Leio hoje no Público uma reportagem sobre a reprodução em cativeiro de francelhos.
Leio mas não percebo.
Por que razão existe dinheiro público a pagar a reprodução em cativeiro do francelho? Por que razão se só há consistência se se mantiver a reprodução pelo menos quatro anos há aprovação e execução de projectos só durante dois anos (depois logo se vê nos dois anos seguintes, mas vai com certeza ser feita a chantagem de que é uma estupidez não paroveitar o investimento já feito)? O que se pretende é reestabelecer uma população na cidade de Évora, porque há outra, em forte expansão, mas está a oito quilómetros.
250 mil euros? 125 mil euros por ano para reproduzir uns quantos francelhos para refazer uma população irrelevante do ponto de vista de conservação da espécie (aliás em forte expansão)?
Não tenho nada contra quem quer fazer reproduções em cativeiro com os seus próprios recursos, mas com o meu dinheiro? Ou melhor dizendo, com o dinheiro que entreguei ao Estado para se fazer conservação?
Francamente as máquinas de captação de projectos e criação de emprego artificial em que se estão a tornar algumas ONGs, com as mais piedosas intenções e justificações, começa a tornar-se demasiado pesada para o contribuinte.
Se a LPN quer brincar aos centros de reprodução e recuperação de espécies que peça dinheiro aos seus sócios (como é o meu caso) e aos seus mecenas, justifique por que razão devem os seus sócios e mecenas dar prioridade a essa afectação de recursos e contrate as pessoas envolvidas por concurso público.
Desviar o dinheiro dos contribuintes (sejam eles portugueses ou alemães) para questões marginais de conservação apenas por deleite de meia dúzia de pessoas pode ser muito gratificante no curto prazo, mas vai implicar muito anos de recuperação para o movimento ambientalista quando a insustentabilidade de tudo isto se impuser.
henrique pereira dos santos
37 comentários:
Eu também gostava de ter um centro de reprodução...
João,
Desde que seja com o seu dinheiro, não tenho nada contra. E repare que esta frase não é aceite por toda a gente: há muitas pessoas que acham que este tipo de estruturas deveriam ser todas do Estado.
Eu acho exactamente o inverso: o seu contributo para a conservação é marginal e por isso deveriam ser todas privadas, admitindo que em circnstâncias específicas o Estado se meta no assunto.
henrique pereira dos santos
Um excelente artigo, HPS! É por isso que me congratulo com o link que estabeleci no meu blog para o Ambio...
Ecotretas
Estou de acordo. Especialmente porque tenho assistido de perto às tentativas goradas de muito individuas de espécie de colonizar novos territórios e que falham por falta de habitat de nidificação apropriado (por ruína ou reconstrução de antigas edificações)... Com um pequeno investimento na construção de paredes de nidificação em áreas como Beja, Cuba, Ervidel e outras seria possível um aumento do efectivo populacional e da área de distribuição que eventualmente levaria à recolomização de locais de nidificação históricos como Évora ou Mértola.
Alexandre Vaz
Se a LPN, ou qualquer outra associação, quer criar Francelhos para sustentar a sua equipa numerosa técnica alapada aos subsídios, que o faça com dinheiro de mecenas e não com o dinheiro dos contribuintes.O problema é que os governantes estão reféns destas pseudo-associações de conservação da Natureza. Se os subsídios não caem com fartura, saem disparadas para Bruxelas queixas contra o Estado português pelo incumprimento de uma qq directiva europeia. Não é falta de vergonha, trata-se de atitudes absolutamente mafiosas.
Parece-me que há um óbvio exagero neste post. É óbvio que o impacte deste investimento é limitado em termos de conservação da "biodiversidade" mas o projecto tem um impacte social interessante ao representar um esforço de conservação em ambiente urbano (e o Henrique disso entende). Se não o tivesse não teria uma farmácia, uma camâra municipal e a Junta de Extremadura a apoiar.
Devemos escrutinar e questionar os gastos públicos? Sim. Devemos pensar com mais rigor sobre as prioridades de investimento na área da conservação? Sou o primeiro a defendê-lo há vários anos e sobre isso já escrevi muito. Mas engalinhar com um projecto de sucesso, na área da conservação, movido por uma ONGA (que não tem obrigação de pensar globalmente: esse papel cabe ao Estado) ainda que com um impacte global pequeno, quando se gasta muito mais dinheiro a fazer rotundas, fontes e outras obras absurdas, parece-me algo desfocado.
