Este post teve nos comentários um desenvolvimento interessante e surpreendente para mim.
Gostaria de retomar um ponto de vista expresso nesses comentários por um anónimo que várias vezes me chama, com toda a razão, ignorante.
O princípio é o das citações seguidas de comentários:
"De que tempo falava Darwin? Das décadas em que situa este post? Ou dos milhões de anos em que se situam os processos de seleção natural que levam à criação de novas espécies?"
Tenho notado uma curiosa incapacidade de se aceitar as consequências do que diz Darwin (tanto quanto percebo do assunto, reconhecidamente pouco) em biologia da conservação, quando se fala do futuro. Neste caso a discussão era sobre estradas e conservação de anfíbios. Não era a discussão de um processo de especiação. Ou seja, como reajem as populações de anfíbios à emergência de uma nova ameaça à qual não estão adaptados (em rigor esta frase é pleonástica porque uma ameaça à qual se está adaptado não é uma ameaça). O mainstream diz que morrendo muitos atropelados as estradas são uma ameaça e são uma força que empurra estas espécies para a extinção. O que eu digo é que pode ser que assim seja, mas a mortalidade não serve como evidência empírica disso. E uma das razões que me levam a dizer isso é que há possibilidade das populações se adaptarem às estradas. Demora isso milhões de anos? Evidentemente não. Pode demorar meia dúzia de anos? Pode. Não é provável, mas pode. Por exemplo, a população de coelhos da austrália demorou meia dúzia de anos a adaptar-se à mixomatose (primeiro caiu para um sexto da população pré-mixomatose e depois recuperou, embora estabilizando a niveis razoavelmente menores que os anteriores à mixomatose). Calculo que estarão já alguns biólogos da conservação a dizer que pestes e carros não são a mesma coisa, e portanto os processos de adaptação não podem ser comparados. Onde está a evidência (e neste caso a teoria) que suporta esta ideia? Em lado nenhum. Passo a explicar. O que uma peste faz é matar os que não resistem e deixar vivos os que têm resistências. Estes reproduzem-se e pronto, a espécie adaptou-se (como se vê mortalidade de indivíduos e afectação de espécies são coisas muito pouco ligadas). Mas não há adaptações aos carros, dir-se-á. No fundo é o que diz o anónimo que estuda muito:
"E de que adaptação fala o HPS? De que os sapos e rãs desenvolvam carapaça que os protejam do peso dos carros quando lhes passam por cima? Ou das asas que lhes permitam sobrevoar as ditas estradas? Parece ridículo? Sim mas é o que decorre dos seus comentários pouco reflectidos sobre evolução de sapos e rãs à mortalidade que sofrem nas estradas."
Pois a minha resposta é: não sei. Mas sendo difícil supor que os sapos venham a desenvolver as adaptações descritas a verdade é que elas são irrelevantes quando não se está a discutir com base no que diz Lamarck mas se está a discutir com base no que diz Darwin. Lamarck é que entendia que as espécies se criavam por desenvolvimento de características forçadas pelo seu ambiente. Darwin diz uma coisa muito menos intuitiva: se alguém numa população tiver uma qualquer característica que o torne apto a evitar ou resistir à ameaça, esse indivíduo tem mais probabilidades de resistir. Se essa característica for genética, vai transmiti-la aos seus descendentes que, por isso, estarão mais aptos que os outros a resistir. Ora nada impede que haja sapos mais tímidos, por exemplo, que fujam do barulho dos carros, ou da luz das luzes, ou da trepidação do terreno. Ou que tenham as patas mais sensiveis e por isso não gostem de passear no asfalto. Ridículo? Ridículo é pretender que se tem informação suficiente para responder a esta questão. Portanto a possibilidade de adaptação a uma nova ameaça existe em populações diversas e pode demorar muito pouco tempo. Reconhecer por isso que se é ignorante nesta matéria é um módico de prudência que Jorge Palmeirim sintetisa na perfeição: "a natureza não existe para que a estudemos, nós é que insistimos em estudá-la".
"Primeiro é óbvio que existe correlação entre mortalidade de indivíduos e afectação da espécie. A extinção é a morte do último individuo."
Este tipo de argumento no contexto da discussão é notável. Mas diz mais sobre a cabeça de quem o usa que sobre extinção de espécies e mortalidade de indivíduos.
"Portanto, aumentar a mortalidade dos indivíduos duma população numa dada região tem como resultado o aumento da probabilidade de que esta se extinga."
