segunda-feira, maio 10, 2010

Evidência empírica e ideologia na conservação da biodiversidade

Tenho batido vezes sem conta na necessidade de reforçar a evidência empírica e fugir da ideologia em matéria de conservação.
Uma vez por outra caem-me nos olhos boas razões para continuar a bater nessa tecla.
Da tese de mestrado de Francisco Amorim (bastante interessante, aliás), sobre eólicos e morcegos:

"Apesar de não ter sido detectada mortalidade de espécies com estatuto de ameaça, a espécie N. leisleri, que foi uma das mais identificadas quer ao nível da actividade quer ao nível da mortalidade, apresenta o estatuto DD (informação insuficiente), o que pode implicar impactes negativos preocupantes em espécies que podem vir a ter um estatuto desfavorável. A reduzida mortalidade de espécies ameaçadas e a elevada mortalidade de espécies com estatuto DD tem vindo a ser confirmada por outros trabalhos (Arnett et al., 2008; Rodrigues, com. pess.)."

Evidência de afectação de espécies ameaçadas (e já nem estou a retomar a discussão sobre o uso da mortalidade como evidência de afectação): zero. Conclusão: "pode implicar impactes negativos preocupantes em espécies que podem vir a ter um estatuto desfavorável".
Prefiro a fórmula de Raúl Solnado: "quer queiras quer não queiras hás-de ser bombeiro voluntário". A estrutura lógica é mais ou menos semelhante.
Conselho: fazer uma visita a este site.
henrique pereira dos santos

10 comentários:

Anónimo disse...

Eu diria que de facto a estrutura lógica da totalidade do trecho transcrito é difícil de perceber.

Dá-me a clara ideia de que o autor é um produto da escola portuguesa pós-25 de Abril.

Luís Lavoura

Henrique Pereira dos Santos disse...

Não exageremos, Luís,
É um parágrafo retirado do seu contexto por mim (enfim, penso que esse contexto não justifica o sentido do que está escrito) e a razão pela qual o acho relevante é esta tendência da biologia da conservação (em todo o lado, não paenas em Portugal) enfatizar, para lá do razoável, as visões negativas do mundo.
Isso é ideologicamente justificado com o princípio da precaução, mas há muito tempo que venho dizendo, face à extensão com que é usado, que o primeiro sítio a que aplicar o princípio da precaução é ao uso do princípio da precaução.
Volto a dizer, a tese de mestrado de que retirei este parágrafo é bastante interessante e é proveitosa a sua leitura.
henrique pereira dos santos

Famorim disse...

Respondendo ao que interessa.

Quem ler a tese (basta mesmo o título) rapidamente percebe que o objectivo não passa por avaliar os impactos sobre os morcegos, ou sobre espécies ameaçadas.

Por outro lado o parágrafo em análise tem um sentido diferente daquele para onde o HPS o empurra e é, a meu ver, bastante explícito. Passo a esclarecer.

Para quem não sabe a categoria DD (Data Deficient) significa que o conhecimento sobre a espécie não é suficiente para avaliar o risco de extinção da espécie. Realço que a categoria correspondente no anterior livro vermelho era Informação Insuficiente e, ao conrário do que acontece actualmente, conferia estatuto de ameaça às espécies. O que me parece relevante neste parágrafo é que está a ocorrer mortalidade de uma espécie que não conseguimos avaliar se caminha, ou não, para a extinção... Conclusão óbvia, é urgente desenvolver estudos sobre esta espécie, para avaliar de forma quantificável se existe ou não uma ameaça conjuntural.

Era aí que se pretendia chegar!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Francisco,
Onde querias chegar saberás com certeza melhor que os leitores. Mas quando sobre uma espécie sem dados preferes dizer que ela pode estar ameaçada, em vez de dizer que pode não estar ameaçada (e as duas afirmações são igualmente válidas, exactamente porque não sabes, embora eu suspeite que é mais provável não estar ameaçada face aos indícios já hoje existentes) fazes uma escolha ideológica: dramatizar as ameaças.
É sobre isso que é o post. Sobre esse parágrafo e essa escolha, não sobre a tese.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...

Esqueci-me. Essa conclusão não é nada óbvia: alocar recursos a deslindar esse aspecto é retirá-los de outro lado, eventualmente um lado onde há fortes indícios de problemas sérios de conservação.
henrique pereira dos santos

Lowlander disse...

"Essa conclusão não é nada óbvia: alocar recursos a deslindar esse aspecto é retirá-los de outro lado, eventualmente um lado onde há fortes indícios de problemas sérios de conservação."