Note-se que as verbas utilizadas para este projecto não provêm do orçamento de conservação do Pais. Portanto o projecto não compete directamente com outras prioridades de conservação; compete eventualmente com investimentos noutras áreas.
Mas se analisarmos como se gasta o dinheiro do CREN por este País fora (e outros da UE) não teremos dificuldade em concluir que este nem é tão mau investimento quanto isso: reforçam-se efectivos de uma espécie que até há pouco tempo estava em declinio, reforça-se o interesse turístico da cidade, contribui-se para um maior conhecimento logo sensibilização dos cidadãos para a conservação da biodiversidade.
Seria possivel conceber projectos melhores? Claro que sim, é sempre possível melhorar mas a atribuição de fundos do CREN faz-se através da competição entre propostas reais. Se aparecerem propostas melhores existe a possibilidade que sejam financiadas. Portanto a eventual crítica deveria estar não do lado de quem apresenta propostas e as ganha mas de quem não as apresenta e se fica pelo mero "grumbling" da praxe.
Miguel,
Considerar que o projecto tem interesse porque se não tivesse não teria entidades públicas a apoiá-lo é um bocado forçado. Conheço dezenas de projectos apoiados por outras razões que não o seu interesse.
Não engalinhei com o projecto, perguntei-me a mim próprio por que razão há dinheiro público envolvido nele.
Se as razões são as que apontas seria muito mais interessante (e barato) investir nas condições de fixação da espécie no centro de Évora que na sua reprodução em cativeiro (se leres a notícia repararás que a espécie desapareceu com recuperação da muralha e não percebo o que hoje existe de diferente em Évora que leve os bichos a lá ficarem).
A ideia de que o movimento ambientalista é irresponsável em relação às propostas que apresenta (isto é, pode fazer as propostas que quiser que se forem pouco interessantes o problema é de quem as aprova) é bastante perigosa a prazo.
É um bocado excessiva a tua conclusão: qualquer grumbler (nem sei se a palavra existe) pode apresentar propostas melhores em vez de comentar propostas de terceiros. Está bem abelha.
Tenho um exemplo concreto com a ano internacional da biodiversidade em Lisboa: apresentei uma proposta pequena e específica à Câmara de Lisboa que até hoje nunca me respondeu, penso que em grande parte porque a Faculdade de Ciência e o Museu de História Natural apresentaram uma proposta gigantesca (nos meios envolvidos) e, na minha opinião, pouco interessante (muitos estudos, colóquios e etc., muito pouca gestão concreta) que tem atrás de si o peso dos seus proponentes.
As coisas não são assim tão lineares.
O post é um bocado exagerado? É sim, mas menos exagerado que a forma como algumas ONGAs captam recursos públicos usando toda a sua capacidade de influência.
henrique pereira dos santos
Caros,
Não conheço o projecto em pormenor, mas há duas questões que coloco:
1) porque razão é que nos preocupamos em criar um centro de reprodução quando já existe um em Espanha que cria com êxito. Aproveita-se o conhecimento e provavelmente dá-se (ainda?) mais razão para a sua existência? É sempre uma questão que me intriga, tendo em conta a enormidade de dinheiro que se pouparia em recursos relativamente à opção de ter vários centros...
2) um dos problemas de apostar em acções não prioritárias é também um problema de recursos humanos; falo daqueles - nomeadamente, dirigentes - que certamente estariam a fazer coisas eventualmente bem mais importantes e que, desta forma, optam por despender em acções sem grande relevo ao nível da conservação da natureza...
Gonçalo Rosa
Felizmente desisti de pagar quotas de sócio da LPN há uns 3 anos. Mas voltarei a sócio, como o fui durante mais de 1/4 século, pagando o atrasado, quando a LPN voltar a ser uma associação de defesa do ambiente e se deixar de trapalhadas.