Vale a pena pararmos nesta frase que não faz o menor sentido, embora pareça um argumento imbatível. A verdade é que a dinâmica das espécies não é um conjunto de processos separados entre si, pelo contrário, depende de um conjunto de processos interligados em que os aumentos (ou diminuições) de mortalidade têm efeitos importantes na fecundidade (espero não ter de ir buscar nenhuma das milhares de referências empíricas que demonstram isto). Dependendo das circunstâncias e razões que produzem essa mortalidade, ela aumenta ou não a probabilidade de extinção. Basta pensar que uma das razões para um aumento de mortalidade de indivíduos pode ser a existência de uma população maior, com mais indivíduos e, consequentemente, com mais mortes (um dos problemas mais evidentes das conclusões tiradas a partir da análise da mortalidade é que raramente se sabe o que essa mortalidade significa para o conjunto da população, cuja dimensão é totalmente desconhecida. Por outro lado estuda-se a mortalidade de infra-estruturas porque é fácil, e ninguém estuda a mortalidade natural, por fome, doença e outros factores, não tendo nós a menor ideia se a mortalidade verificada numa estrada é uma mortalidade nova ou se é simplesmente uma mortalidade que se exerce sobre os mais fracos e incapazes que iriam morrer proximamente por outra razão qualquer. Por exemplo, os sapos mais desesperados pela falta de recursos podem ser os que correm mais riscos a atravessar estradas. No caso dos sapos acho isso pouco provável, diga-se, mas simplesmente não se podem descartar hipóteses assim, sem nenhuma evidência empírica, como faz o comentador que se coloca num plano superior do conhecimento).
"Estou a falar de probabilidades, entende? Sobretudo se essa mortalidade não decorrer de processos naturais para os quais a espécie vai tendo mecanismos adaptativos, mas de mecanismos externos ao sistema biológico para os quais as espécies não têm, nem terão, qualquer mecanismo de adaptação."
Este parágrafo é um tratado de conhecimento. É aliás uma excelente demonstração do que eu disse da incapacidade de aceitar Darwin para pensar o futuro nesta frase lapidar: "mortalidade ... decorrente ... de mecanismos externos ao sistema biológico para os quais as espécies não têm, nem terão, qualquer mecanismo de adaptação". Este é o resultado de muito computador, muitos modelos matemáticos mas poucos pés no chão. Por isso nunca viu rapinas a planar na parte de trás dos aerogeradores à espera do momento em que as presas ficam apardaladas pela turbulência gerada. Por isso nunca viu lobos a esperar que o trânsito passe para passar estradas. Por isso nunca viu ursos à espera que os visitantes dos parques nacionais saiam das zonas de merendas para ir comer. Nunca viu ninhos de andorinhas nos beirais. E milhares e milhares de demonstrações empíricas de que dizer que as espécies apenas se adaptam a mecanismos internos aos processos biológicos (o que quer que esta expressão queira dizer) é muito pouco fundamentado.
"Terceiro, não me faça chorar de rir com disparates pouco dignos de si: "o mundo das probabilidades diz respeito à matemática, não diz respeito à biologia"?!? Caro, a teoria das probabilidades foi desenvolvida no âmbito da estatística mas o fenómeno das probabilidades diz respeito a praticamente tudo o que é observável. A extinção de uma espécie é um fenómeno probabilístico."
O disparate é pensar que se tem toda a informação necessária para aplicar cálculos de probabilidades à realidade biológica, sem ter consciência das suas limitações. Aliás acho estranha a sistemática referência ao "random walk" neste contexto, visto que a sua aplicação pretende integrar a aleatoriedade em processos, às vezes relativamente simples, como o mercado financeiro, sem grandes resultados práticos (para além de concluir pela sua imprevisibilidade). Também aqui poderia dar centenas de referências de estudos que previram uma coisa (por exemplo, o progressivo declínio de espécies em consequência da mortalidade de algumas espécies em parques eólicos) e a realidade verificada empiricamente foi outra (aumento das espécies. Não porque a mortalidade lhes tenha sido favorável, evidentemente, mas porque as driving forces da dinâmica populacional eram outras cujas alterações eram muito mais importantes que a mortalidade detectada em parques eólicos). Mas o mais curioso é que se afirma que a extinção de espécies é um processo probabilístico mas se acha que não é preciso demonstrar evidência empírica, isto é, quantas previsões de processos de extinção para espécies concretas se verificaram na realidade nos prazos previstos (mesmo que esses prazos tenham intervalos de incerteza).
"Quantos mais factores contribuírem para a mortalidade, menores as densidades populacionais, quanto menores as densidades menor a probabilidade de contacto entre indivíduos de sexo oposto, quanto menos contactos existirem entre indivíduos de sexo oposto menor a fecundidade, quanto menos a fecundidade (e mantendo-se uma mortalidade elevada) maior a probabilidade de, na sequência do "random walk", os últimos exemplares de uma população desaparecerem. Isto é elementar e não há retórica que dê a volta a isto."
