Ao contrário do que muita gente pensará, a propriedade rústica teve, e tem, uma distribuição muito desigual no interior norte e centro de Portugal. O facto de senhores e criados e beberem o vinho da mesma malga e da comunidade de aldeia partilhar o forno de cozer o pão e o semental, não disfarça a subjugação das relações sociais no interior destas comunidades às estratégias de reprodução da desigualdade e do poder dos terratenentes. Conta-me quem o viveu de perto que as searas dos lavradores ricos eram sempre as primeiras a serem ceifadas e debulhadas. Como se um sino tocasse a rebate, rendeiros e pequenos agricultores abandonavam o que era seu para oferecer trabalho em troca de meia dúzia de tostões ou da protecção de quem detinha verdadeiramente o poder. Quando as colheitas eram fracas, as senhoras da casa grande, pelo Natal, num acto que de caridade tinha muito pouco, distribuíam presunto, azeite, farinha e batatas pelos mais precisados. O senhor sempre conseguia um emprego na câmara ou na guarda, em último caso de criado de lavoura, ou poupava do imposto de sangue as famílias mais depauperadas. Foram estes senhores quem no final da ditadura tentou a todo o custo estancar a fuga da mole de miseráveis sem terra que povoavam as nossas aldeias, com receio da escassez e do aumento do custo da mão-de-obra. Quando a fuga da miséria rebentou as fronteiras, o discurso do poder absorveu o fenómeno imigração, e era então o universalismo e desejo de aventura da “raça” portuguesa que nos impelia a sair.
Antes da entrada na CE os cereais pagavam bem (hoje o quilo do centeio, sem actualização monetária, vale metade do que valia há 25 anos atrás) e os lavradores ricos tiveram oportunidade de acumular capital e educar os filhos. Estes, por sua vez, aproveitaram a industrialização do país para se libertarem da terra e assumir profissões liberais ou integrar a administração pública e o sistema de ensino. A terra entretanto perdeu utilidade e passou a funcionar como um buffer financeiro. A memória dos dias de abundância, em que um sistema de preços garantido pelo Estado (que não incluia o centeio, diga-se) cobrava a ineficiência tecnológica da agricultura aos consumidores, marcou a primeira geração urbana de origem rural. Como o futuro a "Deus pertence" nunca se sabe se a terra virá a ser novamente necessária. Por outro lado, a terra abandonada não perde valor, ou pelo menos subsiste essa expectativa. Ao contrário do que acontece, por exemplo, na industria manufactureira, desinvestir nos meios de produção, neste caso na terra, não diminui a sua aptidão para produzir: o descanso é prática ancestral de reposição da fertilidade. O fogo também não é um problema: a censura social à escala da comunidade rural já não condiciona os usos da terra que põem em risco os haveres dos outros e o Estado, ou seja os contribuintes, encarrega-se de pagar a conta do combate aos incêndios. Não surpreende, portanto, que a esta geração, bem instalada na vida, não interesse ouvir falar em cadastro ou na fiscalidade da terra. Porém, sistematicamente ouço-os nos cafés da terra onde vivo a queixarem-se de que já não se produz riqueza em Portugal, que ninguém quer trabalhar - "pagam-se as jeiras a 30 euros/dia e ninguém apanha a azeitona" - e que o Estado só investe no litoral.
A "estrutura da propriedade" e a "tributação da propriedade agrícola" são duas forças motrizes fundamentais no abandono (e no fogo), muito mais importantes do que o fecho das escolas e a estrutura de subsídios. As coisas parecem estar a mudar. O BE prepara-se para avançar com um projecto de lei sobre bancos de terras (vd. aqui e aqui). Mas não chega. Além de um agravamento do IMI para castigar os proprietários de terra agrícola devoluta (suponho que seja esta a proposta do BE) é necessário avançar com um cadastro único, investir numa classificação de terras e rever a tabela de emolumentos do registo predial e de notariado. Não vejo outra forma de operacionalizar os bancos de terras e de estimular o desenvolvimento de um mercado da terra, de impulsionar a produção de riqueza no meio rural e, já agora, de acabar com privilégios de classe.
A título de curiosidade. O registo de um prédio rústico custa agora 250 euros, qualquer que seja a sua área. No minifúndio o registo pode custar mais do que a terra; juntar 20 pedaços de terra para construir um exploração agrícola não é raro e atinge a extraordinária quantia de 5000 euros. Mais uma vez o estado, para se financiar, pune um importante sector produtor de riqueza: a agricultura.
