terça-feira, junho 01, 2010

Sócios

José Rui Fernandes faz-me um desafio "fair enough":
"Partilhe lá esse método racional de captação de sócios num post. Isso sim teria interesse."
Vou escrever este post a partir do trabalho que tenho feito com a ATN neste domínio (a Presidente LPN perguntou-me de que forma eu admitiria colaborar com a LPN e eu respondi que poderia colaborar voluntariamente numa política de gestão de sócios consistente, mas até hoje nem resposta tive à minha disponibilidade. Na mesma altura fiz também uma proposta profissional noutro domínio, como me tinham pedido, mas eram duas coisas totalmente independentes).
O facto de falar da experiência de trabalho com a ATN não vincula de maneira nenhuma a associação: nem sempre estamos de acordo, a direcção e eu, nem sempre o que eu proponho é adoptado, nem sempre o que é adoptado é executado. "Life is what happens to you when you're busy doing other plans" (John Lennon).
Ou seja, tudo o que aqui disser é apenas a minha opinião de como poderiam ser as coisas, não é necessariamente o que se passa ou o que a direcção da ATN pretende que se passe.
Penso que o primeiro passo é perceber o que é um sócio e para que serve o sócio na associação. Isto é com frequência muito mal definido nas associações. De maneira geral, podendo variar com o tipo de associações, a minha opinião é a de que um sócio serve para pagar quotas, ou dito de forma mais geral, para canalizar recursos para as associações. Por isso, porque é quem é o dono do dinheiro na associação, tem direito a que a associação faça o que ele quer e lhe preste contas.
Clarificado este ponto, é preciso também deixar claro que sócio é quem paga quotas. Todos os outros tipos de sócios só atrapalham. A menos que haja razões excepcionais para proceder de forma diferente, como se pode ver aqui para exemplo (sobre o qual aliás tenho reservas, exactamente por não clarificar a diferença entre uma inscrição como sócio e a assinatura de uma petição. O que não me impede de ter feito alguns esforços no sentido de abrir portas à classificação de ondas dentro do sistema de áreas protegidas nacional).
O objectivo que propuz, e foi aceite na ATN, foi captar um número de sócios suficiente para que existam recursos para pagar uma estrutura profissional mínima na associação, com alguma estabilidade: um director técnico, um secretariado e despesas correntes. É um objectivo difícil, demorado, mas não impossível.
Para isso é preciso ter toda a estrutura da associação focada nesse objectivo, sabendo que o mais fácil é captar um sócio e o mais difícil é mantê-lo como pagante.
O que implica que a associação procure, de forma sistemática, demonstrar a sua utilidade para os sócios. Desde logo distinguindo sócios de não sócios, nomeadamente nas actividades, que ou são feitas exclusivamente para sócios, ou são actividades feitas em parcerias, quer com outras associações (e nesse sentido são ainda para sócios das duas associações), quer com empresas comerciais (nomeadamente de turismo de natureza).
Esta é a principal linha de trabalho para a manutenção dos sócios como contribuintes da associação, implicando um pesado programa de actividades para os sócios. A grande maioria dos sócios nunca participarão nessas actividades mas o mais importante é que tenham a certeza de que se quiserem, podem participar e sentir-se parte da associação (no mínimo pagando as quotas, claro).
Para o progressivo alargamento do número de sócios é preciso chegar a mais gente e a gente que pensa e age de maneira diferente da nossa, que está fora dos círculos sociais a que estamos habituados. Ou seja, é preciso trabalhar a comunicação do projecto, centrada no que ele tem de específico. Não vale a pena o esforço de angariar sócios com ideias erradas sobre o trabalho da associação. Mais vale captar sócios mais lentamente, mas que sabem exactamente o que é feito e de que forma, que crescer rapidamente com base em equívocos.
O que pressupõe que a primeira condição de êxito na captação dos novos sócios é que o projecto da associação seja reconhecido como socialmente útil pelas pessoas comuns (ou, para associações com objectivos mais centrados em questões socialmente marginais, entendido como socialmente útil para o grupo alvo a que se destina a actividade da associação).
Um bom projecto é sempre a melhor maneira de captar sócios. Não chega ter um bom projecto, mas é uma condição necessária. Outra condição necessária, mas também não suficiente, é a transparência da gestão e o cumprimento estrito das regras formais de funcionamento da associação, incluindo clareza inatacável nas contas, de preferência organizadas por projectos (ou centros de custos, como lhes queiram chamar) de modo a que quem queira tenha respostas rápidas, claras e conclusivas sobre cada euro que passa na associação.
Posto isto, a racionalidade estende-se a outras questões:
  • as actividades, mesmo sendo dirigidas para sócios, devem ser, tanto quanto possível, financeiramente sustentáveis, de forma a não desviar os recursos da associação do seu objecto central;
  • a cada decisão de realizar o que quer que seja, que implica sempre a afectação de recursos, incluindo aqui o tempo que as pessoas dedicam à associação, de forma profissional ou voluntária, o bem mais escasso e precioso de qualquer associação, é preciso perguntar o que se ganha e se perde em recursos, em sócios, em notoriedade, em reputação;
  • a cada realização da associação é preciso identificar o potencial de captação de novos sócios e ser claro e transparente nessa matéria: a associação procura sócios e não tem vergonha disso, abordando as pessoas nesse sentido quando exista oportunidade, porque precisa deles para ser independente e realizar o seu objecto;
  • a cada realização, é preciso perguntar como se comunicam os resultados, para que público, através de que canais.
Feito isto de forma sistemática, elegendo os sócios como a principal preocupação de gestão, identificando com clareza quem é a pessoa que na associação é responsável pela gestão de sócios (que não é o mesmo de saber quem trata dos papéis e atende os telefonemas, embora seja essencial que esse apoio funcione bem) tenho a certeza absoluta de que, passo a passo, qualquer associação cresce em número de sócios.
Não tenho a menor dúvida de que em qualquer associação que a sua direcção queira é possível duplicar o número de sócios (repito, sócios pagantes, os outros não interessam nada) em dois anos (enfim, posso ter algumas dúvidas nas maiores, não só porque o ponto de partida é maior, como porque a sua história pesa sempre durante mais tempo, para o bem e para o mal).
Na ATN, desde que colaboro com esta associação (e não apenas pelo meu apoio, mas também pelo meu apoio) o número de sócios pagantes já foi claramente duplicado em menos de dois anos e o crescimento continua a um ritmo que nem eu, um optimista inveterado, acredito que se mantenha muito tempo.
Pese embora se estar ainda longe do objectivo de ter uma estrutura mínima profissional e estável inteiramente dependente das quotas dos sócios.
Mas é uma questão de tempo e persistência.
E sobretudo de respeito pelas pessoas e pelos seus direitos.
Os sócios não são a mão de obra barata das direcções das associações, são os acionistas que investem os seus recursos à espera do retorno prometido na definição dos objectivos da associação.
henrique pereira dos santos

