A decisão da abertura de hipermercados com
superfície superior a 2000 metros quadrados ao domingo à tarde passa para as
mãos das autarquias (ver aqui).
Esta possibilidade que agora se abre, e que vem no sentido do que desde há
muito defendo, parte do princípio liberal de que os interesses dos cidadãos
devem ser atendidos e de que o Estado, em defesa do comércio tradicional
(basicamente, tem sido esse o principal argumento dos agentes políticos), não
deve criar regulamentação que distorça o mercado.
A ideia de defender
o comércio tradicional em detrimento dos grandes hipermercados, é
fundamentalmente sustentada pelo pressuposto de que o comércio tradicional
emprega mais trabalhadores que as grandes superfícies (se compararmos o que faz
algum sentido comparar, ou seja, número e diversidade de lojas mais ou menos equivalentes
entre os dois conceitos) e alicerçada na opinião de uma considerável parte da
população que padece do que vulgarmente chamo de “nostalgia da mercearia de
bairro”, maleita essa que é suficientemente sentida para que se delibere sobre
a vida dos outros, apoiando a proibição legal da abertura de grandes
hipermercados aos domingos à tarde, mas suficientemente suave para que, mesmo
que pagando preços mais elevados entre outras desvantagens, se compre no
comércio tradicional.
Para muitos de nós, hipermercados e grandes
superfícies comerciais apresentam-se muito mais atractivos que o comércio
tradicional. E não é difícil perceber porquê. Preços globalmente mais baixos,
enorme variedade de produtos e serviços oferecidos concentrados numa área fácil
percorrer a pé (sendo isto válido para o grandes hipermercados, é-o a maior
escala para os grandes centros comerciais onde muitos daqueles se inserem e
onde habitualmente existem lojas diversas, agências bancárias, cinemas,
restauração, etc.), facilidade de acesso e de estacionamento, horários
ajustados às necessidades dos clientes, maior conforto em dias com condições
climatéricas adversas (chuva, temperaturas extremas) parecem compensar o
serviço tendencialmente mais personalizado das pequenas lojas do comércio tradicional.
Alguns partidos,
como o PCP
e o BE,
reforçam a ideia de um eventual menor número de postos de trabalho (mais uma
vez, comparando o que faz algum sentido comparar), proporcionado pelos grandes
hipermercados relativamente ao pequeno comércio, pressuposto este contrariado
pelos grandes grupos económicos que beneficiam com esta medida e que defendem
exactamente o oposto. Apesar de não conhecer estudos que analisem este ponto,
parece fazer sentido que, balanço feito, se percam postos de trabalho. Mas o
que contesto é a lógica de distorcer o mercado, regulamentando-o, de forma a
salvaguardar postos de trabalho em prejuízo dos interesses do cidadão comum que
até aqui não podia optar por fazer compras num hipermercado ao domingo à tarde.
Aliás, esta tentação é análoga à justificação de alguns agentes políticos para
a execução de algumas obras públicas, de interesse público questionável, mas
que, na sua fase de execução, garantem emprego.
Há ainda quem
argumente que esta liberalização representa um apelo ao consumo. Se, por um
lado, não duvido que a nossa sociedade é tremendamente consumista, com todos os
problemas – nomeadamente ambientais - que isso implica, tenho muitas dúvidas
que passe a consumir muito mais por causa da abertura de grandes hipermercados
aos domingos à tarde. Em boa verdade, a enorme maioria dos portugueses não
consegue, sequer, aforrar dinheiro, pelo que, no essencial, o que esta abertura
implicará será uma transferência do consumo no pequeno comércio para os grandes
hipermercados. Aliás, é este pressuposto que está na origem das preocupações de
quem opera no comércio tradicional.
Por fim, ouço
preocupações com a eventual destruição da instituição Família que, desta forma,
ao fim-de-semana, se arrastaria para os grandes hipermercados aos domingos à
tarde, dispensando um saudável e caseiro convívio familiar ou mesmo num
qualquer jardim da sua aldeia, vila ou cidade. Acontece que tenho tremendas
dificuldades em estabular pessoas, preferindo, por isso, deixar ao critério de
cada um a forma como usa a sua liberdade. Se prefere recorrer ao comércio
tradicional em vez de comprar em grandes superfícies, se decide passar a tarde
de domingo com a família, amigos, sozinhos, em convívio ou andar às compras num
qualquer hipermercado. Enfim… tentações liberais.