Carlos Aguiar
17 comentários:
Excelente texto Carlos Aguiar, ainda a propósito de propostas de Bancos de Terras, deixo links para uma notícia recente em que o Ministério da Agricultura e as Finanças afirmam o apoio a esta proposta (a ver vamos), em conjunto com penalizações ao abandono:
"Banco de terras pode ser solução para entraves ao arrendamento"
http://economia.publico.pt/Noticia/banco-de-terras-pode-ser-solucao-para-entraves-ao-arrendamento_1452375
Aqui fica também a petição que terá servido de base à proposta do BE (escassamente assinada):
http://peticaopublica.com/PeticaoVer.aspx?pi=P2010N2448
...e por sua vez o programa de Banco de Terras Galego mencionado pelo artigo como caso de sucesso e exemplo para a medida portuguesa:
www.bantegal.com
Cumprimentos
Nuno Oliveira
Só fica a dúvida da eficácia desta hipotética medida quanto ao arrendamento face ao fecho efectivo de escolas. O tipo de inversão do mundo rural que é necessária deveria ser tarefa concertada dos vários ministérios...
Nuno, o fecho das escolas é irrelevante, por quatro razões. 1) Muitas das pessoas que querem fazer agricultura preferem viver na sede de concelho, ou numa vila com alguma centralidade, e deslocar-se diariamente à exploração agrícola. 2) Os nossos concelhos são muito pequenos (há excepções, claro) e o tempo de deslocação imposto aos garotos dos meios rurais muitas vezes não é superior ao que ocorre na grande cidade. 3) O Ministério da Educação assumiu, finalmente, que não tem controlo pedagógico sobre as escolas rurais (Nuno, se soubesse das histórias que se contam aqui por Bragança !). 4) As crianças do meio rural frequentemente estão em desvantagem no ensino básico e secundário frente às crianças da cidade (e.g. segregação pelos alunos da cidade e concentração nas turmas mais fracas); uma impregnação precoce nos valores cosmopolitas da cidade parece ser uma boa solução para atenuar estas diferenças. Toda esta argumentação foi-me explicada, de forma muito convincente, por um dos presidentes da câmara do distrito de Bragança.
Uma pequena nota. Apoiar o arrendamento em detrimento das políticas de estímulo do mercado de terras é, no meu entender, errado. Três razões. 1) Se a terra disponível é muita, quem sabe e quer ganhar dinheiro na agricultura certamente quer investir de forma perene, e, preparar o futuro dos seus descendentes. 2) A agricultura exige investimentos avultados, muitos deles amovíveis e amortizáveis no longo prazo. 3) O argumento da fertilidade da terra: o arrendamento não estimula a opção por técnicas menos rentáveis que reduzam os riscos de erosão e "nutrient mining"; por que há-de um rendeiro investir no incremento da matéria orgânica do solo ou em técnicas de não mobilização do solo? Para beneficiar os filhos do terratenente?
Carlos,
Esses argumentos sobre as escolas são ou falaciosos, ou mentirosos (não és tu que és mentiroso, evidentemente, é o argumento que não é verdadeiro objectivamente).
1) Não conheço um único caso de agricultor que se tenha voluntariamente instalado na sede do concelho e se desloque todos os dias à exploração. Não estou a dizer que não existe, estou a dizer que desconheço. Mas o argumento é falacioso porque diminui a competitividade da exploração quer por via do aumento da despesa (a deslocação do agricultor é paga por si, a do aluno é paga pelo Estado), quer por via do tempo de trabalho na exploração, quer, o mais importante, por via do controlo directo sobre a propriedade, questão absolutamente decisiva quando se tem animais. A menos que estejamos a falar do dono da terra que contrata uns empregados, mas nessa altura temos o problema dos filhos do empregado;
2) Há concelhos pequenos e grandes. Mesmo nos pequenos as deslocações facilmente ultrapassam os quarenta minutos porque o transporte não é feito directamente de casa para a escola, é feito num circuito que visa abranger o número máximo de alunos com o mesmo autocarro e o mesmo motorista. Mas mais que isso, e essa é uma questão que tem sido sistematicamente omitida, os horários das camionetas escolares não estão feitos para os miúdos estarem o menos tempo possível fora de casa, mas sim para minimizar custos, o que significa que se a escola acabar a meio da tarde o aluno espera pelo fim da tarde para ter transporte para casa, portanto efectivamente estão fora de casa muito tempo;
3) Esse argumento não tem pés nem cabeça porque não tem controlo em lado nenhum, apesar de passar a vida a mandar instruções para todo o lado. As histórias existem em todas as escolas. Aliás acho que a autonomia das escolas e o poder efectivo da comunidade sobre a escolaé um benefício, não é um problema, como é a excessiva intromissão do Minsitério;
4) Este argumento é um argumento que está por demonstrar, visto que as desvantagens que existem decorrem do facto de serem alunos das aldeias, não de virem de escolas das aldeias;
5) Usar nesta matéria um presidente de câmara como fonte de informação obgriga a perceber que para muitos autarcas as aldeias são um problema que se reolve acabando com elas porque pura e simplesmente não acreditam na viabilidade da produção agrícola e pecuária.
