segunda-feira, junho 28, 2010

Pedocidas

Descubra o solo agrícola!

Para entender a estrutura do recurso solo neste país, nada melhor do que fazer Bragança-Lisboa, pela manhã, de avião – é verdade Bragança e Vila Real têm duas ligações diárias de avião à Capital do Império (os aeroportos regionais são o ponto de encontro mais seguro dos deputados e autarcas da região) – e voltar, depois de almoço, de camioneta aos solavancos, com o coração nas mãos, pelo IP5.

Não é precisa uma formação especial em pedologia (ciência do solo) para percepcionar algumas das características dos solos continentais portugueses:

  • a maioria são derivados de rochas ácidas plutónicas ou metamórficas, muito antigas;
  • por essa razão são ácidos, pobres em nutrientes, nutricionalmente desequilibrados e, regra geral, delgados - em resumo, pouco férteis;
  • uma longa história de uso agrícola e pastoril depauperou seriamente a sua já magra fertilidade;
  • os escassos solos de elevada aptidão agrícola têm uma distribuição muito irregular, rendilhada, concentrando-se, sobretudo, em superfícies aluviais (e.g. Tejo e Vouga), em pequenas nesgas coluvionares a marginar cursos de água (e.g. Trás-os-Montes e Beira interior), nos afloramentos de rochas básicas (e.g. Região Saloia, Beja e Macedo de Cavaleiros), em plataformas litorais (e.g. Minho), nos vales amplos sublitorais ou neotectónicos (Minho e Vale da Vilariça) e em depósitos de superfície (e.g. Miranda do Douro).

Como é natural, onde há solo agrícola, há gente. Por sua vez, o solo condicionou a demografia e os sistemas de povoamento do passado … e do presente.

Tradicionalmente, havia a preocupação de construir a casa, o estábulo e o palheiro nas terras de pior qualidade. A escolha era fácil porque os solos em Portugal são por natureza heterogéneos. Também havia menos gentes, e como éramos pobres contentávamo-nos com menos 100 m^2 de área habitada, com vacas por debaixo, para aquecer a casa.

Enriquecemos, e com a riqueza emergiu uma suicidária vocação pedocida (do grego, pedon, solo; e do latim cidium, acto de matar).

É terrível ver o aconteceu aos solos de elevada aptidão agrícola que antes envolviam Lisboa. Um mar de betão, real, não metafórico, engoliu a cidade. Onde estão os famosos solos agrícolas de Odivelas, de Belas, da Amadora e de Queluz? Quando o avião aponta ao Estoril, para curvar sobre o Forte do Bugio, e sobrevoar a Tapada da Ajuda, antes de aterrar na Portela, percebo que o que sobra é nada!

Preferia mil vezes ver ovelhas e vacas a pastar nos molissolos da Amadora, e, vislumbrar, ao longe, o Palácio da Pena soterrado por bairros sociais. A Serra de Sintra apinhada de prédios de 10 andares até ao cocuruto e Monsanto atafulhado de edifícios públicos é que estavam bem. Lisboa mais do que um “pulmão” precisava de uma cintura hortícola que garantisse o seu abastecimento alimentar futuro e, já agora, que produzisse riqueza no presente.

A vocação pedocida persiste.

Trás-os-Montes está transformado num estaleiro, dizia há dias um jornal. Perdi a conta aos IP; é mais fácil memorizar nomes científicos. Apenas sei que a construção do IP2 está a destruir os solos do vale da Muxagata, uma versão menor do vale da Vilariça, a sul do Douro. No Planalto de Miranda estão a duplicar a estrada Miranda-Mogadouro. Fiquei espantado quando um engenheiro de estruturas transmontano, diante da minha perplexidade, anuía e perguntava: outra estrada? Quando anterior tinha curvas suaves e um perfil de quase-via-rápida? São os agricultores mirandeses os primeiros a reconhecer que estão a devassar uma área imensa de solos de trigo, daqueles que levedam com a água: as conhecidas rañas do Planalto de Miranda que em tempos justificaram a construção da Linha de Comboio do Sabor.

E quantos anos tem o viaduto do IP4 sobre o rio Sabor, ali bem perto, a leste de Bragança? Quantos automóveis lá passam por dia? Pois bem vão construir outro ao lado! E a área de solo derivado de rochas básicas que entretanto vão submergir de alcatrão? E para que servirá a via rápida de sobrará a norte de Bragança, com a qual os governos pós-adesão à CEE despudoradamente aniquilaram a parte melhor da Veiga de Gostei, os solos que os Beneditinos descobriram e aproveitaram antes da nacionalidade e, muito provavelmente, explicam a importância regional da Cidade de Bragança?

O pedocídio é uma forma de homicídio tentado das gerações futuras.

8 comentários:

Henrique Pereira dos Santos disse...

Clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

excelente texto...

Anónimo disse...

«pedocida (do grego, pedon, solo; e do latim cidium, acto de matar).»

Esta palavra não parece correcta, pois não se deve misturar uma elemento grego com outro latino na mesma palavra!

Anónimo disse...

Perdão, não se deve misturar um elemento grego com outro latino na mesma palavra (é o que se costuma chamar um hibridismo!).

Anónimo disse...

Dificilmente haverá cacau para construir essas novas estradas ainda em projeto!

ldr disse...

Em Queluz ainda resiste um edifício chamado Federação Nacional dos Produtores de Trigo.

Era de Queluz que no tempo de Salazar partiam sementes para todo o país. Este edifício não está classificado por desinteresse da Câmara Municipal de Sintra.

Foi também ali, perto do Palácio que existiu a Escola Agrícola de Queluz.

Nos campos de cultivo que ainda restam, em Almargem do Bispo, e classificados como Reserva Agricola Nacional, Fernando Seara quer fazer a "Cidade do Cinema" para a Media Capital, e também a Casa das Selecções para o futebol.

Acho que grande parte do desordenamento do território desta zona se deve à falta de organização política do território (o município de Sintra é muito grande), há falta de formação nas escolas e há falta de consciência colectiva (jornais, associações, sociedade civil, riqueza).

Pedro Pereira disse...

Como se identifica um solido ácido de modo visual? Alguém sabe. Quer dizer, sem se recorrer ao medidor de PH. É possivel?

Carlos Aguiar disse...

A melhor forma de saber se um solo é ácido, ou não, é medir o pH, e há métodos expeditos para o fazer. Por via indirecta, só é possível avaliar qualitativamente a acidez do solo. Um solo é certamente ácido se derivado de granitos e quartzitos; a acidez aumenta com a precipitação e a altitude. Algumas plantas silvestres são bioindicadoras razoáveis de solos ácidos: ninguém tenha dúvidas que o solo é mais ácido sob urzal do que nos carvalhais. O milho, entre outras plantas cultivadas, é muito sensível aos desequilíbrios nutricionais associados à acidez do solo, demonstrando sintomas característicos.