Gonçalo Rosa
9 comentários:
Anónimo
disse...
Caro Gonçalo Rosa, E porque não pôr a Assembleia da República, as Câmaras, todas as repartições públicas, institutos e demais organismos tutelados pelo Estado, a abrir ao Sábado e ao Domingo? E as Escolas para o cidadão ter onde por os filhos enquanto vai ao hipermercado? E obviamente as Universidades, pondo os professores a dar aulas ao Sábado e ao Domingo - até porque esses são os dias em que os estudantes trabalhadores têm mais disponibilidade. E porque não – até porque a crise a isso sugere – aumentar o horário de trabalho para 7 dias por semana?
Já experimentou perguntar a um dos autores do blog (que costuma escrever umas coisas muito sensatas sobre ordenamento do território) quais as implicações do paradigma que defende?
Acredita mesmo que a Sonae e a Jerónimo Martins estão preocupadas com o seu orçamento familiar? E que se se apanharem sozinhas no mercado vão ter um comportamento eticamente responsável, assim a modos como o que têm os bancos, as seguradoras, as operadoras da rede móvel, as petrolíferas…?!...?
E já que prefere deixar a escolha à liberdade de cada um, porque não estender tão nobre princípio à legalização do uso e e porte de arma?
Mudando de assunto (e aproveitando o espaço): alguém é capaz de explicar porque andam a ser abatidas centenas de árvores e arbustos no Parque Florestal do Monsanto em Lisboa, e que - na melhor das hipóteses - são substituídos por bonsais? Não vale sugerir que as árvores e os arbustos estão doentes porque – garantidamente e como se pode confirmar – não estão!
Por acaso acho esta polémica dos horários bastante fraca- não me parece que irão haver mudanças significativas em termos de emprego para além de talvez algumas compras de emergência adicionais feitas nos hipers- se o horário da meia-noite de domingo é assim tão apetecível então se calhar estou totalmente deslocado da realidade.
Mas por motivos ambientais, vale a pena falar da dita "nostalgia da mercearia" e perceber se é meramente um valor afectivo como parece ou se é algo alicercado em questões que têm importância para o ordenamento do território (como diz o comentador anterior) e mesmo apoio á agricultura sustentável:
1. A mercearia está normalmente baseada num local central e acessível a pé ou de transportes públicos, os hipers estão centrados no carro e nos subúrbios (não é pouco frequente serem construídos em solos protegidos).
2. A mercearia tem a capacidade de ancorar pessoas em centros urbanos (como conveniência de bairro) ou em pontos de encontro (como em muitas vilas e aldeias). Os hipers são um factor de dispersão e são fracos espaços de estar (esta última é pessoal e subjectiva).
3. A mercearia tem a capacidade de vender produtos de pequenos produtores e de estabelecer ligações directas com aqueles que são locais. Os hipers têm uma variedade que depende da capacidade de encontrarem grandes fornecedores, locais ou não.
Também não acredito em criar legislação excessivamente proteccionista mas, tendo ambos os tipos de espaços comerciais vantagens e desvantagens reais, devíamos pensar qual seguirá o modelo que mais se aproxima de um modelo sustentável para o comércio.
Nuno: "não me parece que irão haver mudanças significativas em termos de emprego para além de talvez algumas compras de emergência adicionais feitas nos hipers- se o horário da meia-noite de domingo é assim tão apetecível então se calhar estou totalmente deslocado da realidade."
GR: É uma possibilidade. Mas o mercado encarregar-se-à de responder rapidamente às necessidades ou à falta delas.