O Miguel Araújo porventura desconhece que a LPN tem sido visceralmente contra a reintrodução na natureza de espécies criadas em cativeiro. Os seus peritos de longa data ainda há pouco tempo assim o proclamaram relativamente a espécies em situação desesperante em Portugal. Porventura a LPN poderá argumentar que Évora não é um espaço natural, e os francelhos deverão continuar a ser alimentados à mão pelos alentejanos, principalmente pelas crianças, que recolherão dos jardins da cidade gafanhotos e besouros. Aliás os Francelhos serão treinados a não sair do espaço aéreo da cidade. Doutra forma a encomenda de francelhos seria entregue a um falcoeiro, que produziria anualmente entre 4 e 5 por cada casal reprodutor, no máximo por 4000 euros(informação fidedigna). Também poderá argumentar para nos deixarmos de ser galinhas por uns míseros 250 000 euros. Afinal não passam de 500 ordenados mensais dos brasileiros e doutra gentinha que não soube ser doutor.
Muito mais dinheiro se gasta para fazer uma rotunda desnecessária, argumenta o Miguel. Tem razão nesse aspecto. Mas se o argumento pega moda, todos os gastos estapafúrdios, com dinheiros públicos, inferiores a 250.000 euros ficam justificados.
Jaime Pinto
Pela mão de um amigo cheguei cá.
Estou inteiramente de acordo com HPS e com todos aqueles que emitem opinião assim sensata, cuidadora do dinheiros públicos e amiga do ambiente sem ser fundamentalista.
Não tenho a certeza, embora esteja convencido, ser a LPN quem sacou uns largos milhões de Euros a um Fundo de Bruxelas com um projecto das Abetardas em Castro verde.
Vi por acaso o site da UE onde constava o projecto port., os valores envolvidos (quase astronómicos) e o que me chocou foi o resultado: ao cabo de 4 ou 5 anos o n.º de Abetardas, OFICIALMENTE (segundo eles) aumentou cerca de quatrocentas e tal.A ideia que tenho é que cada abetarda (recuperada ou mal contada?) custou mais de um milhão de Euros!, muito almocinho etc.
É claro, estão instalados, "botam" opinião nos jornais e nos media em geral, mas tenho francamente a opinião má e são inimigos da tão propalada biodiversidade, porque a querem à força, contra as populações e sem pagar nada.
Abel Lacerda
Henrique
Uma primeira leitura da tua opinião levou-me a pensar que se tratava de uma ironia, já que o assunto merece análise mas nunca um ataque frontal e totalmente negativista.
O que notei em primeiro lugar foi a imagem escolhida para ilustrar este post: representa um macho e uma fêmea de peneireiro-comum Falco tinnunculus e não o francelho Falco naumanni. Para quem costuma exigir tanto rigor neste blogue, foi um erro evitável, pois dá a entender que nem conheces muito bem a espécie em causa.
Quais serão as espécies que para ti faz sentido investir na sua conservação? Caso se estivesse a falar de gastar 250 mil euros para a reprodução em cativeiro de melros, milhafres-pretos ou cegonhas-brancas, esta tua indignação sobre o uso de dinheiro dos contribuintes poderia fazer algum sentido. Mas trata-se de uma espécie com estatuto de conservação desfavorável e em declínio a nível global.
Como refere o Miguel Araújo, existe interesse do município e de entidades privadas em participar nesta acção, que irá contribuir para a valorização turística de Évora e para a sensibilização e participação da comunidade educativa.
Sobre o uso de dinheiros públicos, importa recordar que foi com o dinheiro dos nossos impostos que se pagaram as obras no castelo de Castelo de Marim e a consequente perda dos locais de nidificação de 80 casais, já para não falar nas obras de recuperação de muralhas, castelos e igrejas na década de 50, principal razão do desaparecimento desta espécie nos núcleos urbanos de Vila Viçosa, Évora ou Beja. Os fundos do QREN são para aplicar até ao final de 2013 e estamos com baixos níveis de execução, logo se esta pequena fracção não for aplicada na conservação do francelho, outro destino será encontrado à pressa e porventura menos útil.
Quanto à recente expansão da população em território português é um facto, mas o post omite qual foi o contributo das acções desenvolvidas pela LPN nos últimos 10 ou 15 anos para essa mesma recuperação, em particular nas suas propriedades e na restante área das ZPE’s de Castro Verde e do Vale do Guadiana, que neste momento alberga 80% da população em território nacional.
