Basicamente José Rui Fernandes retoma a velha argumentação de que não é possível ter um número de sócios que garanta a sustentabilidade das associações em Portugal.
Alguns dos argumentos usados merecem comentário.
O primeiro é o facto de José Rui Fernandes usar as contas que fiz para a estrutura mínima da ATN (Associação Transumância e Natureza) como se fossem contas universais. Que não são. Quando eu digo que a ATN precisa de uma estrutura mínima de um secretariado, um director técnico e despesas correntes (números redondos, 40 000 euros anuais, ou seja, 2000 sócios a pagar quotas de 20 euros mensais), digo-o porque a ATN tem cerca de 600 hectares de terras para gerir todos os dias (previsivelmente 800 até ao fim do 2010).
Ora essas não são, seguramente, as necessidades mínimas de uma associação como a Árvores de Portugal. Provavelmente um apoio de secretariado semelhante ao que existe em vários ninhos de empresa (uma morada de correio, atendimento telefónico, umas quantas horas de sala de reuniões por mês e um gabinete), que custa 50 euros mensais (600 euros anuais, ou seja, 30 sócios pagando 20 euros de quota anual) é perfeitamente razoável para o que pretende fazer por enquanto a associação Árvores de Portugal.
As alternativas que conheço a investir numa associação de sócios que gasta grande parte dos seus recursos a estruturar-se nesse sentido são duas: acreditar que haverá pessoas eternamente dedicadas à associação ao ponto de manterem uma elevada disponibilidade de tempo, e financeira, de forma a permitir que a associação mantenha pelo menos o mesmo nível de actividade (vi isto acontecer muitos anos, mas nunca vi isto sobreviver ao pai fundador, quer seja porque as suas prioridades de vida mudam, quer seja porque defacto desaparece o pai fundador); recorrer a projectos, o que implica uma estrutura de projecto relativamente pequena na fase inicial de apresentação de projectos, mas crescente à medida que aumenta a responsabilidade de execução de projectos, com o clássico problema da sustentabilidade pós-projecto sempre presente.
Ora eu acho estas duas alternativas muito mais instáveis e perigosas que a difícil alternativa de crescer em número de sócios.
E nesse campo José Rui Fernandes engana-se ao considerar que é impossível ter um mínimo de sócios pagantes (são esses os únicos que me interessam). E engana-se ao considerar que os recursos investidos na estrutura da associação são roubados a gestão do seu objecto.
O exemplo que dá da ATN, comentando que os tais 2000 sócios apenas estariam a pagar a estrutura, é uma falácia. Essa estrutura é o que permite garantir continuidade dos projectos, suportar a organização de actividades e angariar outros recursos (aumentar outros donativos, optimizar o retorno económico das actividades produtivas, estruturar programas de visitação lucrativos, enquadrar o voluntariado, etc.).
O erro está em considerar-se que o investimento na estruturação das organizações é concorrente com o investimento no objecto que preside à formação das organizações (mais ou menos como considerar-se que o dinheiro gasto na gestão de uma empresa seria concorrente com o investimento na produção, em vez de considerar-se todo o investimento como concorrente para a produção, podendo é ser bom ou mau).
O erro está em considerar-se que podem existir associações sem sócios.
Adenda: José Rui Fernandes diz que duplicando o número de sócios de dois em dois anos, uma associação que comece com 100 apenas tem 1600 ao fim de oito anos. É verdade, mas não percebo por que razão se parou aí. É que ao fim de quinze anos estaria nos 25 000 e antes dos vinte passaria os 50 000. Duplicar o número de sócios de dois em dois anos é insustentável? Talvez. "You can't allways get what you want, but if you try sometimes, you get what you need", Rolling Stones.
henrique pereira dos santos
PS Um das razões pelas quais comecei a colaborar com a ATN prende-se com o estado de pré-falência a que a associação foi conduzida pela lógica defendida por José Rui Fernandes, que toma como exemplo exactamente a ATN. Uma associação com dez anos, quase sem sócios pagantes, assente em projectos e com todos os recursos canalizados directamente para a gestão e compra dos terrenos. Duas visões de gestão continuam a coexistir na ATN, mas a dura realidade da pré-falência tem imposto uma mudança estratégica nos métodos de gestão, que penso que é visível na notoriedade que de repente o projecto, que é muito bom mas tem fragilidades de gestão gritantes, passou a ter. E é também visível na forma como têm evoluído os números das receitas, incluindo as das quotas de sócios.
Manter o foco na compra e gestão de terrenos mas resolver o problema da sustentabilidade da associação é o que se pretende. Seguramente não é fácil. Mas considerar que o modelo usado nestes dez anos é a demonstração de que é bom só pode nascer de um equívoco: o de se considerar que não foi a realidade que obrigou a ATN a virar a agulha e estar neste momento a correr atrás do prejuízo, adoptando uma estratégia substancialmente diferente da que presidiu aos seus últimos dez anos (felizmente com muito bons resultados até agora, mas ainda longe da sustentabilidade).
2 comentários:
Caro Henrique,
Como presidente da Árvores de Portugal agradeço-lhe os últimos textos porque, ainda que discordando num ou noutro pormenor, servirão, no mínimo, para reflexão interna. E isso é sempre positivo.
Não vou deixar um comentário mais alargado, não por falta de consideração pelo Henrique e pelo que escreveu, mas porque, se o fizesse, entraríamos muito provavelmente numa sequência interessante, mas longa (de acordo com a minha disponibilidade de tempo no momento), de comentários.
Espero que nos encontremos em Figueira, no próximo mês de Outubro, altura em que a Árvores de Portugal e a ATN estão a planear uma actividade conjunta, e então aí, pessoalmente, possamos aprofundar este debate.
Cumprimentos.
Caro HPS, mais um trackback manual... -- JRF
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