Elementar? Onde está a evidência empírica de que a maiores mortalidades correspondem menores densidades populacionais (o que é elementar é concluir o inverso: a menores densidades populacionais correspondem menores mortalidades, sobretudo mortalidades absolutas, que são as que são avaliadas nestes estudos). E onde está a evidência de que a menores densidades correspondem menores contactos sexuais (sobretudo contactos sexuais efectivos, isto é, que dão origem a reprodução)? Em alguns casos menores densidades populacionais correspondem a maiores disponibilidade de recursos para cada indivíduo, o que afecta grandemente a fecundidade e a disponibilidade das fêmeas para a reprodução, para além de aumentarem grandemente a probabilidade das crias não morrerem prematuramente. Este é só um exemplo das complexas interacções que são desprezadas nos modelos probabilísticos normalmente usados nesta matéria.
"É desse tipo de provas que está à espera para mudar de opinião e retratar-se das palermices que diz no post?"
Dizer palermices, assinadas, é o que me motiva a escrever neste blog. Tendo perfeita consciência da minha ignorância farto-me de aprender com os comentários dos que sabem mais e farto-me de aprender ao ir procurar a fundamentação para o que quero dizer.
A consciência da ignorância é um grande motor da aprendizagem.
Já a auto-satisfação com o que se julga saber não.
henrique pereira dos santos
21 comentários:
"O mainstream diz que morrendo muitos atropelados as estradas são uma ameaça e são uma força que empurra estas espécies para a extinção."
Exacto. Uma força que empurra.
"O que eu digo é que pode ser que assim seja, mas a mortalidade não serve como evidência empírica disso."
A evidência empírica de uma extinção só se obtém quando essa extinção ocorre. Demasiado tarde para fazer alguma coisa. Mas felizmente existe uma ciência chamada biologia das populações que permite fazer contas que ajudam a tomar decisões.
"E uma das razões que me levam a dizer isso é que há possibilidade das populações se adaptarem às estradas. Demora isso milhões de anos? Evidentemente não. Pode demorar meia dúzia de anos? Pode. Não é provável, mas pode."
Como? O exemplo dos coelhos não serve. A variabilidade genética dentro das espécies pode favorecer a seleção de variedades resistentes e aí opera-se um processo de seleção natural rápido. Mas se não houver genótipos que tenham essa resistência o processo tende a durar mais e pode desembocar na extinção da espécie. Ora no caso dos sapos que tipo de gene permitiria adaptação ao pisoteio dos carros? Tanto quanto se sabe, nenhum.
"Ora nada impede que haja sapos mais tímidos, por exemplo, que fujam do barulho dos carros, ou da luz das luzes, ou da trepidação do terreno. Ou que tenham as patas mais sensiveis e por isso não gostem de passear no asfalto. Ridículo? Ridículo é pretender que se tem informação suficiente para responder a esta questão."
Rídiculo é pretender que se estabeleçam cenários para decisões com base em meras especulações. Especulações cujo único suporte é a imaginação (que por definição é infinita). Nada do que propõe aqui tem base empírica. Nada está baseado no estudo do compartamento de anfíbios. Como o próprio reconhece nada disto é sequer provável. Não sendo provável, não tendo base empírica de suporte, sendo as consequências destas especulações a possível extinção de populações, para que serve a retórica?
"Por outro lado estuda-se a mortalidade de infra-estruturas porque é fácil, e ninguém estuda a mortalidade natural, por fome, doença e outros factores, não tendo nós a menor ideia se a mortalidade verificada numa estrada é uma mortalidade nova ou se é simplesmente uma mortalidade que se exerce sobre os mais fracos e incapazes que iriam morrer proximamente por outra razão qualquer."
Tanto disparate chega a ser confrangedor. Primeiro é mentira que não se estudam as ameaças decorrentes de fome, doenças etc. Em particular as doenças são o maior foco de investigação sobre mortalidade de anfíbios neste momento. Volto a repetir que não estamos a falar de ratos e formigas. Estamos a falar do grupo taxonómico mais ameaçado do mundo. O grupo cujas extinções silenciosas surpreenderam tudo e todos ainda que comtinuemos sem evidência empírica sobre a causa próxima destas extinções.
Segundo sabe-se que a mortalidade nas estradas, nomeadamente as que fala o artigo do Ricardo Garcia, são mortalidades associadas a fenómenos migratórios de curta distância. Migrações necessárias para completar o ciclo de vida das espécies. Portanto não existe seleção pelo mais fraco ou doente. Morrem todos os que calharem estar no caminho do carro.
"Por isso nunca viu rapinas a planar na parte de trás dos aerogeradores à espera do momento em que as presas ficam apardaladas pela turbulência gerada. Por isso nunca viu lobos a esperar que o trânsito passe para passar estradas. Por isso nunca viu ursos à espera que os visitantes dos parques nacionais saiam das zonas de merendas para ir comer. Nunca viu ninhos de andorinhas nos beirais."