A colónia próxima de Évora beneficiou de uma continuada intervenção de elementos da LPN, amigos e familiares em regime de voluntariado, logo sem custos para o erário público, tendo por isso mais de quarenta casais e não apenas cinco ou mesmo zero. Localiza-se em ruínas de antigas habitações em taipa, cuja degradação tem sido retardada mas é inevitável, pelo que corre o risco de a médio prazo deixar de possibilitar a nidificação desta ave, fazendo todo o sentido a disponibilização de alternativas próximas, onde se inclui a cidade de Évora.
Caro Abele Lacerda,
As contas não podem ser feitas assim, um aumento de 400 abetardas é um êxito notável e nem de perto nem de longe isso dá um milhão de eruos por abetarda (e volto a dizer, as contas não se fazem assim, quanto mais não seja porque esse aumento continua a repecutir-se muito para lá de acabados os processos.
João,
Sim, não conheço a espécie, gostei da imagem que estava identificada como francelho no site de onde a tirei, e não usei outra porque não encontrei uma de que gostasse mais. Sou um péssimo naturalista e um completo nabo a identificar espécies. Portnato nessa matéria não se espere nenhum rigor nos meus posts.
Volto a dizer, não percebo como para responder a um problema bem identificado (a redução de locais de nidificação por recuperação do património edificado) se responde com criação em cativeiro.
E volto a dizer que não sei por que razão se gasta dinheiro público nisso.
A mim a poupança de dinheiros públicos não me faz impressão nenhuma. Se sobrar dinheiro porque não há projectos úteis para executar, óptimo.
Que a LPN queira fazer isto com o seu próprio dinheiro, nada contra, com o dinheiro dos contribuintes (que incluem os mais pobres) não me parece bem.
Não me viste criticar o que foi feito nas propriedades da LPN, mesmo com dinheiros públicos. É discutível mas está dentro da grande gama da normalidade, ao contrário disto.
Um dia destes faço um post sobre prioridades de conservação (já tinha pensado nisso a propósito das 25 prioridades que a QUERCUS apresentou um dia destes).
henrique pereira dos santos
Henrique,
A reprodução em cativeiro é um passo anterior à re-introdução no terreno. Não conheço este projecto mas não concebo sequer a possibilidade de que a re-introdução, com a consequente criação de habitat nas muralhas da cidade, não seja o destino final deste projecto.
As ONGAs, sobretudo as mais pequenas, movem-se muitas vezes ao sabor das oportunidades e estas resultam do contexto externo e das preferências/competências dos associados que nelas trabalham. É ideal? Não mas é assim a realidade.
Por exemplo a associação em que trabalhas, a ATN, comprou um terreno no Côa com fins múltiplos que incluem a gestão para conservação. É um projecto meritório? Sim. É o melhor investimento de conservação que poderia ter sido feito com a verba disponível? Permito-me duvidar. A razão pela qual comprou este terreno e não outro, deve-se a questões de oportunidade e é assim que funcionam as ONGAs.
Como as ONGAs resultam da associação voluntária de pessoas é normal que assim seja. Podes contestar as prioridaes públicas de investimento que naturalmente deveriam ter uma visão mais integrada das necessidades do País mas a verdade é que tal visão nem sempre existe e que se gasta dinheiro público ao sabor das oportunidades.
Podes criticar este modo de funcionamento mas parece-me um tiro ao lado criticar as organizações de cidadãos (da forma como o fazes) simplesmente porque aproveitam as oportunidades que se lhes oferecem. A crítica, a existir, deveria estar do lado das entidades públicas e os seus critérios de financiamento mas se tal for feito o caso que apresentaste é, como refere o J. C. Claro, um dos mais irrelevantes.
Quando dizes: "A mim a poupança de dinheiros públicos não me faz impressão nenhuma. Se sobrar dinheiro porque não há projectos úteis para executar, óptimo".
Isto é muito bonito mas a verdade é que se sobrar dinheiro do QREN, de forma repetida como parece ser o caso, este regressa a Bruxelas. Com o tempo, baixos níveis de execução dificultam a capacidades dos negociadores Portugueses em atrair mais fundos para Portugal.
É possível que esta conversa "nacionalista" te interesse pouco. Mas é normal que quem tenha responsabilidades na matéria pense de forma diferente.
