sábado, maio 08, 2010

Prados, vacas e estrumes

Lameiro de regadio (Rio de Onor, Bragança)

Catão o Censor [234-149 a.C.], diz-nos Columella [Res Rusticae II, 16, 2], enumerava numa passagem hoje perdida dos seus escritos, as seguintes vantagens para os prados: 1) o mau tempo afecta-os menos do que a outras partes do campo, 2) necessitam de um investimento [de manutenção] mínimo, 3) produzem ganhos todos os anos. Columella refere ainda que a palavra prado significa sempre pronto, e que os prados eram mais considerados do que a terra arável no modelo de exploração agrícola pugnado por Catão, há mais de 2000 anos!

Os Scriptores Rei Rusticae desconheciam a lei da conservação das massas de Lavoisier ou os princípios de nutrição de plantas formulados nos meados séc. XIX por von Liebig. Catão valorizava os prados porque estes, além de serem uma fonte fiável da energia que põe em marcha o carro e o arado, eram uma peça determinante nos sistemas de restituição da fertilidade dos solos agrícolas. O mecanismo da restituição da fertilidade dos solos agrícolas é conceptualmente muito simples. A manutenção da produtividade dos sistemas agrícolas depende da reposição dos nutrientes – por exemplo o azoto e o fósforo – consumidos pelas plantas cultivadas, e exportados dos solos agrícolas no interior dos grãos de cereal ou na carne animal. Sem nutrientes as plantas não crescem, e não produzem; se as perdas de nutrientes são maiores do que os ganhos o solo esgota-se e a produção de alimentos desaba. Os nutrientes eram um recurso escassíssimo nas sociedades orgânicas (muitos serviços pagavam-se com carros de estrume ou com direitos de pasto). Consequentemente, a restituição da fertilidade do solo era (e será sempre) a chave da produtividade dos sistemas orgânicos de agricultura.

Antes da generalização do uso de adubos químicos, a reposição dos nutrientes fazia-se recorrendo aos resíduos das culturas (quanto mais resíduos permanecessem no solo melhor), a estrumes (mais ou menos enriquecidos com resíduos de origem diversa) e ao enterramento em verde (sideração) de leguminosas. Os estrumes eram um produto animal tão importante como a carne, o leite, a lã, o couro ou a tracção. A produção de estrumes depende do consumo de erva. Quanto mais erva, maior o número de herbívoros domésticos e maior a produção de estrumes. Nos sistemas tradicionais de agricultura da montanha nordestina uma vaca produzia ca. de 15 t estrume/ano e 1 ha de centeio consumia ca. 15 t de estrume, que por sua vez sustentava ca. de 1,5 pessoas. Por conseguinte, quanto maior a área de pasto, e a sua produtividade, maior era a produção de alimentos vegetais, e maior densidade populacional de humanos. A criação de animais, e o consumo de carne, não são uma invenção moderna. A componente animal (e implicitamente o consumo de carne) é indispensável no desenho de sistemas sustentáveis de agricultura.

As leguminosas pratenses e forrageiras foram tão importantes como o carvão na génese da revolução industrial em Inglaterra, no séc. XVIII. A incorporação de trevos nas rotações trienais herdadas da Idade Média aumentou os imputs de azoto no solo, a produção de pasto e fenos e a produção de estrumes. Por esta via (mas não só) os trevos incrementaram a produtividade do trabalho agrícola e a disponibilidade de trabalho para a industria. "Carvão, trevos e proletários", poderia ser este o título de um livro sobre a revolução industrial.

Os serviço de regulação do ciclo de nutrientes prestado pelo tandem pastagem-animal é pouco valorizado nas sociedades industrializadas. Para além de sustentarem a produção animal, e de servirem de refúgio a plantas e animais de elevado valor conservacionista, a restauração da fertilidade química e física dos solos degradados pela cerealicultura, e a sequestração de carbono são os serviços ecossistémicos prestados pelos prados de maior valor social na actualidade. No entanto, estou seguro que a função de colector de nutrientes no passado desempenhada pelas pastagens será, mais tarde ou mais cedo, recuperada. A escassez energética, e a depleção das reservas globais de fósforo a isso obrigarão.