Sabia que a capacidade de adaptação das espécies está directamente associada ao tamanho do seu cérebro? Dê lá algum exemplo de um anfíbio que tenha alterado o seu comportamento para se adaptar a uma pressão humana?
"O disparate é pensar que se tem toda a informação necessária para aplicar cálculos de probabilidades à realidade biológica, sem ter consciência das suas limitações."
Disparate é pensar que o cálculo de probabilidades se baseia no conhecimento detalhado da realidade biológica. Além do mais o cálculo probabilístico utiliza-se justamente por não ser possível o cálculo exacto. A propósito já ouviu falar de estatística bayseana?
"Aliás acho estranha a sistemática referência ao "random walk" neste contexto, visto que a sua aplicação pretende integrar a aleatoriedade em processos, às vezes relativamente simples, como o mercado financeiro, sem grandes resultados práticos"
O problema é que o google não chega como fonte de saber. Se realmente tem interesse em aprender um pouco mais sobre o que escreve sugiro que leia o livro de David M. Raup. 1991. Extinction. Bad Genes or Bad Luck?
"E onde está a evidência de que a menores densidades correspondem menores contactos sexuais (sobretudo contactos sexuais efectivos, isto é, que dão origem a reprodução)?"
A resposta óbvia é a pergunta: onde está a evidência sobre o que diz? O que eu disse é de uma lógica cartesiana, demonstrada por décadas de estudos em comportamento animal e biologia das populações.
"Em alguns casos menores densidades populacionais correspondem a maiores disponibilidade de recursos para cada indivíduo, o que afecta grandemente a fecundidade e a disponibilidade das fêmeas para a reprodução, para além de aumentarem grandemente a probabilidade das crias não morrerem prematuramente."
Esse cenário, a existir, é um cenário transitório pois se tiver sucesso aumenta os efectivos e ao aumentar os efectivos volta a reduzi-los por escassez de recursos. Além do mais, no caso dos anfíbios o exemplo é pobre pois não existe evidência que os recursos alimentares limitem as populações. O que os limita é a disponibilidade de água na fase reprodutora. Se houver muita água, os anfíbios reproduzem-se em grande número. Se houver pouca água, não o fazem. Portanto o sucesso reprodutivo estará directamente dependente da água.
Mas o que me diz não é resposta ao que eu disse. O que eu disse e que esta frase pretende contestar sem sucesso é que menos individuos reduzem a probabilidade de contacto. Isto é lógica pura. Outra questão é se os contactos geram descendência. Mas isto é irrelevante pois o que o Henrique pretende agora discutir são as flutuações naturais das populações. Estas sempre existiram. O que não existiu foram factores de tributação da vida como as estradas. Note que este factor não só é novo (em termos evolutivos) como se adiciona a muitos outros que sempre existiram e outros que não existiram e que hoje contam entre os factores mais importantes de mortalidade de anfíbios, como é o caso do fungo chytridiomycosis.
Anónimo, valente anónimo,
Aconselho-o a ler o que escrevi e não o que acha que eu queria escrever.
A única coisa que disse foi que a mortalidade em si não demonstra nenhuma afectação das espécies.
A única coisa que pretende é que as decisões sobre o assunto tenham em atenção a nossa ignorância sobre a matéria, em vez de se basearem em preconceitos não demonstrados.
E que as hipóteses lógicas sejam tratadas como hipóteses lógicas e não como verdades.
Repare, se o factor da existência de charcos e tal é um factor essencial que faz disparar a reprodução em anos muito húmidos, então eu posso admitir que a construção artificial de zonas propícias à reprodução de anfíbios pode ser um factor que compense largamente a mortalidade nas estradas (por exemplo, evitando o seu atravessamento pela criação de condições de reprodução no outro lado, mas sobretudo por desiquilibrar o salto entre reprodução e mortalidade para o lado da reprodução).
Quanto ao resto não vale a pena repetir os argumentos sem ler o que eu digo. A sua contestação à minha hipótese de que é possível (eu até disse que é pouco provável, estava só a responder à sua asserção teórica e errada que a evolução é sempre uma questão de milhões de anos) haver adaptação de populações a novas ameaças é tristemente uma pobre repetição de argumentos que ignoram darwin (como a ideia de que a adaptação de uma espécie depende do seu cérebro. Coitadas das formigas, que se adaptam tão mal a diferentes condições). Uma coisa é o desenvolvimento de comportamentos dos indivíduos face a um facto novo (que depende do seu cérebro) outra coisa é a adaptação darwiniana que se processa pela sobrevivência dos mais adaptados às circunstâncias e não tem nenhuma relação com o tamanho do cérebro.