Nuno: “ Mas por motivos ambientais, vale a pena falar da dita "nostalgia da mercearia" e perceber se é meramente um valor afectivo como parece ou se é algo alicercado em questões que têm importância para o ordenamento do território (como diz o comentador anterior) e mesmo apoio á agricultura sustentável”
GR: Não duvido que o Nuno consiga entender, à priori, essas implicações (e são diversas, ora positivas, ora negativas). Mas ficaria muito surpreendido que o sentimento da maioria da população fosse muito além deste sentimento nostálgico…
1. A “nostalgia da mercearia” é uma expressão que uso obviamente em sentido figurado; tente fazer meia dúzia de compras, ida a multibanco e a restaurante num grande centro urbano e compare o tempo que necessita com o que gastaria numa grande superfície; numa vila ou aldeia esta questão é bem menos evidente pelo simples facto que não existem grandes superfícies (pelo menos com a dimensão que atingem as das grandes cidades
2. Em parte é verdade, mas creio ser essencialmente a existência de pessoas em centros urbanos e uma maior competitividade das unidades de comércio tradicional (nomeadamente a oferta de produtos diferenciados, locais, etc.) que viabiliza a existência do pequeno comércio; numa rua perto de mim há uma mercearia que alguns chamam de “ourivesaria”, que vende fruta de altíssima qualidade mas a preços muitos elevados… não raras vezes compro lá fruta. A ideia de que as grandes superfícies (e não os hipers, mas a vantagem das primeiras e que normalmente são muito mais do que hipermercados) é, de facto, muito subjectivo. Para além do mais, o que eu defendo não é este tipo de espaços comerciais, mas a possibilidade de, cada um, optar pelo que entende frequentar.
3. Concordo, mas nem sempre é esse o caminho da diferenciação pela qualidade, no sentido lato do termo, o escolhido pelo comércio tradicional. Aliás, sejamos justos, nem sequer é caminho para uma boa série de produtos.
JM: "E porque não pôr a Assembleia da República, as Câmaras, todas as repartições públicas, institutos e demais organismos tutelados pelo Estado, a abrir ao Sábado e ao Domingo? E as Escolas para o cidadão ter onde por os filhos enquanto vai ao hipermercado? E obviamente as Universidades, pondo os professores a dar aulas ao Sábado e ao Domingo - até porque esses são os dias em que os estudantes trabalhadores têm mais disponibilidade. E porque não – até porque a crise a isso sugere – aumentar o horário de trabalho para 7 dias por semana?"
GR: Não vale a pena entrar em radicalizações de discurso. O que digo é que, neste caso, se deve deixar adaptar o mercado às necessidades do cidadão. O que JM refere diz respeito, em boa medida aos organismos públicos que, para o bem e para o mal (e, neste caso, para o mal), não funcionam numa lógica de mercado. Não raras vezes, os organismos do Estado estão-se completamente a borrifar para as necessidades dos cidadãos, precisamente porque, pelo menos de forma directa, não precisam deles para pagar os seus salários, ora porque não competem com concorrência, ora porque a legislação trata de empurrar os cidadãos para os organismos estatais. E sim, diversos organismos estatais deveriam adaptar os seus horários aqueles que servem, os cidadãos. Dou-lhe dois exemplos: acha aceitável que as repartições de finanças encerrem a meio da tarde, sendo, para muitos dos que servem, que trabalham no clássico horário das 9h às 17h, fazerem verdadeira ginástica no seu tempo para aí se deslocarem? Acha aceitável que quem visita uma área protegida ao domingo encontre centros de interpretação encerrados?
JM: “Já experimentou perguntar a um dos autores do blog (que costuma escrever umas coisas muito sensatas sobre ordenamento do território) quais as implicações do paradigma que defende?“
GR: tem certamente implicações diversas, umas positivas outras negativas, algumas que alcanço e outras que a minha ignorância ofusca, mas que infelizmente não teve o cuidado de assinalar uma única no seu comentário.
JM: “Acredita mesmo que a Sonae e a Jerónimo Martins estão preocupadas com o seu orçamento familiar? E que se se apanharem sozinhas no mercado vão ter um comportamento eticamente responsável, assim a modos como o que têm os bancos, as seguradoras, as operadoras da rede móvel, as petrolíferas…?!...?”
GR: o que acredito é que o Estado deve deixar o mercado funcionar, intervindo pontualmente com alguma regulação, ou mesmo regulamentação, acredito que o Estado deveria ser muito mais eficaz na regulação (poderia aqui dar muitos exemplos de desastrosa regulação, o mais recente dos quais o da Marsans) e acredito ainda que, por vezes, é o próprio Estado a dar cabo da saudável e essencial concorrência no mercado. As empresas não são, por princípio, entidades promotoras do Bem nem, imagine-se, do Mal. Mas todas se preocupam em produzir/servir com a melhor eficiência possível (e aqui, infelizmente, para a enorme maioria da população, o preço tem um grande peso). Assim sendo, o cenário que tece, aliás, contrário à tendência actual, é algo improvável, precisamente porque muito rapidamente abriria portas a que aparecesse nova concorrência…
JM: “ E já que prefere deixar a escolha à liberdade de cada um, porque não estender tão nobre princípio à legalização do uso e e porte de arma?”