Esta semana decorreu entre Miranda do Douro e Zamora, o IV Reunião Ibérica de Pastagens e Forragens. Para quem gosta, pratica e/ou estuda a agricultura foi um momento fantástico de convívio e aprendizagem, fundamental num tema tão complexo, tão interessante, tão importante como são as comunidades herbáceas, indígenas ou semeadas, sujeitas a pastoreio, ou as culturas forrageiras.

Senti uma angústia crescente nos quatro dias que durou o encontro. Um tema crucial como este reuniu muito menos interessados do que um qualquer encontro nacional dedicado à conservação da natureza, ou a um pequeno grupo de vertebrados. Já nem falo na correria que são os congressos de energias renováveis, de planeamento e gestão do território, de economia regional ou de segurança alimentar, quatro temas de discussão recorrentes na lista AMBIO.

Alguma coisa não está bem!

11 comentários:

Henk Feith disse...

Muito interessante.

Carlos, qual é no teu ver a importância da deposição atmosférica no ciclo de nutrientes? Académicos do ISA afirmam que ela por si só compensa a saída de nutrientes de sistemas de produção florestal.

Fizemos no outono passado a sementeira de 40 hectares de pastagens biodiversas (projeto TerraPrima). Qual a tua opinião sobre o valor destas culturas para a composição florística destas pastagens por um lado e sua capacidade de fixar carbono no solo por outro.

Um abraço,

Henk Feith

Carlos Aguiar disse...

Os sistemas de agricultura beneficiam de deposições atmosféricas de azoto (e não só), e dos nutrientes libertados na solução do solo pelos minerais primários. Porém, estes aportes são insuficientes porque as plantas agrícolas são muito exigentes em nutrientes. Por isso é possível estudar a perfomance dos sistemas de agricultura tradicionais com base em medidas simples - e.g. equivalentes trigo e kg de estrume - e considerar como constantes a fertilidade natural do solo e a deposição atmosféricas de nutrientes.
Henk, poderiamos definir a agricultura como a "arte de cultivar plantas seminitrófilas". A silvicultura trabalha com outras plantas, de ecologia muito distinta das plantas agrícolas.

A sequestração de carbono em pastagens permanentes semeadas biodiversas ricas em leguminosas (PPSBRL) tem sido intensivamente estudada pela equipa do Prof. Tiago Domingos (IST). Os valores recentemente publicados por Teixeira et al. (2008) são muito simpáticos: em dez anos o teor de Matéria Orgânica num solo semeado com PPSBRL pode subir ca. de 2% (depende do ponto de partida) e, por essa via, serem sequestrados ca. de 5t CO2/ha/ano. Saberás certamente que a sequestração de carbono em PPSBRL vai ser apoiada pelo Fundo Português de Carbono.

As PPSBRL são uma espécie de Ovo de Colombo. O seu inventor - o Engº David Crespo - antes da comunidade científica abraçar em definitivo o estudo das relações produtividade-diversidade, resolveu emular, com enorme sucesso, a estrutura florística das pastagens naturais de trevo-subterrâneo. Hoje em dia os ecólogos discutem aquilo que o Engº Crespo foi capaz de antecipar há mais de 30 anos!

Nuno disse...

Post muito interessante,

Fiquei alertado para a importância dos pastos ao ler dois livros que me recomendaram relativos a criação de gado pelo guru americano das pastagens, Joel Salatin. Os dois livros eram estes:

http://www.amazon.com/Salad-Bar-Beef-Joel-Salatin/dp/096381091X

e

http://www.amazon.com/Pastured-Poultry-Profits-Joel-Salatin/dp/0963810901/ref=pd_sim_b_1

O conceito de rotação é bastante simples e está pelos vistos a ser estudado: pasto diverso para vacas (o "salad bar" como ele lhe chama), seguido de aves que comem parasitas no estrume, uma breve passagem de caprinos e pousio. É uma apresentação bastante simples de uma personagem sui generis mas levou-me a querer saber mais sobre o tema.

Infelizmente a discussão sobre o solo esgota-se muitas vezes no "biochar" ou "terra preta" mas mais por causa do seu efeito- pensa-se- como sequestrador de carbono no solo. Também se fala cada vez mais sobre o impacto de excesso de nitrogénio (sempre me perguntei como se lida com isso nos Açores), nomeadamente o de origem artificial:

"New research: synthetic nitrogen destroys soil carbon, undermines soil health"

http://www.energybulletin.net/node/51697

Cumprimentos

Nuno Oliveira

Henk Feith disse...

