portugal!
E os problemas das térmicas são um não problema. Para quem pensa o contrário deve ler o último estudo de Wang et al., onde se afirma que o impacto das eólicas nas temperaturas mundiais será muito significativo, pelo impacto que nomeadamente tem na circulação geral da atmosfera.
Mas o melhor HPS, é realmente o teu último parágrafo: deviam pôr bem à vista o preço da energia: quanto custa a das barragens, eólicas, gás, carvão, etc. Mas bem à vista, e depois os Portugueses poderiam escolher o que quereriam ter no futuro!

Ecotretas