GR: Essa é muito simples. Porque não aceito que o uso da liberdade individual ponha em causa a liberdade dos outros e, o que me parece lógico é que exista uma relação directa entre a proliferação de armas entre a população e o incremento de crimes de homicídio, para além de um mais fácil de acesso às armas por parte de assaltantes e demais criminosos.
Não tenho nada a apontar ás qualidades e defeitos que descreve para os dois tipos de comércio, existem sempre prós e contras e sem dúvida que existirá muita nostalgia.
O grande contra das mercearias será, como disse, a ausência da conveniência que advém de se ter um único ponto de venda mas os mercados municipais funcionam (ou deixam agora de funcionar) como clusters de vários tipos de lojas, de talhos a frutarias.
De resto são os mesmos mercados deste tipo que agora são o centro de um movimento que nos EUA (um país que não tem mercados há décadas) foca na produção local (sobretudo biológica) e comprada ao produtor. São uma nova força de mercado em prol da agricultura sustentável e de produtos de valor acrescentado do mundo rural.
Também acho que não é com restrições de venda ao Domingo (irrelevante) que se vai lá mas convém pormos a solução que os hipers propõem na balança. Pode ser que não nos esteja a sair assim tão barato.
Passar o poder para as mãos das autarquias não é liberalizar.
Os hipermercados não passam a ser livres de abrir quando quiserem. O poder de limitar os seus horários é que passa para as autarquias. Isto não é liberalização.
O que eu defendo é liberalização, não é transferência do poder para as Câmaras Municipais.
Compreendo o que queres dizer (daí o meu "vem no sentido" do segundo parágrafo do post).
Se em teoria o que afirmas é verdadeiro, mas na prática, ao colocar o poder de decisão das autarquias (com limitações legais, se bem entendi) resultará inevitavelmente na autorização deste alargamento de horário. O futuro encarregar-se-à de o demonstrar.
Mas existe racionalidade ao transpor a limitação de horários para as autarquias.
1.º Elas já o têm ao licenciar os horários máximos de abertura dos estabelecimentos comerciais. 2.º A prática era a do fecho aos Domingos. Estar aberto ao Domingo à tarde PODE TER grandes impactos quer ao nível do trânsito, da segurança pública e concorrência directa contra outros negócios que basearam a sua licença na partilha do mercado existente.
As Autarquias, ainda que fracas face ao lobby, são a instituição mais habilitada a avaliar as condições próprias de cada situação deliberando tendo em conta a sua realidade, do mercado e das forças de segurança/trânsito, etc.
O que não gosto de ver é proibição em lei geral/decretos de confinar estabelecimentos comerciais ao horário diurno, porque há casos e negócios que podiam muito bem estar abertos 24h ou as que forem, sem que isso perturbe a segurança ou o conforto sonoro de moradores por exemplo.
Em suma, o que defendo como conceito ideal no futuro próximo seria algo do tipo: Lei:horário totalmente liberalizado sujeito às disposições de um regulamento municipal específico. Este não poderia impor restrições pesadas nem cegas nem díspares, teria que ter a participação e concordância dos serviços de segurança, emergência e juntas de freguesia. Se uma Câmara quisesse restringir o funcionamento de um estabelecimento a determinado dia da semana, essa imposição teria que ser tecnicamente fundamentada e ter aprovação da Assembleia municipal senão órgão de governo.
Espaço de informação e reflexão sobre ambiente e sociedade. Este blogue tem uma gestão partilhada com a lista portuguesa de ambiente (também chamada ambio), no entanto, as contribuições para cada um dos espaços são autónomas pelo que podem divergir na importância e destaque dados aos temas ambientais abordados. Os únicos lemas a seguir serão reflexão, originalidade e (deseja-se) qualidade. Com este espaço espera-se potenciar a escrita de ensaio e aprofundamento de temas ambientais em língua Portuguesa.