Repito: A qualidade dos projectos aprovados depende da qualidade dos projectos apresentados. Os processos de avaliação podem não ser perfeitos mas quanto mais concorrência houver maior a probabilidade que os projectos aprovados sejam bons. Ora, numa região deprimida como o Alentejo, a concorrencia é baixa e dadas as baixas taxas de execução das verbas do QREN é normal (e eu diria desejável) que se gaste o dinheiro com projectos razoavelmente justificados mesmo que não representem uma prioridade nacional de topo.
E eu creio, pelas razões que referi antes que foram ampliadas pelo JC Claro, que este é um destes casos.
Gonçalo:
"1) porque razão é que nos preocupamos em criar um centro de reprodução quando já existe um em Espanha que cria com êxito."
Este centro de recuperação existe desde dos anos 90 do século passado. Não tem nada a ver com este projecto.
Os paisanos que acudem a ele com espécies encontradas no campo não iriam a Espanha.
As mulheres de Elvas já têm de parir em Badajoz. Será que queres que o miúdo da escola de arraiolos tenha de ir a Badajoz para entregar o grifo que encontrou no seu quintal?
Miguel,
Exprimi-me mal. O que eu questiono, não é a pertinência de existir este centro de recuperação (essa é outra conversa), mas a necessidade de reproduzir peneireiros-de-dorso-liso em Portugal, quando podem, muito provavelmente, ser criados em Espanha, onde certamente há meios e conhecimento suficientes, e depois cedidos para reintrodução em Évora, ao abrigo de um protocolo.
É que não conheço as contas deste projecto mas é possível, repito, é possível, que uma parte relevante das verbas sejam para a reprodução em cativeiro e tudo o que com ela se relaciona. Se as aves fossem reproduzidas em Espanha, poupar-se-ia seguramente bom dinheiro e tempo.
Já agora, e antes que me venham dizer que se não conheço as contas então que as solicite, adianto que há cerca de um ano atrás solicitei o relatório e contas da LPN à sua direcção nacional e, apesar de prometido, nada recebi até à data...
Gonçalo Rosa
Gonçalo, Eu não tenho uma visão paroquial destes temas e não me choca que o trabalho de reprodução seja feito em Espanha mas alguma razão haverá para que este projecto tenha sido co-financiado pela Junta da Extremadura Espanhola. Abraço, Miguel
Vai muito interessante a discussão.
Não tenho nada contra o aproveitamento de oportunidades em determinadas circunstâncias, mas o paralelismo com a ATN não existe. O dinheiro que a ATN tem usado não é maioritariamente público; a ATN tem usado os seus projectos sobretudo para alargar a custódia sobre o território por parte de quem tem objectivos de conservação.
É substancialmente diferente de um meio projecto de reprodução em cativeiro de uma espécie que não necessita desse tipo de intervenção (que é uma intervenção de fim de linha caríssima, só justificável em casos muitos específicos).
Volto a dizer, nada me move contra a reprodução em cativeiro por parte da LPN, tenho sim tudo contra o dinheiro público envolvido nisso.
O dinheiro voltar a Bruxelas volto a dizer que não me preocupa nada: estou convencido de que o maior erro de Cavaco Silva nos dez anos em que foi primeiro ministro foi exactamente partir do princípio que a captação de recursos de investimento é intrinsecamente boa para o país.
Por mim estou frontalmente contra esta ideia: não só gastar dinheiro público mal gasto é imoral, como a maioria do dinheiro de investimento colocado em projectos sem sustentabilidade operacional conduz a situações desastrosas para o investimento e para as organizações.
É nisso que a economia portuguesa está completamente viciada, na taxa de execução, e o resultado está à vista.
Por fim, volto a dizer que as ONGAs actuarem numa lógica de oportunidade em vez de actuarem numa lógica de cumprimento da sua vocação é exactamente o que me faz divergir de algumas delas.
E, espero estar enganado, quando acabarem as oportunidades artificialmente criadas, vai custar muito ao movimento ambientalista refazer a confiança da sociedade nelas.
Exactamente porque as pessoas se sentem traídas pelo facto das ONGAs acturem numa lógica de oportunidade em detrimento do cumprimento da sua vocação.
Uma coisa é aproveitar as oportunidades para o cumprimento da vocação, outra, infelizmente bem mais comum, é esquecer a vocação para acudir às oportunidades.
henrique pereira dos santos
Henrique
“Volto a dizer, não percebo como para responder a um problema bem identificado (a redução de locais de nidificação por recuperação do património edificado) se responde com criação em cativeiro.”