Obrigado Carlos,

Mais uma curiosidade fruto da minha ignorância: qual a relevância do fator animal na decomposição de matéria vegetal? Quero dizer: estrume são restos de plantas (no caso de vacas, claro) que passaram pelo sistema digestivo das ditas. Este facto os torna mais nutritivo quando comparado com restos de plantas que passaram por um processo de compostagem? Dito de outra forma: a vaca acrescenta alguma coisa ao estrume que a compostagem não tem, em termos de fertilidade?

Henk

Carlos Aguiar disse...

Olá Henk. Fazes uma pergunta difícil! Não sendo especialista em fertilidade e em agricultura orgânica apenas te posso dar algumas pistas de carácter geral. Felizmente, em Portugal, temos um óptimo livro de Fertilidade do Solo - "Produtividade dos Solos e Ambiente", da Prof. Amarilis de Varennes - onde encontrarás respostas fundamentadas às tuas dúvidas. O "Manual de Agricultura Biológica" editado pelo Jorge Ferreira, meu colega de curso que não revejo há muitos anos, é também de leitura obrigatória.
Aqui vão algumas ideias.
A compostagem pode ser entendida como um processo de pré-digestão microbiana de resíduos orgânicos. Este processo tem por função eliminar as desvantagens dos resíduos "crus", por exemplo, alto teor em água, peso elevado, transporte e distribuição difícil, mau cheiros, presença de patógenos e desequilíbrios nutritivos (e.g. relações C/N [carbono/azoto] demasiado baixas). Por outro lado, jogando com a relação C/N a compostagem permite valorizar resíduos que de outro modo poderiam imobilizar nutrientes, e deprimir as culturas, se aplicados directamente ao solo (e.g. palhas e serrim com elevada relação C/N).
Os estrumes têm uma relação C/N (geralmente 20 a 25) muito favorável, o que os torna muito apetitosos para os microorganismos de solo, e acelera a sua decomposição no solo. Assim sendo, os estrumes podem ser incorporados no solo à sementeira ou plantação, com proveitos (quase) imediatos para as plantas. Repara, também, que a vaca substitui as máquinas no corte e transporte da matéria vegetal para as pilhas de composto, oferece um substrato (estrume) essencial para a compostagem, e incorpora nos seus estrumes plantas que jamais te darias ao trabalho de colher e transportar para as pilhas de composto.
Por alguma razão nas sociedades orgânicas (anteriores ao uso de adubos químicos) a "felicidade pela agricultura" dependia dos estrumes.
No post referi que apenas os sistemas agro-pecuários (mixed-farming) podem ser sustentáveis. Essa sustentabilidade advém do papel do animal no transporte e redistribuição da fertilidade (dos nutrientes das plantas). Por essa razão oponho-me a uma condenação gratuita da produção animal e do consumo de carne.

Nuno disse...

Caro Carlos Aguiar,

Eu também me oponho a extremismos mas devo dizer que conheço vegetarianos (ovolacto) que têm cavalos (e galinhas em menor escala) a desempenhar essa função, para além de transporte e trabalho, e parece correr-lhes bem. Dizem que é melhor que uma vaca porque é menos exigente com o pasto.

O estrume dos cavalos é pior?

Cumps

ps. Não sou vegetariano.

Anónimo disse...

Nuno, não tenho experiência com cavalos. Apenas lhe posso dizer que os colegas galegos especialistas em silvopastorícia defendem que os rebanhos mistos de vacas e cavalos são vantajosos em baldios de tojo-arnal (Ulex europaeus) e tojo-molar (Ulex minor). O cavalo consome U. europaeus, enquanto a vaca se dedica ao U. minor. Esta observação é muito importante porque os matos das zonas temperadas oceânicas do NW rapidamente são ocupados por este tipo de matos, e o tojo-arnal acumula muito mais biomassa do que o U. minor. No passado roçavam-se os tojos: estas plantas são leguminosas e, por isso, fixam azoto e desempenhavam um importante papel na restituição da fertilidade nas regiões de clima temperado ou mediterrânico mais húmido e oceânico (é curioso constatar que todos os maciços montanhosos com Ulex minor têm uma raça autóctone especializada no seu consumo). Sem roça nem herbivoria agravam-se os riscos de incêndio. Certamente algum subscritor desta lista poderá analisar o seu comentário com mais propriedade do que eu.