9 comentários:
Caro Gonçalo Rosa,
E porque não pôr a Assembleia da República, as Câmaras, todas as repartições públicas, institutos e demais organismos tutelados pelo Estado, a abrir ao Sábado e ao Domingo? E as Escolas para o cidadão ter onde por os filhos enquanto vai ao hipermercado? E obviamente as Universidades, pondo os professores a dar aulas ao Sábado e ao Domingo - até porque esses são os dias em que os estudantes trabalhadores têm mais disponibilidade. E porque não – até porque a crise a isso sugere – aumentar o horário de trabalho para 7 dias por semana?
Já experimentou perguntar a um dos autores do blog (que costuma escrever umas coisas muito sensatas sobre ordenamento do território) quais as implicações do paradigma que defende?
Acredita mesmo que a Sonae e a Jerónimo Martins estão preocupadas com o seu orçamento familiar? E que se se apanharem sozinhas no mercado vão ter um comportamento eticamente responsável, assim a modos como o que têm os bancos, as seguradoras, as operadoras da rede móvel, as petrolíferas…?!...?
E já que prefere deixar a escolha à liberdade de cada um, porque não estender tão nobre princípio à legalização do uso e e porte de arma?
Mudando de assunto (e aproveitando o espaço): alguém é capaz de explicar porque andam a ser abatidas centenas de árvores e arbustos no Parque Florestal do Monsanto em Lisboa, e que - na melhor das hipóteses - são substituídos por bonsais? Não vale sugerir que as árvores e os arbustos estão doentes porque – garantidamente e como se pode confirmar – não estão!
Obrigado pelo espaço.
JM
Por acaso acho esta polémica dos horários bastante fraca- não me parece que irão haver mudanças significativas em termos de emprego para além de talvez algumas compras de emergência adicionais feitas nos hipers- se o horário da meia-noite de domingo é assim tão apetecível então se calhar estou totalmente deslocado da realidade.
Mas por motivos ambientais, vale a pena falar da dita "nostalgia da mercearia" e perceber se é meramente um valor afectivo como parece ou se é algo alicercado em questões que têm importância para o ordenamento do território (como diz o comentador anterior) e mesmo apoio á agricultura sustentável:
1. A mercearia está normalmente baseada num local central e acessível a pé ou de transportes públicos, os hipers estão centrados no carro e nos subúrbios (não é pouco frequente serem construídos em solos protegidos).
2. A mercearia tem a capacidade de ancorar pessoas em centros urbanos (como conveniência de bairro) ou em pontos de encontro (como em muitas vilas e aldeias). Os hipers são um factor de dispersão e são fracos espaços de estar (esta última é pessoal e subjectiva).
3. A mercearia tem a capacidade de vender produtos de pequenos produtores e de estabelecer ligações directas com aqueles que são locais. Os hipers têm uma variedade que depende da capacidade de encontrarem grandes fornecedores, locais ou não.
Também não acredito em criar legislação excessivamente proteccionista mas, tendo ambos os tipos de espaços comerciais vantagens e desvantagens reais, devíamos pensar qual seguirá o modelo que mais se aproxima de um modelo sustentável para o comércio.
Nuno Oliveira
Nuno,
Nuno: "não me parece que irão haver mudanças significativas em termos de emprego para além de talvez algumas compras de emergência adicionais feitas nos hipers- se o horário da meia-noite de domingo é assim tão apetecível então se calhar estou totalmente deslocado da realidade."
GR: É uma possibilidade. Mas o mercado encarregar-se-à de responder rapidamente às necessidades ou à falta delas.