O simples facto de me pedir exemplo de uma espécie de anfíbio que tenha alterado o seu comportamento para se adaptar a uma ameaça humana diz tudo sobre a sua dificuldade de lidar com a incerteza darwiniana.
E é apenas o reconhecimento da incerteza nestes processos que me interessa.
Do desconhecdo desconhecido, e não do desconhecido conhecido que é o que pode ser tratado estatisticamente.
henrique pereira dos santos
O seu raciocínio está construído com base em erros de análise e especulações e é com base nisso que resolve atacar o trabalho de outros profissionais. Como domina a retórica (mais do que o assunto em causa) e não quer perder uma discussão dá a volta às suas fraquezas e ataca o adversário por onde pode e não pode.
Vou deixá-lo a discutir sozinho, meu caro, mas antes volto a sublinhar algumas das suas acrobacias argumentativas:
"A única coisa que disse foi que a mortalidade em si não demonstra nenhuma afectação das espécies."
Não não foi o único que disse. Para justificar isto disse muitas outras coisas que, como demonstrei, estão erradas ou parcialmente erradas (os erros parciais são os piores pois como nas mentiras, não há pior mentira que a meia verdade). E como constrói um argumento baseado em erros e especulações ligeiras, é lícito discutir as conclusões do seu argumento.
"E que as hipóteses lógicas sejam tratadas como hipóteses lógicas e não como verdades."
O tratamento probabilístico trata de hipóteses prováveis, não de verdades. Pretender encurralar o adversário a uma posição extrema que não tomou para melhor fazer vingar a sua posição não é bonito.
"Repare, se o factor da existência de charcos e tal é um factor essencial que faz disparar a reprodução em anos muito húmidos, então eu posso admitir que a construção artificial de zonas propícias à reprodução de anfíbios pode ser um factor que compense largamente a mortalidade nas estradas (por exemplo, evitando o seu atravessamento pela criação de condições de reprodução no outro lado, mas sobretudo por desiquilibrar o salto entre reprodução e mortalidade para o lado da reprodução)."
Pode admitir mas 1) não sabe se a existência de charcos é o que determina a necessidade migratória destes animais e 2) não é isso que estamos a discutir, pois não é sobre gestão de habitat que trata a crónica de Ricardo Garcia. Relembro que estamos a discutir se as estradas têm um efeito nas populações de anfíbios e como é óbvio só se gastaria dinheiro a gerir habitats para os anfíbios se houvesse reconhecimento de que existem impactes que necessitam ser mitigados. Ora é este reconhecimento de impactes que o Henrique teima em negar (talvez outro dia com outro interlocutor mude de agulha e comece a argumentar em sentido contrário; não me surpreenderia dado o seu perfil).
"A sua contestação à minha hipótese de que é possível (eu até disse que é pouco provável, estava só a responder à sua asserção teórica e errada que a evolução é sempre uma questão de milhões de anos) haver adaptação de populações a novas ameaças é tristemente uma pobre repetição de argumentos que ignoram darwin (como a ideia de que a adaptação de uma espécie depende do seu cérebro. Coitadas das formigas, que se adaptam tão mal a diferentes condições). Uma coisa é o desenvolvimento de comportamentos dos indivíduos face a um facto novo (que depende do seu cérebro) outra coisa é a adaptação darwiniana que se processa pela sobrevivência dos mais adaptados às circunstâncias e não tem nenhuma relação com o tamanho do cérebro."
É patética a sua insistência na ideia de que os outros convivem mal com o Darwinismo. É patética porque 1) não sabe quem eu sou e 2) baseia a sua insistência numa interpretação descuidada do Darwinismo. O seu erro começa desde o início quando fala de capacidade de adaptação dos anfíbios às estradas. Como exemplo dessa possibilidade fala de mudanças comportamentais em mamíferos e aves. Quando se lhe diz que esses são exemplos de evolução comportamental e que estão associados ao tamanho do cérebro tenta dar a volta ao argumento dizendo que o que lhe interessa é evolução Darwiniana que é independente de elementos cognitivos. Fico na dúvida porque deu o exemplos dos ursos e lobos então. Mas adiante, que os disparates são enormes nesta matéria. Primeiro é óbvio que a evolução comportamental é Darwiniana porque Darwin definiu evolução com base em seleção natural e não em genética. As rápidas mudanças de comportamento que se propagam de geração em geração e que dependem da cognição são, obviamente, favorecidas pela seleção natural. Segundo se olharmos para o seu argumento no outro post, o exemplo que dá e a adaptação de individuos a patógenos. Acontece que a adaptação a patogenos consiste na seleção de indivíduos resistentes ou no aparecimento de mutações resistentes que acabam por ser favorecidas. Exemplos de rápida adaptação a doenças abundam e podem ser rápidos porque o "background" genético para fazer face a estas ameaças já existe em alguns indivíduos ou pode ser adquirido facilmente no quadro da variabilidade genética própria das populações. Não é o mesmo este tipo de adaptação a mudanças de fisiologia e comportamento (independentes da cognição) necessários para que os anfíbios mudem os seus ciclos de vida e dinâmicas populacionais. Por isso pedi e volto a pedir que me dê um exemplo (basta um) de anfíbios que se adaptaram a uma pressão externa numa escala de tempo humana mediante mecanismos de seleção natural Darwiniana.
