quinta-feira, junho 03, 2010

Gestão estratégica

Imagem roubada daqui
Os comentários ao post sobre os sócios das ONGAs levam-me a escrever este novo post.
E como nos comentários se fala na associação "Árvores de Portugal", que já conhecia e que aproveitei para tentar conhecer melhor através do seu site, usá-la-ei como referência no que vou dizer.
A questão dos sócios é uma parte dentro da gestão estratégica de uma associação. Vou por isso falar de outros aspectos estratégicos sabendo que entre a racionalidade do planeamento e a realidade caótica vai um passo de gigante a que é preciso estar sempre atento.
Neste post tento falar da racionalidade do planeamento mas tendo consciência da sua inutilidade e das suas limitações quando se transforma num fim e não num instrumento, entre outros.
A definição da missão de uma associação é o mais difícil e importante passo para quem queira fazer uma associação. Sabendo que é inútil dar esse passo sem avaliar o que significa querer fazer uma associação.
Uma associação, como qualquer organização ou realização, tem um período de investimento até ao break even point, isto é, até que a sua actividade gere os recursos necessários à sua sustentabilidade. Esse investimento ou é feito em dinheiro e outros recursos materiais, ou é feito em tempo e disponibilidade dos promotores (ou pais fundadores, seguindo uma terminologia inglesa mais simpática e expressiva). De maneira geral é feito com uma combinação das duas coisas, em proporções diferentes.
É por isso imprescindível que os pais fundadores saibam o que os espera. Numa das associações em cuja fundação estive envolvido, com pessoas muito motivadas e claramente talhadas para que a associação vingasse e fosse útil, o processo morreu, com o acordo de todos, quando inesperadamente um dos pais fundadores morreu num desastre de carro. Todos os outros tinham consciência de não ter capacidade (não pessoal, mas de tempo e disponibilidade) para substituir a função prevista para este fundador e preferimos abortar a associação, já formalmente constituída.
Resolvida esta questão (muitas vezes subestimada e que a prazo conduz à queixa de que os outros não se mobilizam e voluntariam) importa olhar para os recursos passiveis de ser mobilizados para a associação.
Tipicamente uma associação tem três fontes de financiamente primordiais: os sócios, as doações e as vendas de bens e serviços. Em Portugal a fonte dominante de financiamento das associações é uma quarta com efeitos terriveis no movimento associativo: os projectos. É uma fonte de acesso fácil (sobretudo para quem tem capacidade técnica e de lobbying), com muitos recursos disponiveis e que permite um crescimento rápido. Por que razão não a incluo eu nas fontes primordiais de recursos das associações?
Porque é uma fonte temporária com variações bruscas de disponibilidade, por um lado. E porque é uma fonte dedicada, não gera dinheiro livre, isto é, embora as entradas de dinheiro sejam importantes a verdade é que a um projecto correspondem obrigações de execução que impedem o uso dos recursos em função dos objectivos da associação. Mas porque é fácil, rápida e abundante, é perigosamente viciante. Por isso deve adoptar-se um critério simples para avaliar o interesse de um projecto para a associação: no fim da sua execução a associação ficou com mais capacidade de se auto-sustentar sem depender de terceiros ou com menos? Criou capacidade de ir buscar mais sócios, doações e vendas de bens e serviços ou criou mais centros de custos cuja fonte de financiamento após projecto se desconhece?
A MAVA é uma fundação suíça que apoia alguns projectos de conservação, sobretudo projectos nascentes no caso de associações terceiras. Mas adopta um modelo de financiamento que apoia as associações três anos e não mais, exactamente para obrigar as associações a criar os seus próprios mecanismos de sustentabilidade. Os três anos correspondem ao período de investimento, que é sempre difícil (não sendo milionário. Sendo-o, os problemas são outros).
Convém ter estes aspectos muito claros no lançamento de uma associação.
O dinheiro não é todo igual e não desempenha o mesmo papel estratégico nas associações. O dinheiro que resulta de actividades próprias e que entra sem destino definido (sócios, doações e vendas de produtos e serviços) é o dinheiro essencial para garantir sustentabilidade e independência. O dinheiro de projectos serve para fazer crescer as associações, isto é, serve para potenciar a aplicação do dinheiro da actividade própria da associação no seu crescimento mas nunca deve substituí-lo, desviando-se parte do dinheiro dos projectos para o financiamento corrente da associação.
Infelizmente esta última opção é uma prática habitual das ONGAs em Portugal (pelo menos das maiores) e tem dois resultados dramáticos: a dificuldade de execução dos projectos porque há uma fatia que é usada para fins diferentes dos previstos nos projectos; a dependência das associações de uma fonte externa temporária de recursos cuja existência depende mais da vontade de terceiros que das opções da associação. O resultado é um empolamento artificial das estruturas técnicas das associações, impossível de financiar sem novos projectos, que passam a ser a preocupação central dos seus gestores, em detrimento das missões definidas estatutariamente.
Se eu estivesse a olhar para a associação Árvores de Portugal e a acompanhar o seu desenvolvimento estratégico diria que ela precisa de mais clareza no seu objecto (inventariar é bom, mas para fazer o quê? Eu acrescentaria a compra de árvores notáveis e o estabelecimento de contratos de gestão com os proprietários das árvores como objectivo a atingir), diria que precisaria de ser mais clara na explicitação das razões pelas quais alguém se quererá fazer sócio da associação (porque se pretende proteger as árvores não chega, é preciso materializar isso em actividades que envolvam as pessoas e as aproximem do objecto da associação) e diria que deveria trabalhar a relação com agentes económicos com especial interesse nas árvores (portucel, altri, corticeira amorim, oliveira da serra e grupo sonae são as sugestões mais óbvias, sabendo que alguns, como é o caso do grupo sonae, são doadores que só muito, muito dificilmente se conseguem mobilizar. E sabendo que todos eles têm uma lógica empresarial que obriga a muita clareza nas razões pelas quais poderão admitir pôr os recursos dos seus accionistas nos projectos que lhes são apresentados às dezenas) de modo a aumentar a possibilidade de ter doações.
E elegeria as parcerias como o método por excelência de actuação, fosse na articulação da base de dados de árvores notáveis com o biodiversity4all, por exemplo, fosse na procura sistemática do responsável por cada árvore inventariada para garantir quer um programa de manutenção, quando necessário, quer um programa de comunicação, quando útil (por exemplo, com a oliveira de Pedras d'El-Rey).
Fácil falar, claro, difícil é fazer. De acordo e eu assumo a minha condição primária de intelectual e não de fazedor (razão pela qual tenho um enorme respeito pelos fazedores, porque fazem o que eu não consigo fazer). Mas fixar objectivos claros nestas matérias, com calendários de prioridades bem definidas opera maravilhas e dá consistência à actuação de muitos fazedores que na ânsia de querer fazer se esquecem de garantir a sustentabilidade para o que fica depois de feito.
Apesar de tudo é muito mais fácil arranjar recursos para fazer um investimento que garantir depois a sustentabilidade e o retorno desse investimento.
Uma verdade de La Palisse muitas vezes esquecida pelas ONGAs.
henrique pereira dos santos

1 comentário:

joserui disse...

Caro HPS, tenha dó... já está outro?
Este comentei no meu blogue outra vez.