henrique pereira dos santos
Carlos,
Esses argumentos sobre as escolas são ou falaciosos, ou mentirosos (não és tu que és mentiroso, evidentemente, é o argumento que não é verdadeiro objectivamente).
1) Não conheço um único caso de agricultor que se tenha voluntariamente instalado na sede do concelho e se desloque todos os dias à exploração. Não estou a dizer que não existe, estou a dizer que desconheço. Mas o argumento é falacioso porque diminui a competitividade da exploração quer por via do aumento da despesa (a deslocação do agricultor é paga por si, a do aluno é paga pelo Estado), quer por via do tempo de trabalho na exploração, quer, o mais importante, por via do controlo directo sobre a propriedade, questão absolutamente decisiva quando se tem animais. A menos que estejamos a falar do dono da terra que contrata uns empregados, mas nessa altura temos o problema dos filhos do empregado;
2) Há concelhos pequenos e grandes. Mesmo nos pequenos as deslocações facilmente ultrapassam os quarenta minutos porque o transporte não é feito directamente de casa para a escola, é feito num circuito que visa abranger o número máximo de alunos com o mesmo autocarro e o mesmo motorista. Mas mais que isso, e essa é uma questão que tem sido sistematicamente omitida, os horários das camionetas escolares não estão feitos para os miúdos estarem o menos tempo possível fora de casa, mas sim para minimizar custos, o que significa que se a escola acabar a meio da tarde o aluno espera pelo fim da tarde para ter transporte para casa, portanto efectivamente estão fora de casa muito tempo;
3) Esse argumento não tem pés nem cabeça porque não tem controlo em lado nenhum, apesar de passar a vida a mandar instruções para todo o lado. As histórias existem em todas as escolas. Aliás acho que a autonomia das escolas e o poder efectivo da comunidade sobre a escolaé um benefício, não é um problema, como é a excessiva intromissão do Minsitério;
4) Este argumento é um argumento que está por demonstrar, visto que as desvantagens que existem decorrem do facto de serem alunos das aldeias, não de virem de escolas das aldeias;
5) Usar nesta matéria um presidente de câmara como fonte de informação obgriga a perceber que para muitos autarcas as aldeias são um problema que se reolve acabando com elas porque pura e simplesmente não acreditam na viabilidade da produção agrícola e pecuária.
henrique pereira dos santos
Henrique, estamos a discutir se a “concentração escolar” é um driver relevante no abandono rural (e implicitamente na regeneração da ruralidade portuguesa).
Eu defendo que não.
Vamos aos argumentos.
1) O primeiro argumento é um corolário de argumentos mais latos discutidos com o dito presidente da câmara. Na sequência do post que escrevi dirige-se ao agricultor empresário que pega na terra devoluta ou não, investe, e põe-na a render. A terra pode ser herdada dos seus antepassados e ampliada por acreção, ou uma exploração ad novo, tanto faz. Defendo que este agricultor é atraído pela centralidade mas a ausência de escolas na pequena aldeia não condiciona significativamente a decisão de apostar na agricultura. Repara que tive o cuidado de matizar essa centralidade ao referir “sede de concelho” e outros povoados (referi vilas). O transporte do empresário são custos, certo, mas habitar uma povoação com gente, vendedores de factores de produção, compradores, mecânicos, cafés, correios e por aí adiante, tem vantagens que se expressam em proveitos. As criação de gado para carne não obriga a uma presença constante de pastores ou proprietários. Com o leite é mais complicado. Este tipo de agricultor existe, conheço alguns, por exemplo criadores de vacas Mirandesas.
2) Repara, estamos a falar dos primeiros 4 anos do ensino básico. O 2º ciclo do ensino básico, com a extinção da telescola, há muito que foi concentrado (erradamente, no meu entender, não seguimos o modelo de 6 anos de ensino primário, como era intenção do Ministro Veiga Simão). No interior do país os restantes níveis de ensino só pontualmente saíram das sedes de concelho. Não conheço as estatísticas regionais do transporte escolar mas posso-te dizer que os garotos de algumas (muitas?) aldeias isoladas são transportados por táxi, sendo o percurso mais ou menos directo. De qualquer modo o maior problema (para o rendimento escolar e bem-estar dos alunos) não está no transporte ou nos tempos de transporte, mas sim no seu enquadramento durante o largo período em que estão retidos no espaço escolar. As câmaras municipais e o estado têm muito para fazer a este respeito (e.g. desenvolvimento do ensino musical integrado e desporto escolar). Ainda assim nas escolas primárias com muitos alunos (concentradas), e só aí, já se vêem professores dedicados de inglês e de educação física.