Caro Henrique,

Para mim isto nao faz sentido nenhum.
Um cientista faz um estudo sobre toda a informacao disponivel sobre variaveis que afectam a "survivability" (como e que se traduz isto?) de uma especie. Conclui que falta alguns dados podem ser preocupantes mas que, basicamente, ha uma grosseira falta de informacao sobre a especie.
O Henrique pede depois que esse cientista coloque nas suas conclusoes, face a falta de informacao disponivel NAO se deve procurar mais dados para obter uma melhor imagem do que se passa?
Isso seria espantoso: um cientista a advogar pela conservacao da ignorancia na sua area de estudo...
Quem e que esta, "afenal", a ser ideologico? - pergunto em tom de provocacao.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Lowlander,
Há um erro de raciocínio no teu comentário: o cientista não um estudo sobre toda a informação disponível.
O cientista diz que porque há uma classificação de informação insuficiente sobre a espécie é preciso estudar a espécie.
O que eu digo é que há mais informação que a classificação de informação insuficiente no livro vermelho: todos (ou quase) os estudos sobre morcegos realizados com ultra-sons (o que quase não se fazia antes da instalção de parques eólicos porque só se estudavam os abrigos das espécies cavernícolas, que não é o caso) identificam a presença da espécie em qualquer parte do país, portanto os indícios existentes são no sentido de que mesmo que os autores do livro vermelho considerem os dados insuficientes, o que se sabe sobre a espécie (coisa que o cientista não quis discutir e bem, dado que não era esse o tema da tese) não há razão para supor que a espécie esteja ameaçada.
Por isso a conclusão não é óbvia (não quer dizer que não seja certa, eu acho que não é mas faltam-me dados para ter mais segurança na opinião e é isso que me faz dizer que a conclusão não é óbvia), já que h´muitas outras espécies e grupos, de que se sabe muito menos e que provavelmente estão mesmo ameaçadas.
Como os recursos são escassos há que fazer opções. Não é advogar a conservação pela ignorância, é decidir a afectação dos recursos em função do risco conhecido.
henrique pereira dos santos

Famorim disse...

Não queria alongar-me muito nesta conversa, mas há coisas que importa esclarecer, para que aqueles que não estão por dentro das metodologias não formem as suas opiniões com base em considerações menos claras. A metodologia com detectores de ultra-sons que o henrique refere é das melhores metodologias disponíveis para estudo de morcegos, mas altamente limitante. Em primeiro lugar não permite contabilizar indivíduos, nem mesmo determinar abundâncias (pelo menos com os estudos a serem realizados nos moldes actuais). Para além disso algumas espécies possuem vocalizações com características semelhantes e por isso são difíceis de diferenciar. Duas dessas espécies são precisamente Nyctalus leisleri (a espécie em causa) e Eptesicus serotinus (uma espécie classificada como Pouco Preocupante e altamente generalista). Considero por isso que muitas das identificações que o henrique menciona, para além de não terem obrigatoriamente um paralelo na abundância da espécie podem mesmo não pertencer à espécie Nyctalus leisleri

Henrique Pereira dos Santos disse...

Francisco,
Folgo em ver o teu cuidado em não tirar conclusões apressadas sobre a distribuição e densidade do nyctalus dadas as limitações dos métodos de prospecção por ultra-sons. Reparo que te esqueceste de juntar a informação que vem da prospecção de cadáveres que confirmam a presença do nyctalus em quase todo o lado. Esqueces também a informação global sobre a espécie, que tem uma distribuição alargadíssima e é considerado globalmente como "quase ameaçado", ou seja, não ameaçado.
Estranho por isso que não apliques o mesmo cuidado e rigor no parágrafo que refiro.
Repara que a única coisa que estou a dizer é que esta deriva dramatizante é normal e vulgar em matéria de conservação, em todo o mundo, é instintiva para quem trabalha em conservação. Mas eu acho que se deve combater essa tendência natural com rigor, porque é o que nos defende de quem queira desvalorizar o que dizemos sobre as espécies verdadeiramente ameaçadas.
Se passamos o tempo todo a dizer que está tudo ameaçado e passam os anos e as espécies se mantêm, como queremos que nos liguem em relação à meia dúzia de situações a que é preciso verdadeiramente deitar a mão?
henrique pereira dos santos

Lowlander disse...

Caro Henrique,

Entao o que esta a dizer e que a classificacao do livro vermelho e inadequada e portanto as premissas do estudo erradas.
Assim sendo o que tem a fazer e: escrever um artigo em peer review a apontar estes erros e escrever uma carta ou contra artigo a apontar as suas duvidas sobre o artigo.

Repare que isto (apontar falhas metodologicas num estudo que podem invalidar ou acrescentar incerteza as suas conclusoes) e muito diferente do sentido critico que voce parecia querer dar no texto deste post, isto e, os cientistas estao a ser excessivamente cautelosos, ou se preferir a aplicar com demasiado rigor o principio da precaucao quando, face a ausencia de informacao fidedigna pedem mais estudos para a obter.

Em qualquer dos casos repito-me: este seu post e seguintes comentarios fazem pouco sentido para mim: se esta a criticar cientistas por estes quererem saber mais sobre uma determinada area de estudo, esta a pedir-lhes para deixarem de ser cientistas; se esta a criticar falhas metodologicas entao um blog, ainda por cima um blog nao especializado, nao e concerteza o forum adequado para as publicar.

Happy to discuss.