"O simples facto de me pedir exemplo de uma espécie de anfíbio que tenha alterado o seu comportamento para se adaptar a uma ameaça humana diz tudo sobre a sua dificuldade de lidar com a incerteza darwiniana."
O que esta resposta revela é a falta de capacidade para entender a matéria que está a falar. Um exemplo de adaptação de anfíbios a pressões humanas não demonstra que uma qualquer população possa adaptar-se a uma pressão de outro tipo. Mas a falta de exemplos demonstra que a probabilidade que tal aconteça é muito baixa e como tal não pode servir para construir os argumentos que o Henrique, por simples teimosia, continua a querer construir.
Caro Anónimo,
Já percebi perfeitamente que é um verdadeiro especialista e conhecedor, simplesmente isso é irrelevante para a análise dos seus argumentos: não aceito argumentos de autoridade.
Rebata os meus argumentos em vez de andar às voltas a repetir eternamente o que já disse (e de caminho a distorcer o que eu digo, como por exemplo, argumentar que "Um exemplo de adaptação de anfíbios a pressões humanas não demonstra que uma qualquer população possa adaptar-se a uma pressão de outro tipo. Mas a falta de exemplos demonstra que a probabilidade que tal aconteça é muito baixa e como tal não pode servir para construir os argumentos que o Henrique, por simples teimosia, continua a querer construir" que é uma leitura abusiva do meu uso do exemplo: explicar que é possível haver mortalidade sem afectação de espécies.
Vou repetir o cerne da discussão: a mortalidade absoluta do que quer que seja é uma informação pouco relevante para discutir a afectação de uma espécie. Se se quer discutir afectação é preciso construir um argumento com mais informação (por exemplo, a mortalidade relativa, ou a tendência populacional não explicável por outros factores e etc.).
Mas um especialista que confunde o papel das características inatas ou adquiridas na evolução é um especialista que tanto leu, que tresleu.
Acontece aos melhores.
henrique pereira dos santos
O Sr. Anónimo diz:
"Sobretudo se essa mortalidade não decorrer de processos naturais para os quais a espécie vai tendo mecanismos adaptativos, mas de mecanismos externos ao sistema biológico para os quais as espécies não têm, nem terão, qualquer mecanismo de adaptação."
Eu contesto:
"Por isso nunca viu rapinas a planar na parte de trás dos aerogeradores à espera do momento em que as presas ficam apardaladas pela turbulência gerada. Por isso nunca viu lobos a esperar que o trânsito passe para passar estradas. Por isso nunca viu ursos à espera que os visitantes dos parques nacionais saiam das zonas de merendas para ir comer. Nunca viu ninhos de andorinhas nos beirais." Naturalmente estava apenas a dizer que é um disparate dizer que as espécies não se adaptam a mecanismos externos ao sistema biológico (mesmo que não saiba o que quer dizer esta expressão)
O anónimo sapiente replica:
"Sabia que a capacidade de adaptação das espécies está directamente associada ao tamanho do seu cérebro? Dê lá algum exemplo de um anfíbio que tenha alterado o seu comportamento para se adaptar a uma pressão humana?
Eu explico que a evolução se faz por processos inatos e não por factores adquiridos, não tendo portanto qualquer importância o tamanho do cérebro.
O anónimo remata:
"O seu erro começa desde o início quando fala de capacidade de adaptação dos anfíbios às estradas. Como exemplo dessa possibilidade fala de mudanças comportamentais em mamíferos e aves. Quando se lhe diz que esses são exemplos de evolução comportamental e que estão associados ao tamanho do cérebro tenta dar a volta ao argumento dizendo que o que lhe interessa é evolução Darwiniana que é independente de elementos cognitivos. Fico na dúvida porque deu o exemplos dos ursos e lobos então."