A notícia no Público é bem clara:
1) No centro de recuperação em Évora, estão vários indivíduos irrecuperáveis que, inesperadamente, iniciaram posturas (o que é revelador das boas condições existentes). Não era objectivo principal a reprodução em cativeiro, mas surgiu este acaso e há que decidir o que fazer com estas novas aves: libertação na proximidade de colónias já existentes ou tentar constituir uma nova colónia num local onde esta espécie já esteve presente e não difere em muito de outras cidades como Mérida ou Trujillo, com notáveis populações de francelho.
2) Para potenciar o sucesso da acção, serão importados (e esse custo faz parte do orçamento do projecto) mais juvenis nascidos em centros espanhóis. Estamos a falar em aproveitar recursos já existentes e não num projecto hermético.
Paralelamente, terão que ser recuperados/adaptados/construídos locais apropriados para a nidificação em edifícios urbanos. Tudo isso tem custos, principalmente porque a questão da utilização de edifícios por aves ou morcegos tem sido pouco ou nada ponderada em Portugal por parte dos arquitectos ou das entidades responsáveis pela gestão do património do Estado. Em obras de recuperação ou em novas construções, a manutenção ou criação de estruturas favoráveis aos francelhos, corujas-das-torres ou morcegos é quase sempre ignorada. Mas numerosas igrejas, palácios e castelos em Espanha, sul de França e Itália ainda hoje conservam os locais de apoio dos andaimes desde a sua construção nos séculos XVII ou XVIII.
Recordo-me do caso da torre da igreja de Pias, próximo de Serpa, ter numerosas cavidades na parede ideais para um regresso dos peneireiros. Apesar do alerta que fiz junto da Direcção de Monumentos do Sul, todas elas foram tapadas quando foram realizadas obras de conservação, com o argumento da necessidade de evitar infiltrações de água. Foi a solução mais fácil, não a mais inteligente.
Convinha explicar de forma muito convincente às centenas de milhares de desempregados que buscam trabalho e não auferem qualquer tipo de subsídio, ou às outras centenas de milhar que ganham o ordenado mínimo, sobre a necessidade de se estoirar 250.000 euros em OTLs para os licenciados da LPN que insistem em não procurar emprego como a generalidade dos outros jovens. Mas muito bem explicadinho, caso contrário as ruas das cidades deste país ainda poderão transformar-se em campos de batalha.
O mote é a poupança, o fim aos gastos não imprescindíveis, e vêm uns indivíduos sacar 250000 euros por terem descoberto, por mero acaso (ver notícia no público) que os pássaros em gaiolas também se reproduziam. Daí a organizarem um dossier para sacar dinheiro foi mais rápido que o voo de um peregrino, nisso sim, ninguém bate LPNs e congéneres.
Não sei quem dará o aval a um projecto deste tipo, mas ou estará na onda inqualificável, por aqui explicada, que mais vale estoirar dinheiro que devolvê-lo a Bruxelas, ou então nada percebe de rapinas e das suas necessidades.
O Miguel refere que não concebe o projecto sem que se possibilite ao Francelho habitat nas muralhas de Évora para lá voltar a criar. No Público está escrito: "As aves que vierem de Espanha serão libertadas num espaço criado de propósito, por cima do edifício do CARAS. Um escadote de metal possibilita uma subida íngreme até ao "terraço" do edifício. Ali já estão colocadas caixas-ninho de cimento branco, prontas para receber as aves."
Note-se no pormenor do branquinho das novas casinhas das avezinhas. Haverá alguma farmácia que não se comova com a higiene proporcionada aos passarinhos?
João,
Convém então usar a informação do projecto:
"Este projecto visa criar uma colónia dentro do centro histórico da cidade, deste pequeno falcão insectívoro que regressa a Portugal todos os anos para se reproduzir e no fim da época migra para África onde Inverna.
Para tal está a ser construída uma estrutura de libertação de crias reproduzidas em cativeiro e o Centro de Acolhimento e recuperação de Animais Silvestres (CARAS), localizado dentro da mata do jardim Público de Évora, está a ser equipado com câmaras de videovigilância para que todos os cidadãos possam assistir às diferentes etapas do projecto, quer directamente no CARAS quer através da internet, acedendo à página do projecto que está em fase de construção.
