Como é frequente em Portugal (sou demasiado provinciano para saber se é assim noutros lados mas acredito que sim) a discussão sobre a melhor forma de gerir a reorganização da rede escolar (e era essa a discussão, não saber se devem ou não ser encerradas escolas) rapidamente foi contaminada com outros assuntos.
Sem conseguir garantir o cumprimento do que vou dizer (a minha vida não é isto) penso fazer três posts sobre outros tantos assuntos colaterais que vieram de arrasto na discussão:
- O mundo rural é mais ou menos homogéneo ou há uma guerra acirrada entre os interesses contraditórios de curto prazo das sedes de concelho e as suas comunidades rurais produtivas envolventes?
- Há interesse social na existência de pequenas comunidades gestoras do território ou não?
- A rede de escolas primárias devem ser tratadas como as outras redes de infra-estruturação ou não?
Começo pelo terceiro assunto.
Nesta discussão, como se pode ver nos comentários, há um conjunto de pessoas que bramam contra a delapidação dos recursos do Estado onde não existem pessoas, pondo no mesmo saco escolas, centros de saúde, postos da GNR e até piscinas. Eu acrescento as rotundas.
Se pensam que é tudo mais ou menos a mesma coisa, pensam mal.
Se alguém resolve ir produzir riqueza numa aldeia sabe bem o que o espera: muito trabalho, muita incompreensão e uma imensa liberdade. Perguntar as estas pessoas porque fazem esta opção é inútil. Quem precisa de justificações para a liberdade nasceu para ser escravo (um lugar comum que se encontra escrito de vez em quando nas paredes).
Estas pessoas estão dispostas a muitas opções que outros consideram irracionais, estão dispostas a abdicar de muita coisa que outros consideram essencial porque essa é uma opção que lhes diz respeito apenas a si próprios.
O caso muda de figura quando se tem de fazer opções por terceiros, nomeadamente pelos filhos. O que estas pessos procuram, como quase todas, é manter em aberto oportunidades de escolha até ao momento em que os filhos possam tomar decisões por si próprios.
A educação é por isso uma questão central. Ao contrário dos hospitais (toda a gente gostaria de ter a segurança de ter a melhor urgência do mundo a dois passos de casa) que se admite que possam não vir a ser precisos, ao contrário dos postos da GNR, cuja função primordial pode ser suprida até certo ponto pelos próprios, ao contrário das piscinas, que não são essenciais, e das rotundas que são o que são, as escolas não só são essenciais como são de uso diário pelos filhos em idades de muita fragilidade.
Por isso estas pessos podem até aceitar alguma retracção do controlo social à sua volta, podem até gostar disso e aceitarem os eventuais riscos e incómodos associados, mas não querem tomar a decisão de optar entre ver os filhos crescer longe dos pais ou fechar-lhes as portas a muitas oportunidades cedo demais.
Quando Thomas se vai embora, há muitas razões para o fazer, mas uma das principais é a sua recusa em criar os filhos desta maneira. Quando decide ir-se embora e encontra um interessado na compra da quinta, alemão como ele, de repente descobre que os compradores desistiram de vir para ali quando perceberam que não há sistema de ensino que respeite as crianças.
O que está aqui em casa não é tentar travar o despovoamento mantendo pessoas artificialmente no território. O que está em casa é a forma como o Estado desistiu de considerar socialmente útil determinados tipos de criação de riqueza, desistindo de olhar para as necessidades sociais destas pequenas comunidades.
O que está em causa é o facto de se considerar que necessidades básicas como a educação em territórios escassamente povoados, matéria que em muitos países se considera um problema, mas um problema a ser tratado com dignidade pelo Estado e pela sociedade, não merecem sequer a atenção dos poderes públicos para eventuais soluções alternativas (como escolas móveis, agrupamentos de proximidade, contratos de parceria com estas comunidades que implicassem a entrega dos montantes que seriam gastos pelos Estado com estes alunos para que estas comunidades encontrassem soluções que lhes servissem, etc.).
Fica então para outro post explicar por que razão há razões para que a sociedade queira ter gestores de paisagens a criar riqueza a partir de um dos principais activos da nação: o seu território.
Para quem queira pode sempre procurar nas livrarias o livrinho que escrevi "Do tempo e da paisagem", é barato e lê-se depressa. Aí, como mais espaço que o que tenho aqui, procuro levar completos leigos na leitura de paisagens a pensar quem são os arquitectos das paisagens e como se constroem as paisagens que em Portugal são, depois do sol e praia, o segundo pilar da actividade turística, cuja importância económica para Portugal penso que ninguém nega.
henrique pereira dos santos
1 comentário:
Bem desmontado o argumento economicista e limitado que ou não vê valor na paisagem gerida pelo homem ou não vê a relação entre as condições mais fundamentais (como a educação) e a continuidade da presença de população capaz de se renovar e gerir essa paisagem a longo prazo.
Na verdade não são tomadas em conta as hipóteses alternativas que o Henrique mencionou porque a preocupação fundamental nestas medidas tem pouco a ver com qualidade do que se está a cortar ou substituir mas apenas e somente cortes cegos de verbas.
Infelizmente por cá evita-se sempre pensar no impacto das decisões para além do momento imediato.
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