Eu desisto de argumentar. Detesto este tipo de discussões em que as pessoas argumentam de forma circular e desatam a pôr na minha boca os seus próprios argumentos por mim contestados.
henrique pereira dos santos
A conversa é interessante mas a polarização entre o anónimo e o Henrique não ajuda a clarificar o essencial. Deixo aqui dois comentários que espero ajudem a entender o cerne da questão:
1 - A introdução do tema da evolução nesta discussão é pouco útil pois se é verdade, como diz o Henrique, que desconhecemos o seu rumo e que "cisnes negros" (eventos improváveis mas de grande impacte) podem alterar o curso da evolução e permitir a adaptação dos anfíbios, por exemplo, a uma paisagem humanizada e fragmentada pelas estradas, também é verdade que não se pode fazer política de conservação com base em eventos possíveis mas improváveis (pelo menos com base no que sabemos hoje).
2 - Por outro lado se é verdade, como diz o anónimo, que maior uma mortalidade aumenta a probabilidade de extinção de uma dada população, também é verdade que as populações de anfíbios vivem em meta-populações (ou seja, sistemas abertos) e se uma população é sistematicamente afectada por uma estrada ela pode ser compensada por colonizações em populações adjacentes. Estes mecanismos são complexos e geograficamente estruturados (i.e., não são aleatórios). Portanto, o "random walk" (que que dizer que existe uma assimetria na dinâmica populacional, i.e., se as populações aumentarem poderão voltar a diminuir mas se diminuírem poderão chegar a um ponto em que não sobem de novo pelo que com o tempo a extinção é quase inevitável), abordado no clássico livro de Raup e usado pelo anónimo como base da sua argumentação, não se aplica à escala temporal em que nos situamos quando descrevemos dinâmicas populacionais. Especialmente se, como disse o Henrique, houver mecanismos de compensação em algum lado (por exemplo, numa estrutura de meta-populações). Obviamente isto não quer dizer que aumentos de mortalidade são bons para as populações mas temos de ter algum cuidado quando extrapolamos as consequências desta mortalidade para um universo mais amplo e desconhecido.
Miguel,
Não é de "cisnes negros" que falo (acontecimentos de baixa probabilidade e elevado impacto) mas da possibilidade do desconhecido (não sabemos como evoluem as populações que são afectadas por uma ameaça). O argumento da evolução entrou na discussão apenas por esta via, a do desconhecimento e da incerteza (cuja não aceitação é frequente na discussão do futuro, embora seja a base da interpretação do passado).
O argumento principal é mesmo o de que a mortalidade d indivíduos é uma informação pouco útil para discutir afectações espécies porque não há base empírica nem teórica para supor que há correlação entre mortalidade de indivíduos e extinção de espécies.
henrique pereira dos santos
Henrique,
Não entendo a diferença entre o que eu disse sobre "cisnes negros" e o que contrapões: o desconhecimento (ou seja o que não se consegue prever) gera fenómenos que podem contradizer as nossas expectativas (p.e. persistência quando se espera extinção). Para mim estamos a falar do mesmo e as consequências para o processo decisório são claras: Não consegues convencer ninguém a adoptar uma decisão com base naquilo que não sabes. E se o fizeres é com base no principio da precaução que vai no sentido oposto ao que defendes.
A segunda parte do teu comentário é exagerada. Como diria o outro, nem tanto ao mar nem tanto à terra. Imagino que tenhas algo muito concreto em mente quando fases semelhante afirmação mas a frase não é generalizável.
Dito de outra forma:
A extinção é SEMPRE o resultado de mortalidade > natalidade + imigração.
Portanto não podes dizer que a mortalidade é uma informação pouco útil para discutir afectações espécies e que não há correlação entre mortalidade e extinção.
O que podes dizer é que não é suficiente para estimar uma probabilidade de extinção.
Mas se dizes que não é suficiente cabe perguntar o que deve fazer um decisor perante informação parcial mas de sentido negativo, p.e., elevadas mortalidades mas nenhuma informação sobre natalidade e imigração?
De igual forma, que deve fazer o decisor quando tem informação parcial mas de sentido neutro ou positivo? p.e., informação sobre elevada natalidade mas nenhuma informação sobre mortalidade e imigração?
Se fores um decisor na área da conservação como actuas perante tal informação? Qual o ónus que dás à incerteza?
Sobre a questão dos "cisnes negros" entendo o que dizes. Acontece que é uma questão semântica. Quando falo de baixa probabilidade (para caracterizar o "cisne negro") não falo de baixa probabilidade real (os cisnes negros abundam na Australia) mas de baixa probabilidade no quadro do conhecimento actual (quando se pensava que os cisnes eram todos brancos a probabilidade estimada de se ver um cisne negro era zero). Ou seja, falo de probabilidades condicionais e não probabilidades reais. Por isso digo que estamos a falar do mesmo.
Miguel,
Eu durmo que nem uma pedra. Uma tia minha acorda com qualquer barulhinho. Nas actuais circunstâncias esta diferença é irrelevante para a evolução da humanidade.