Nuno: “ Mas por motivos ambientais, vale a pena falar da dita "nostalgia da mercearia" e perceber se é meramente um valor afectivo como parece ou se é algo alicercado em questões que têm importância para o ordenamento do território (como diz o comentador anterior) e mesmo apoio á agricultura sustentável”
GR: Não duvido que o Nuno consiga entender, à priori, essas implicações (e são diversas, ora positivas, ora negativas). Mas ficaria muito surpreendido que o sentimento da maioria da população fosse muito além deste sentimento nostálgico…
1. A “nostalgia da mercearia” é uma expressão que uso obviamente em sentido figurado; tente fazer meia dúzia de compras, ida a multibanco e a restaurante num grande centro urbano e compare o tempo que necessita com o que gastaria numa grande superfície; numa vila ou aldeia esta questão é bem menos evidente pelo simples facto que não existem grandes superfícies (pelo menos com a dimensão que atingem as das grandes cidades
2. Em parte é verdade, mas creio ser essencialmente a existência de pessoas em centros urbanos e uma maior competitividade das unidades de comércio tradicional (nomeadamente a oferta de produtos diferenciados, locais, etc.) que viabiliza a existência do pequeno comércio; numa rua perto de mim há uma mercearia que alguns chamam de “ourivesaria”, que vende fruta de altíssima qualidade mas a preços muitos elevados… não raras vezes compro lá fruta. A ideia de que as grandes superfícies (e não os hipers, mas a vantagem das primeiras e que normalmente são muito mais do que hipermercados) é, de facto, muito subjectivo. Para além do mais, o que eu defendo não é este tipo de espaços comerciais, mas a possibilidade de, cada um, optar pelo que entende frequentar.
3. Concordo, mas nem sempre é esse o caminho da diferenciação pela qualidade, no sentido lato do termo, o escolhido pelo comércio tradicional. Aliás, sejamos justos, nem sequer é caminho para uma boa série de produtos.
Gonçalo Rosa
Caro JM,
JM: "E porque não pôr a Assembleia da República, as Câmaras, todas as repartições públicas, institutos e demais organismos tutelados pelo Estado, a abrir ao Sábado e ao Domingo? E as Escolas para o cidadão ter onde por os filhos enquanto vai ao hipermercado? E obviamente as Universidades, pondo os professores a dar aulas ao Sábado e ao Domingo - até porque esses são os dias em que os estudantes trabalhadores têm mais disponibilidade. E porque não – até porque a crise a isso sugere – aumentar o horário de trabalho para 7 dias por semana?"
GR: Não vale a pena entrar em radicalizações de discurso. O que digo é que, neste caso, se deve deixar adaptar o mercado às necessidades do cidadão. O que JM refere diz respeito, em boa medida aos organismos públicos que, para o bem e para o mal (e, neste caso, para o mal), não funcionam numa lógica de mercado. Não raras vezes, os organismos do Estado estão-se completamente a borrifar para as necessidades dos cidadãos, precisamente porque, pelo menos de forma directa, não precisam deles para pagar os seus salários, ora porque não competem com concorrência, ora porque a legislação trata de empurrar os cidadãos para os organismos estatais. E sim, diversos organismos estatais deveriam adaptar os seus horários aqueles que servem, os cidadãos. Dou-lhe dois exemplos: acha aceitável que as repartições de finanças encerrem a meio da tarde, sendo, para muitos dos que servem, que trabalham no clássico horário das 9h às 17h, fazerem verdadeira ginástica no seu tempo para aí se deslocarem? Acha aceitável que quem visita uma área protegida ao domingo encontre centros de interpretação encerrados?
JM: “Já experimentou perguntar a um dos autores do blog (que costuma escrever umas coisas muito sensatas sobre ordenamento do território) quais as implicações do paradigma que defende?“
GR: tem certamente implicações diversas, umas positivas outras negativas, algumas que alcanço e outras que a minha ignorância ofusca, mas que infelizmente não teve o cuidado de assinalar uma única no seu comentário.
JM: “Acredita mesmo que a Sonae e a Jerónimo Martins estão preocupadas com o seu orçamento familiar? E que se se apanharem sozinhas no mercado vão ter um comportamento eticamente responsável, assim a modos como o que têm os bancos, as seguradoras, as operadoras da rede móvel, as petrolíferas…?!...?”