5 comentários:

Anónimo disse...

O que é a ATN?

Concordo com muitas das ideias aqui expressas. Mas devo notar que se corre o risco de entrar num esquema em que a captação de sócios custa à associação tantos recursos, que esta acaba por não realizar mais nada de útil. De facto, nas grandes associações ambientalistas americanas, é comum o setor de captação de sócios gastar, em salários para o seu pessoal, uma grande parte (metade ou mais) das quotas pagas por esses mesmos sócios.

Luís Lavoura

Henrique Pereira dos Santos disse...

Tens razão, Luís, como já várias vezes fiz posts em que falei da ATN esqueci-me de dizer que é a Associação Transumância e Natureza (http://www.atnatureza.org/).
É verdade que a captação e fidelização de sócios consome muitos recursos, mas é o número de sócios e a metade que sobra que dá uma enorme força e independência a essas organizações.
henrique pereira dso santos

joserui disse...

Caro HPS, obrigado por este post. Depois comento, tenho de ter tempo. A declaração de interesses é que sou sócio da ATN e é uma associação que admiro.
Mas só queria dizer uma coisa ao Luís Lavoura: nos EUA há quem monitorize os gastos das instituições vs. o que realmente chega aos objectivos. Escrevi sobre isso há uns tempos. -- JRF

Pedro Nuno Teixeira Santos disse...

Caro Henrique,

Apesar do agradecimento já feito pelo José Rui Fernandes, agradeço-lhe também pois, a nós, Árvores de Portugal, alguns dos assuntos aqui abordados são de interesse para o funcionamento da nossa jovem associação.

Concordo genericamente com o que o Henrique defende, embora (há sempre um "se"), considere que, em Portugal, poucas associações terão capacidade para sobreviver apenas com o dinheiro dos sócios. Também, admito, por incompetência das associações que não os sabem cativar/fidelizar.

No entanto, não negando que o dinheiro dos sócios é essencial para garantir que uma associação não seja subsidio dependente e possa, desse modo, ser independente, há outro aspecto que me preocupa ainda mais do que a falta de recursos financeiros: a falta de pessoas com vontade de participar, com o seu tempo e dedicação, no funcionamento das próprias associações.

Mais uma vez, pode-se dizer que (parte d)a culpa reside na incapacidade das associações para atraírem essas pessoas. Não o nego! Mas creio que há uma preocupante falta de cultura cívica nos portugueses, nomeadamente de hábitos de devotar parte do seu tempo livre a ajudar os outros, nomeadamente ONG. Os portugueses só parecem mobilizar-se com assuntos que lhes vão directamente aos bolsos, como as portagens nas SCUT, por exemplo.

Bem sei que o recente "Limpar Portugal" teve uma adesão e um impacto muito significativo, sendo uma prova que a dita sociedade civil não é totalmente amorfa no que concerne a estas causas.

Só o que faz falta às associações não são pessoas que dediquem um dia ao ambiente, como no "Plantar Portugal", mas pessoas dedicadas e empenhadas o suficiente para dedicarem vários dias, para causas menos mediáticas, mas tão ou mais importantes para a conservação da natureza no nosso país.

Cumprimentos

joserui disse...

Caro HPS, a sua produção incessante nem me dá tempo para acompanhar (também por isso digo que não se pode parar aqui).
Comentei no meu blogue. -- JRF