Imagina que as circunstâncias se alteram e passamos a conviver com um predador especialmente letal, quase silencioso e que ataca de noite. Eu sou um homem morto, mas a minha tia provavelmente conseguirá defender-se.
Esta pequena diferença, ao longo do tempo, tenderá a dar uma vantagem competitiva a quem tiver o gene da minha tia que a faz acordar e a liquidar demasiado cedo quem herdar os meus genes de sono profundo.
Isto não tem nada com cisnes negros, nem do ponto de vista da probabilidades, nem do ponto de vista do impacto.
Ora a única coisa para que quiz chamar a atenção é para o facto destes mecanismos estarem sempre presentes e actuarem sempre face a qualquer alteração do contexto em que sobrevivemos. E por isso não devemos olhar para qualquer ameaça como se tudo o resto que conhecemos se mantivesse estático mas sim como mais um elemento de variação de um sistema em que tudo muda.
Não contestei as conclusões por achar que estão erradas, mas sim por serem assumidas como estando inegavelmente certas. O que dispensa os investigadores de procurar mais informação porque acham que a que têm é suficiente para declarar guerra a factores que escolheram de um vasto cardápio que poderiam ter estudado e não estudaram.
Quanto à mortalidade, repara que tenho dito sempre que o relevante é o saldo (que inclui a mortalidade) mas que a mortalidade, por si, e no teu comentário esqueceste este por si, é muito pouco relevante.
Portanto na posição de decisor, com esta informação incompleta, o que eu faria era pesar as soluções pouco complicadas e caras que poderiam diminuir a mortalidade (porque são pouco complicadas e baratas, não porque acredite especialmente na sua relevância para a conservação da espécie), procurar os factores de ameaça mais relevantes para espécie sobre os quais poderia actuar com efeitos reais (por exemplo, criando artificalmente áreas de reprodução em anos secos, que é barato e com um custo benefíocio muito interessante, tanto quanto sabemos) e dizia aos investigadores que se dedicassem a medir o significado dessa mortalidade em vez de o assumir como uma verdade revelada.
O que implicaria estudar as populações das espécies onde elas existem e persistem em vez de estudar os mortos na estrada.
Já agora, repito que tenho as maiores dúvidas que uma mortalidade deste tipo seja relevante, excepto em casos de populações muito, muito depauperadas por outros factores (como os atropelamentos de linces em estradas) mas nesse caso mais vale actuar sobre os verdadeiros factores de ameaça em vez de gastar recursos a tentar resolver os atropelamentos, sobretudo quando a afectação de recursos a resolver esse problema marginal é muito grande.
O que nos lixa são as pestes e a fome, não são os tiros, as estradas ou os fios eléctricos.
henrique pereira dos santos
Henrique,
Folgo saber que dormes como uma pedra. Mas se há um aspecto da teoria da evolução que reúne consenso alargado é que o curso da mesma não se pode prever. Podes conhecer os mecanismos que actuam sobe a evolução mas só a podes explicar a posteriori, tal como os "cisnes negros". Há demasiados factores que actuam, demasiadas possibilidades e fenómenos aleatórios para que, como resultado de uma pressão selectiva, possas prever a resposta evolutiva de uma ou mais espécies. Por este motivo, continuo sem entender a utilidade de introduzires neste debate a questão evolutiva. Para mim falar de evolução no contexto dos impactes de uma estrada é acrescentar ruído à discussão o que dificulta a transmissão da mensagem que pretendes veicular e que, de grosso modo e salvaguardados os teus exageros, concordo: ou seja, que é preciso cuidado na extrapolação das consequências de observações pontuais de mortalidade sobre o universo total da amostragem.
Nota que no que diz respeito a mortalidade eu não referi "por si" porque apresentei uma equação simples que diz mais que mil palavras.
Miguel,
Se leres o post original sobre o assunto (morte e conservação) verás que a evolução não aparece sequer. O segundo post resulta de vários comentários, nomeadamente os que chamaram a evolução para a discussão dizendo que é impossível haver adaptação a estradas porque são factores externos ao sistema biológico.
E é nesse ponto que resolvo fazer um post sobre evolução, para responder a esses comentários que traduzem uma mais que deficiente leitura do processo de evolução.
Sendo que o meu argumento sempre foi o que dissesta agora: não é possível prever, estamos no domínio da incerteza e portanto é precisa mais informação que a que é dada pela mortalidade, que é, por si, um factor que diz muito pouco sobre tendências populacionais (como já disse, a mortalidade pode aumentar porque a espécie está a aumentar).
O que critiquei, e critico, é a sistemática confuao conceptual entre mortalidade e afectação, confusão conceptual que é responsável por muito dinheiro mal gasto em conservação.
henrique pereira dos santos
Enviar um comentário