Está também a ser preparada e equipada a sala de incubação e nascimento das crias, bem como a sala de cirurgias. No caso da sala de cirurgias, será evitado o até agora transporte dos animais para outro centro ou clínica onde eram efectuadas estas intervenções, tornando assim o CARAS mais autónomo e com melhores condições de recuperação de animais que necessitem de intervenção humana para sobreviverem.
Espera-se que daqui por mais uma centena de dias tudo esteja operacional e que se inicie o processo de reprodução em cativeiro, com o apoio técnico de uma associação espanhola (DEMA) que trabalha há mais de 18 anos com esta espécie em cativeiro, como medida de conservação da espécie no seu habitat natural."
Chamar a isto o aproveitamento dos recursos existentes é um bocadinho puxado.
De qualquer maneira na mesma linha orçamental de apoio de QREN há projectos muito mais escandalosos, como o elefante branco chamado quinta dos olhos de água, onde ao dinheiro sucede o contrário do que o nome sugere que acontece à água (apenas um exemplo, neste caso da administração pública).
henrique pereira dos santos
Caro Henrique Pereira dos Santos, agora venho cá pouco, mas congratulo-me porque a natureza continua em "forte expansão" por todo o lado do país e arredores. Os seus posts são lufadas de optimismo que com o império em forte contracção, são sempre de louvar.
Mas já agora, explique aos ignorantes onde me incluo sem humildade nenhuma, porque é a realidade: o que é uma população de francelhos em forte expansão? -- JRF
PS: O Tretas também se congratula. Realmente o trabalho de um cínico nunca está acabado. -- JRF
Caro José Rui,
É uma população que triplica em meia dúzia de anos.
Já agora, é exactament por não ser optimista em relação à conservação da biodiversidade que faço este tipo de posts.
Faz-me confusão como perante problemas complexos, graves e que exigem grandes afectações de recursos os gastamos em matérias laterais.
henrique pereira dos santos
Eu não tenho esses dados, mas seria interessante saber o que aconteceu na sequência da mediática tentativa de reintrodução desta espécie há alguns anos atrás no centro de Arronches?
Alexandre Vaz
É com algum entusiasmo que vejo que o projecto francelho está a dar alguns resultados... lamento apenas a forma pouco assertiva como alguns com resposabilidade de animar a AMBIO participam. HPS e outros desconhecem por ignorânicia o projecto e terão formas bastante acessíveis e razoáveis de o conhecer.
"meia verdade é como meio tijolo. Quando atirado vai mais longe".
Em rigor este projecto é gerido pela delegação Alentejo da LPN com sede é Évora. Os financiamentos publicos e privados não são aplicados nos dirigentes desta delegação. A Dema é financiada tb pela Junta da Estremadura e seguramente a instituição que no mundo tem mais experiência em reprodução e re-introdução da espécie tanto em meio rural como em meio urbano. Considero arrogante os que criticam sem sequer saberem identificar um francelho.
Lamento não ter tempo neste momento para alimentar a discussão. Estarei em nome da LPNAlentejo disponível para clarificar os que verdadeiramente estão interessados/e críticos deste projecto mesmo quando este deixar de ser mediático.
Partilho, quase totalmente, as opiniões do MBA e JClaro.
Cumprimentos
CMCruzKau
Kau: "Considero arrogante os que criticam sem sequer saberem identificar um francelho"
Isto é patético. Achas que os responsáveis políticos ou mesmo directores de serviço e muitos técnicos do ICNB sabem distinguir um francelho de um outro falconiforme qualquer? E achas que, lá por isso acontecer, passam a arrogantes se decidirem questionar um projecto sobre esta espécie. Lamento que não queiras discutir as criticas em concreto e te deixes seduzir pela tentativa de descredibilização do seu autor por um lapso completamente lateral à discussão.
Objectivamente, pergunto-te: qual a necessidade de reproduzir peneireiros-de-dorso-liso em Portugal, quando podem, muito provavelmente, ser criados em Espanha, onde certamente há meios e conhecimento suficientes, e depois cedidos para reintrodução em Évora, ao abrigo de um protocolo?
