quarta-feira, julho 28, 2010

As barbas a arder


Duarte Caldeira, presidente da liga dos bombeiros ou coisa do género, um dos mais lídimos representantes do pessoal que acha que os fogos são com os bombeiros, veio ontem dizer que apesar das condições meteorológicas serem as mesmas de 2003, o dispositivo está a controlar tudo porque agora as coisas funcionam bem.
Eu percebo-o. A actual conjuntura nesta matéria é realmente favorável a quem vive do fogo: tudo para o combate, os restos para fingir que se faz alguma coisa no resto.
Ora estas condições meteorológicas, que Duarte Caldeira forçosamente sabe muito bem que estão muito longe de ser iguais às de 2003 (o vento é fraco, a humidade tem alturas em que sobe, são ainda três ou quatro dias e não quinze, por aí fora), demonstram facilmente que não é pelo dispositivo de combate que se vai lá.
Todos queremos um dispositivo eficiente (e de preferência custo eficiente também) mas um dispositivo eficaz sem gestão de combustiveis é uma boa receita para o desastre.
Mas o desatre social não é o mesmo que o desastre para Caldeira e para quem vive do fogo. Para estes últimos o desastre é desviar os recursos do combate para a gestão de combustiveis. Mais eficiente e mais criador de riqueza.
henrique pereira dos santos

8 comentários:

Lightnin' Jones disse...

Mas não deixa de ser curioso que quando as coisas aquecem é a falta de gestão de combustíveis que é apontada... Para escamotear os pobres resultados do combate? Neste momento Portugal é provavelmente o País com o maior rácio custo/benefício em matéria de combate a incêndios.

Paulo Fernandes

Luís Lavoura disse...

(1) Eu não me lembro se as condições de 2003 foram piores ou não. Mas parece-me que têm sido feitos grandes progressos ao nível do combate aos fogos. Também me parece que se avançou muito em matéria de propaganda e consciencialização das populações contra atitudes que geram ignições. Já se fala de coisas como lançar foguetes, deixar cair as beatas no chão, ou fzer piqueniques, que dantes não se falava porque seria considerado uma agressão a hábitos culturais importantes.

(2) Não é para mim líquido que a gestão de combustíveis possa ser mais barata ou mais criadora de riqueza do que o atual esquema centrado no combate. A gestão de conbustíveis é intensiva em mão-de-obra e essa mão-de-obra é muito cara (se é que se encontra disponível). Além disso a gestão de combustíveis necessitaria de congregar os esforços e a colaboração das populações locais (não bastaria a vontade do Estado), e eu não sei se tal seria possível.

Luís Lavoura disse...

Eu em matéria de gestão de combustíveis já estou "queimado" por uma lei, como passo a explicar.

Sou proprietário de uma pequena terra que fica perto de uma rua de uma povoação. Entre a minha terra e a rua fica outro terreno, que a Câmara da região resolveu (com toda a lógica, porque fica ao pé da rua) permitir urbanizar. Consequência: o meu terreno passou a ficar encostado a uma moradia nova, cujo proprietário veio, de acordo com a lei, exigir que eu limpasse o meu terreno (de silvas e canas - infestantes terríveis) para proteger a sua moradia do fogo. Resultado: eu gastei 500 euros a limpar o meu terreno (a retroescavadora) e, presumivelmente, terei que voltar a fazê-lo de dois em dois anos, tudo para o senhor proprietário da moradia tirar o rico proveito da sua casinha.

Ora bem, se isto é gestão de combustíveis - uns pagam para os outros usufruírem - pois bem, eu prefiro que não a haja. Ou então, que seja o Estado a organizá-la e a pagá-la.

(Felizmente, tenho outra propriedade em que o vizinho é melhor e, em vez de me exigir que a limpe, põe lá umas cabras a pastar, que fazem boa parte do serviço - comem as silvas, mas não as canas nem os salgueiros. Ele é quem trata das cabras, e bastante trabalho lhe dão.)

Henk Feith disse...

Caro Luís,

Tocou num ponto relevante e que tem a haver com a limpeza à volta das urbanizações. O seu caso é um caso entre muitos e já fui confrontado com multas por falta de limpeza em situações semelhantes.