Nuno disse...

Agradeço a resposta, provavelmente não existe uma situação de complementaridade que permita manter o equilíbrio dos prados, isto porque sei que eles não intervêem directamente sobre a sua composição ano após ano, analisando a flora e corrigindo com plantações (como no exemplo dos livros que mencionei acima), fazendo apenas uma rotação segundo uma malha.

Isto porque não é possível uma agricultura sustentável sem fertilizantes animais, o que não implica necessariamente uma dieta baseada no consumo de carne, segundo os amigos que mencionei.
Interessa-me este aspecto só por uma questão de curiosidade, não como solução universal.

Cumprimentos

Carlos Aguiar disse...

Nuno, se retornássemos a uma agricultura exclusivamente orgânica, como acontecia há 100 anos atrás, não escaparíamos a uma dieta com carne.
A explicação é simples.
Sem animais não se podem "fechar" (nunca se fecha totalmente, para mal dos nossos pecados) os ciclos dos nutrientes.
Complemento esta asserção com outro raciocínio.
O proteccionismo dos cereais iniciado com a Lei da Fome de Elvino de Brito (1889) estimulou uma agricultura de depredação de nutrientes ("nutrient mining"): extraíram-se nutrientes (em grande parte provenientes da mineralização da matéria orgânica de solos secularmente ocupados com pastagens naturais) que não retornaram ao solo via estrumes ou fertilizantes minerais (a lei da conservação das massas é inexorável). Por conseguinte, por exemplo, a pobreza em fósforo que caracteriza os nossos solos, pelo menos em parte (não sei quanto), radica em sistemas orgânicos de agricultura desequilibrados pela procura de cereais (e pelo crescimento populacional). No passado era muito mais sustentável uma dieta enriquecida com carne, do que apenas baseada em sopas de pão e azeite (os agrónomos romanos já o sabiam, e as legiões romanas praticavam-no, e por isso um legionário tinha em média mais 4 cm de altura do que um italiano do séc. XIX). Nesta perspectiva, a incorporação de superfosfatos nos solos de pastagem mais não é do que devolver aquilo que abusivamente se extraiu.
Dizia-me um colega alentejano na semana passada: "com pastagens ricas em leguminosas e vacas estou a repor a fertilidade dos meus solos, e vou transmitir aos meus descendentes uma terra mais rica em matéria orgânica, mais fértil, do que aquela que herdei [devassada pela cerealicultura]". Portanto, hoje também é mais sustentável comer animais (é disso que se trata) criados em sistemas extensivos fundados em pastagens de trovo-subterrâneo, do que trigos do "wheat belt".
Para quem se preocupa com as gerações vindouras no momento de escolher um produto agrícola faria mais sentido optar por um rótulo de sustentabilidade garantida, do que por um produto de agricultura orgânica cujos imputes de azoto têm origem no bagaço de soja que compõe os concentrados animais, e recuando mais um pouco na estrutura do sistema, nas fábricas de síntese de amónia (atenção, não estou a dizer que toda a agricultura biológica funciona assim). Confesso que me incomoda este maniqueísmo do movimento anti-OGM, dos veggies e de alguma agricultura biológica, que percorre horizontalmente a ideologia ecologista: não bate certo com a agronomia, e com a história.

Nuno disse...

Olá Carlos Aguiar,

Gosto bastante de aprender sobre este assunto (entre outras coisas desconhecia o problema do fósforo que explicou).

Volto a reafirmar a excepcionalidade do caso que apresentei- eles não compram alimentos (para além de azeite e sal) e estranhei que evitassem os cereais- tentaram cultivar em pequena escala mas desistiram, existem limitações para o seu estilo de vida. No entanto os animais, apesar de não serem comidos, são uma parte fulcral da manutenção da saúde dos seus solos, sem contradição com aquilo que disse sobre a agricultura exclusivamente orgânica, acho eu.

É realista toda a gente alimentar-se assim? Provavelmente não. Mas dizem-me que facilmente alimentariam (são 4) várias vezes mais pessoas a partir da sua pequena exploração. Isto porque a capacidade das "agriculturas biológicas" em alimentarem o mundo (no plural porque não tomado no sentido estrito de uma certificação) é um assunto que me interessa bastante e é hoje fruto de interessantes e acesos debates.

