domingo, março 28, 2010

Paroquialismo e cientifismo

Eu sei que já usei esta imagem, mas a questão é mesmo esta

A discussão na caixa de comentários deste post vai interessante. Talvez eu tenha reagido excessivamente a alguns comentários mas tenho razões históricas para isso: as várias vezes que tentei, a partir do ICNB, construir um sistema de registo de dados de biodiversidade aberto e acessível (nos dois sentidos, isto é, na consulta, mas também no registo de dados) a qualquer pessoa falharam sempre por paroquialismo, cientifismo ou as duas.
O paroquialismo caracteriza-se pela ideia de que os meus dados, ou o meu sistema, dispensam os outros porque são muito melhores (não vou discutir o que significa melhores). Na discussão do post esta questão surge a partir dos comentários positivos do Henk no sentido de se criarem redes de partilhas de dados em vez de multiplicar bases que não comunicam. Não podia estar mais de acordo, veremos como se comportam os possuidores de dados.
Devo dizer que espero que o meu contributo para a base do biodiversity4all seja exactamente neste campo, a partir de informação pública que existe mas está pouco acessível.
O cientifismo, muito mais complexo de combater e muito mais corrosivo nos seus efeitos, caracteriza-se pela hipervalorização da informação produzida no sistema científico formal (ou pelo menos com as suas regras) e a desvalorização da informação produzida pelas pessoas comuns.
A questão que é sempre levantada é a do espantalho dos erros da informação que podem existir na informação não validada. Por exemplo, o Henk fala de uma observação altamente improvável de corvo.
A base biodiversity4all responde a isto de várias maneiras. É possível saber o autor da observação, é possível contactar e discutir a observação. É portanto possível aferir o grau de confiança da observação. Mas mais que isto, se à medida que as observações se acumulam mais ninguém confirmar essa observação estranha, naturalmente ela perde a confiança dos utilizadores.
Repare-se que nas observações produzidas pelo sistema científico isto é resolvido exactamente da mesma maneira e mais uma: confiando no observador. Se a confiança acrescida é técnica, na certeza da identificação, faz sentido supor que quanto mais especializado o observador mais confiança merece a observação.
Mas deixem-me contar uma história (garanto, não é única):
Num processo de AIA o ICNB estava a ser fortemente pressionado para aprovar um determinado projecto. Numa reunião muito tensa, outros sectores do Estado insurgem-se contra o facto do ICNB referir um habitat prioritário na área porque tinham um parecer de um professor universitário especialista em botânica e habitats de cinco páginas (que mostraram) dizendo taxativamente que o tal habitat não tinha sido encontrado na área. Como é habitual em mim (mas raro na administração pública portuguesa e nos centros de investigação) disse que não havia problema nenhum: o Sr. Professor (Carlos Pinto Gomes) que viesse connosco, o promotor que levasse quem quisesse e o ICNB teria todo o gosto em ir ao terreno verificar quem tinha razão (como é evidente com espécies da fauna este tipo de verificação é bastante mais complexo). Marcada a visita ao terreno lá se encontra o dito habitat, tendo o Sr. Professor explicado que quando esteve no terreno o tinham levado por outro caminho que não aquele que conduzia à área que continha o habitat.
Sei por isso de ciência certa que se a qualidade técnica das pessoas pode ser aferida e relacionada com a qualificação académica, a qualidade da informação que prestam não pode (por muitas razões. Por exemplo, no caso do lince da Malcata que terá ou não morrido da anestesia, tenho ideia de ter lido trabalhos publicados sobre o assunto que omitem a segunda anestesia dada o bicho, numa boa demonstração de que como é errada a ideia de que a informação científica ou produzida por cientistas é inerentemente correcta).
Por isso os modelos de produção de informação científica devem ser abertos e escrutináveis.
As bases de dados das pessoas comuns devem integrar tanto quanto possível o know how e a boa vontade da academia (que existe na maioria dos casos) mas devem ser claramente autónomas, o que implica aceitar o aumento o risco de produzir informação com erros. Aceitar esse risco não significa diminuir o esforço para reduzir a produção de informação errada, aceitar esse risco significa aceitar que para ter um volume de informação mais robusto é inevitável que venham associados erros.
Só isso permite a estas bases independentes ficar o mais livres possíveis de paroquialismos e cientifismos que, em Portugal, têm conduzido à fraquíssima produção de dados de biodiversidade, entre outras razões porque há vários investigadores que acham que não ter dados nenhuns é melhor que ter dados com problemas de verificação e validação.
Eu não estou de acordo.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

Anónimo disse...

eu tb não estou de acordo.
Parabéns!