Agora, em termos legais há duas coisas a fazer:
1 - quando o seu futuro vizinho iniciou o projeto de obra, era obrigado a colocar um placard informativo sobre a mesma. Na altura podia e se calhar devia ter contestado a obra, com o argumento que as suas silvas e matos já lá estão e não apetece nada gastar dinheiro em limpá-los para proteger a vivenda do futuro vizinho.
2 - caso a licença de construção fosse emitida na mesma (muito provável: as câmaras vivem disto), podia e se calhar devia ter posto uma providência cautelar em tribunal, obrigando por um lado a suspensão da obra e condicionando a sua conclusão à aquisição do seu terreno pelo futuro vizinho de forma a ele poder limpar a zona de proteção à sua vivenda. Obviamente, o seu terreno seria vendido pelo preço que o Luís entender, e se fosse eu não desviada muito do preço normal por m2 por um terreno urbanizável.

Em termos jurídicos, parece-me evidente que o promotor de uma urbanização não pode colocar um ónus a vizinhos que não têm nada a ver com a obra. Se quiserem construir devem assegurar as condições para tal, incluindo a posse dos terrenos abrangidos pela zona de proteção obrigatória por lei.

Isto tudo seria normal e rotineiro num país onde a lei é a base da organização e regulamentação da sociedade... Pois é.

Henk

Henk Feith disse...

Julho 2010 não é agosto 2003, longe disso. Não sei se agosto 2010 vai ser como agosto 2003, mas tudo é possível.

Concordo com o Luís e discordo do HPS: a eficácia de combate evoluiu muito nos últimos 5 anos. Ao contrário do HPS, acho que a eficácia até à recente onda de calor deve-se em muito pela estratégia do combate maciço na fase nascente do incêndio. Para quem acompanha de perto dezenas de focos, que é o meu caso, não há dúvidas que é assim que se deve combater.

No entanto, concordo com o HPS que isto tudo falha quando o número de ignições ultrapassa a capacidade de resposta, deixando fugir as ignições na fase nascente, obrigando a um esforço que é um múltiplo do que seria se fosse controlado no início. É isso que estamos a viver desde o final da semana passada.

As previsões apontam para a continuação do tempo muito quente para mais pelo menos 5 dias, embora com algum aumento da humidade nocturna. Ao juntar à baixa velocidade do vento, possivelmente não iremos ter uma repetição de 2003 ou 2005, para já. Mas, e volto a concordar com o HPS, não é por falta de combustível, é porque faltam alguns ingredientes necessários para criar as condições para um catástrofe.

Sobre como então reduzir essa quantidade de combustível, aí já estamos a falar de um outro campeonato, que ultrapassa o espaço de um simples comentário...

Henk Feith

Lightnin' Jones disse...

É fácil demonstrar que o combate evoluiu desde 2005. Mas essa evolução limita-se às fases iniciais do fogo, onde é fácil disfarçar a falta de técnica através da força bruta. A partir daí a coisa tende para o caos, que se vai agravando à medida que o incêndio aumenta de dimensão. E poderia ser de outra maneira num dispositivo de combate baseado no voluntariado?
Quanto à limpeza do mato em torno das habitações é um requisito básico de auto-protecção onde o risco de incêndio é elevado. Mas não há justificação técnica para a imposição de uma distância de 50 m...

Paulo Fernandes

Henk Feith disse...

Paulo,

A questão dos 50 metros não foi posta na perspectiva técnica da sua eficácia, mas sim na perspectiva jurídica de quem promove construções em espaço rural, afetando por isso vizinhos. No meu entender não devem ser emitidas licenças de construção em espaço rural para quem não demonstra autonomia no cumprimento das obrigações legais. Um promotor não pode impor um ónus numa pessoa terceira que não tem nada a ver com a obra. Em termos práticos: ele tem que ter posso do terreno abrangido pela zona de segurança à volta da casa ou então um acordo com os proprietários.

Sobre a facilidade de combate: afirmar que é fácil o que outros fazem é um argumento vulgar nos chamados "treinadores da bancada". Mas até pode ser verdade, e acrescento: ainda bem, porque se não fosse então sobrava pouco espaço verde em Portugal. Por todo o efeito, são apagados dezenas de milhares de focos de incêndio que, se não fossem, podiam resultar em incêndios de grande dimensão. Para mim o que é relevante é que são apagados, mas facilidade menos facilidade.

Por fim: estou perfeitamente de acordo que um corpo profissional de bombeiros florestais teria uma eficácia superior e até é provável que o custo final seria semelhante ou até inferior, embora não tenho dados para o confirmar.

Um abraço,

Henk

Lightnin' Jones disse...

Henk,
De inteiro acordo quanto aos 50m. A facilidade a que aludi não se referia ao trabalho de extinção dos tais milhares de focos, mas sim ao facto de uma análise estatística simples permitir constatar melhorias na 1ª intervenção.

Abraço,
paulo