Um abraço,
Gonçalo Rosa
Kau,
Tenho imensa pena de não corresponder ao teu desejo de que apenas os especialistas em francelho sejam autorizados a discutir a afectação dos meus impostos aos projectos que envolvam a espécie. É que apesar de não saber identificar a espécie sei muito bem o que me custam a ganhar os meus impostos.
Podes indicar em concreto onde posso ter mais informação sobre o projecto. É que a que tenho é a que consegui obter a partir das páginas de divulgação do projecto e como dizes que é pouco seria muito útil perceber onde existe mais e melhor informação.
Não percebi a tua frase de que estás disponível para esclarecer as pessoas mas não tens tempo para a discussão.
Não gostaria de tomar o teu precioso tempo, mas tenho mesmo interesse em saber como são usados os meus impostos. O que sugeres para eu me esclarecer sem ser ocupando o teu tempo na discussão?
Por último tenho pena que não tenhas usado o tempo que tinhas para comentar o post para o corrigir e explicar em concreto onde estão os erros e as imprecisões (para além do boneco que o ilustra).
Deixa-me dizer-te que apreciei a tua vinda a esta caixa de comentários defender o projecto pelo qual és responsável. É uma atitude que vai escasseando e que aprecio francamente.
henrique pereira dos santos
Triplicar isso dá quantos? Bandos e bandos, não tenho dúvidas.
Alguma palavra para as causas que colocaram o Francelho na situação actual e que na minha opinião é a verdadeira causa do gasto de dinheiro público? Zero. Quantas situações conhece de actividades privadas que resultam em benefícios privados e prejuízos públicos? Alguma palavra sobre isso? Zero.
Se sabe quanto lhe custam os impostos, como eu sei e lamento o delapidar incessante, não lhe faltam causas mais avultadas e meritórias. E no próximo post já fala das prioridades dos outros (ambientalistas, que novidade). Quais são as suas prioridades? Chatear os poucos que ainda vão tentando fazer algum bem. Sempre com o argumento que dão mau nome à causa ambientalista. Se a sua preocupação principal é o gasto de dinheiro público (e todos são poucos nessa causa), ordene as prioridades: fale dos brindes, das agendas, do papel de fotocópia (só isso dá para dezenas de projectos destes de reprodução), dos institutos, das empresas municipais, do custo dos sites da república, dos carros, da saúde, da educação, dos magalhães... E daqui a 30 ou 40 anos, quando e se isso estiver resolvido, comece a chegar a estes pequenos projectos. E ainda me chamou mesquinho no meu blogue.
Eu se tivesse um tretas a elogiar-me, que já por várias vezes aqui mesmo demonstrou sem qualquer margem para dúvida de que honestidade intelectual é feito, além de reordenar prioridades, reordenava as ideias. -- JRF
JoseRui,
É interessante reparar no seu estilo preocupado, comigo...
É o estado a que se chega quando se sabe que o que se está a defender é afinal um poço sem fundo.
Não conheço o seu blogue, mas gostava de conhecer...
Depois, eu posso elogiar quem me apetece. E eu elogio muitos ecologistas também, porque o se estar na perspectiva correcta das coisas deve ser elogiado.
O problema de determinados ecologistas é que não têm essa perspectiva; e eles ficam preocupados quando a Sociedade Civil aparece, por ex., com iniciativas como o "Limpar Portugal"...
Deixe-me dizer que é essa a perspectiva que me motiva; certamente também estará de acordo comigo em muitos aspectos; veja por ex. o meu post de há umas horas...
Ecotretas
Ouça, não me elogie a mim. Eu não estou de acordo consigo em nada. De si, até à data, além de barbaridades só li mais barbaridades.
O blogue é o www.sargacal.com . Mas não me vá para lá moer o seixo.
Se quisere tecer mais um elogio ao HPS pode ser aqui. -- JRF
JoseRui,
Tenha cuidado consigo... Tenha calma... Não vale a pena ser assim. Até gostei do seu blog!
Não está de acordo com nada? Então, você acha normal o nosso PM ter pelo menos 20 motoristas? Acha que isso é um bom contributo para o ambiente? Eu acho que não...
Ecotretas
"Até gostei do seu blog!"
Isso é um elogio?
Que o PM dá mau ambiente a Portugal vai sem dizer... concordamos nisso então. -- JRF
joserui,
Sim, é um elogio.
Ecotretas
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