Fiquei muito curioso pelo caso particular deles porque me pareceu um modelo possível para aplicar em pequena escala, com subsistência e venda externa, em realidades com maior proporção de população rural e/ou em que o mercado permita a sua rentabilidade. Em Portugal parece complicado pelos dois motivos, sem um elevado valor acrescentado dos produtos (eles não têm qualquer certificação).

Isto para dizer que não é possível assumir fórmulas definitivas e que existem inúmeras formas de praticar agricultura de acordo com inúmeras dietas por todo o mundo, o que é parte do fascínio que facilmente se ganha a esta complexa arte milenar.

Como as aparências enganam existem também produtores biológicos a quem não é indiferente não existirem fornecedores suficientes de sementes, rações e árvores certificadas (é uma reclamação bastante comum, pareceu-me) tal como existem pessoas anti-ogm (os que existem agora no mercado) que são a favor da biotecnologia, tal como existem vegetarianos que conhecem o impacto de monoculturas intensivas de vegetais e os evitam. É possível comer "mal" ou "bem" sendo vegetariano ou biológico ou sendo contrário das duas coisas, oposto esse que também convive com bastantes maniqueísmos, como disse.

Para o melhor e para o pior o movimento ambientalista não é homogéneo de forma alguma, mas importa haver uma certa convergência. Acima de tudo importa evitar categorizar o "lado contrário" e ter um debate aberto sobre a agricultura e alimentação, urgente por todos os distúbios ambientais e de saúde humana que proliferam hoje e porque, diz-se, a Agricultura é a actividade humana com maior impacto.

Como foi sugerido noutra ocasião era bastante interessante os autores do Ambio organizarem um pequeno ciclo de debates/discursos sobre estes temas dirigidos aos público em geral e leigos interessados como eu, também como reacção á baixa assistência do encontro de zamora/miranda (e outros) que mencionou. Eu estaria lá para aprender mais um pouco.

Cumprimentos

Nuno Oliveira

Carlos Aguiar disse...

Nuno, os seus amigos compram estrumes ou fosforites? Alugam quartos ou recebem voluntários? Estas duas questões são essenciais. As comunidades "autosuficientes" geralmente praticam pelo menos uma destas soluções para equilibrar os seus sistemas "económico" e agro-pecuário. Repare que a compra de estrumes de vacaria, por exemplo, mascara uma importação de fósforo e azoto mineral aplicado ao milho e à soja do outro lado do atlântico (as vacarias alimentam maioritariamente os seus animais com alimentos concentrados). O dinheiro do aluguer de quartos, por seu turno, permite a aquisição de nutrientes e energia fora do sistema agro-pecuário, para já não falar do pão e dos meios de trabalho (ferramentas). A mesma lógica se aplica à recepção de voluntários. Quero com esta nota chamar a atenção que os sistemas de agricultura biológica dependem de recursos não renováveis (e.g. fosforites), e, frequentemente, limitam-se a interpor um animal, ou uma planta e um animal, entre o saco de adubo e o composto. As gens "autosuficientes" são, sem dúvida, mais eficientes no uso dos nutrientes vegetais (e.g. KCal consumida/unidade de P ou N), mas são tão dependentes da síntese química do amoníaco e dos depósitos de fosforites do ex Sahara espanhol, ou das minas de Gafsa como eu!

Há coisa de um mês ouvi um agrónomo a expressar publicamente a sua satisfação pelo facto do sistema mundial de produção de alimentos ter reagido à subida dos preços, e o ano agrícola 2008-2009 (no hemisfério norte) ter apagado os sinais de escassez. Esta satisfação de "curto prazo" é enganadora: as crises dos sistemas de agricultura do séc. XXI não serão conjunturais, mas sim estruturais.
Como nos vamos alimentar no futuro? Eis a grande questão. O Nuno coloca-a por outras palavras quando se interroga: "É realista toda a gente alimentar-se assim?". Partilhamos as mesmas dúvidas, para as quais nos faltam soluções satisfatórias. Porém uma coisa é certa, o debate sobre agricultura e alimentação no meio ecologista está descentrado, para perceber quanto basta ler este documento do Plant Research International: http://www.mvo.nl/Portals/0/duurzaamheid/biobrandstoffen/nieuws/2009/11/12571.pdf