GR: o que acredito é que o Estado deve deixar o mercado funcionar, intervindo pontualmente com alguma regulação, ou mesmo regulamentação, acredito que o Estado deveria ser muito mais eficaz na regulação (poderia aqui dar muitos exemplos de desastrosa regulação, o mais recente dos quais o da Marsans) e acredito ainda que, por vezes, é o próprio Estado a dar cabo da saudável e essencial concorrência no mercado. As empresas não são, por princípio, entidades promotoras do Bem nem, imagine-se, do Mal. Mas todas se preocupam em produzir/servir com a melhor eficiência possível (e aqui, infelizmente, para a enorme maioria da população, o preço tem um grande peso). Assim sendo, o cenário que tece, aliás, contrário à tendência actual, é algo improvável, precisamente porque muito rapidamente abriria portas a que aparecesse nova concorrência…
JM: “ E já que prefere deixar a escolha à liberdade de cada um, porque não estender tão nobre princípio à legalização do uso e e porte de arma?”
GR: Essa é muito simples. Porque não aceito que o uso da liberdade individual ponha em causa a liberdade dos outros e, o que me parece lógico é que exista uma relação directa entre a proliferação de armas entre a população e o incremento de crimes de homicídio, para além de um mais fácil de acesso às armas por parte de assaltantes e demais criminosos.
Gonçalo Rosa
Caro Gonçalo Rosa,
Não tenho nada a apontar ás qualidades e defeitos que descreve para os dois tipos de comércio, existem sempre prós e contras e sem dúvida que existirá muita nostalgia.
O grande contra das mercearias será, como disse, a ausência da conveniência que advém de se ter um único ponto de venda mas os mercados municipais funcionam (ou deixam agora de funcionar) como clusters de vários tipos de lojas, de talhos a frutarias.
De resto são os mesmos mercados deste tipo que agora são o centro de um movimento que nos EUA (um país que não tem mercados há décadas) foca na produção local (sobretudo biológica) e comprada ao produtor. São uma nova força de mercado em prol da agricultura sustentável e de produtos de valor acrescentado do mundo rural.
Também acho que não é com restrições de venda ao Domingo (irrelevante) que se vai lá mas convém pormos a solução que os hipers propõem na balança. Pode ser que não nos esteja a sair assim tão barato.
Uma imagem para reflexão:
http://www.flickr.com/photos/71608308@N00/4660159071/sizes/l/in/photostream/
Bom Domingo (com ou sem compras)
Nuno Oliveira
Passar o poder para as mãos das autarquias não é liberalizar.
Os hipermercados não passam a ser livres de abrir quando quiserem. O poder de limitar os seus horários é que passa para as autarquias. Isto não é liberalização.
O que eu defendo é liberalização, não é transferência do poder para as Câmaras Municipais.
Caro Luís,
Compreendo o que queres dizer (daí o meu "vem no sentido" do segundo parágrafo do post).
Se em teoria o que afirmas é verdadeiro, mas na prática, ao colocar o poder de decisão das autarquias (com limitações legais, se bem entendi) resultará inevitavelmente na autorização deste alargamento de horário. O futuro encarregar-se-à de o demonstrar.
Gonçalo Rosa
Gonçalo.
Não discordo do princípio liberal que aponta...
Mas existe racionalidade ao transpor a limitação de horários para as autarquias.
1.º Elas já o têm ao licenciar os horários máximos de abertura dos estabelecimentos comerciais.
2.º A prática era a do fecho aos Domingos. Estar aberto ao Domingo à tarde PODE TER grandes impactos quer ao nível do trânsito, da segurança pública e concorrência directa contra outros negócios que basearam a sua licença na partilha do mercado existente.
As Autarquias, ainda que fracas face ao lobby, são a instituição mais habilitada a avaliar as condições próprias de cada situação deliberando tendo em conta a sua realidade, do mercado e das forças de segurança/trânsito, etc.
O que não gosto de ver é proibição em lei geral/decretos de confinar estabelecimentos comerciais ao horário diurno, porque há casos e negócios que podiam muito bem estar abertos 24h ou as que forem, sem que isso perturbe a segurança ou o conforto sonoro de moradores por exemplo.
Em suma, o que defendo como conceito ideal no futuro próximo seria algo do tipo:
Lei:horário totalmente liberalizado sujeito às disposições de um regulamento municipal específico.
Este não poderia impor restrições pesadas nem cegas nem díspares, teria que ter a participação e concordância dos serviços de segurança, emergência e juntas de freguesia.
Se uma Câmara quisesse restringir o funcionamento de um estabelecimento a determinado dia da semana, essa imposição teria que ser tecnicamente fundamentada e ter aprovação da Assembleia municipal senão órgão de governo.
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