3) Este argumento é importantíssimo. Em grandes concentrações escolares os professores estão sujeitos a uma apertada vigilância (censura) por parte de pais e colegas. Isolado de tudo e de todos sente-se o professor obrigado a investir na qualidade do seu ensino, na pontualidade ou na assiduidade? Como gere ele na sala de aula uma mão cheia de alunos da 1ª à 4ª classes? Pergunta nas aldeias mais isoladas com escola o que se passa com os atestados médicos temporário ou permanentes e com o “turnover” anual do professor. E não vou mais longe.
4) Não tenho inquéritos ou estatísticas para sustentar o argumento. Mas posso-te dizer que existem diferenças significativas no rendimento escolar entre os “alunos das aldeias” e os “alunos da cidade” nos 2º e 3º ciclo do ensino básico e no ensino secundário. Só o facto de na cidade onde vivo se usarem as expressões “alunos das aldeias” e “alunos da cidade” diz muita coisa. Sei do que falam as crianças e adolescentes da cidade e custa-me ver a forma acintosa como às vezes se referem aos colegas não citadinos. E não vejo como a escola rural possa ultrapassar um estigma social que é superior a ela.
A concentração escolar não é uma invenção portuguesa, é preciso que se diga. Por exemplo na América (EUA) rural é assim e ninguém parece incomodar-se. Outra questão é se a concentração escolar é economicamente viável no longo prazo. Esta dúvida, no fundo, é comum a todo o welfare state e, por isso, não é no 1º ciclo do ensino básico que lhe vamos descobrir a resposta.
(cont.)
Henrique, há presidentes de câmara bons, maus e assim-assim. Quanto mais pressuroso a responder aos desejos dos seus concidadãos pior o presidente da câmara. Regra geral são pessoas bem intencionadas e preocupadas com o bem-estar das pessoas. Gastam dinheiro como se não houvesse amanhã, mas só aquele que o estado lhes dá (ou autoriza os bancos a emprestar-lhes). A agricultura e a pecuária não são prioridades para eles, mas a definição de políticas agrárias também não é uma das suas incumbências constitucionais.
Carlos,
Claro que as escolas não são nenhum driver do mundo rural rural.
Postas as coisas nesses termos a único driver verdadeiramente relevante é a rentabilidade das actividades, o resto é irrelevante.
Só que a questão não é assim tão simples.
A concentração escolar não pode ser discutida da forma como está a ser feita, isto é, entre a concentração escolar que está em curso ou a não concentração escolar.
O que tem de ser discutido é que concentração escolar se pretende.
O exemplo dos Estados Unidos é bastante bom porque os miúdos passam de facto horas nos autocarros. Simplesmente a lógica económica americana é completamente diferente e muitos desses miúdos aos 16 anos têm um carro que os torna independentes do transporte da escola, a eles e a maisalguns amigos.
Por outro lado a escola é uma parte da comunidade, e os miúdos vivem literalmente na escola, em cujas actividades participam os pais, e por aí fora.
Mas tem outras concentrações escolares, como na finlândia, onde a integração é feita até ao 12º ano (ou coisa equivalente para nós) mas em escolas muito mais pequenas que aqui (preferencialmente com não mais que 500 alunos, em áreas de povoamento disperso tentam que não tenham menos de cinquenta).
A questão das escolas é relevante na medida em que tens um empresariado agrícola completamente depauperado, desnatado por anos seguidos de convicção generalizada de a agricultura é uma vida de escravatura que não dá palha enm dá espiga.
Nestas circunstâncias cada empresário novo que se fixa é relevante. Pelo que significa por si só em produção e gestão do território e pelo que representa de exemplo para outros.
Ora estes novos empresários de maneira geral escolhem antes de mais um modelo de vida.
Esse modelo é, de maneira geral, pouco compatível com a entrega ao Estado dos filhos em idades muito baixas.
Mas mais que tudo a concentração que está a ser feita, numa lógica sectorial, é apenas o corolário de uma visão do mundo rural que considera inevitável a morte das aldeias e o despovoamento.
É um ponto de vista defensável.
Podemos partir dele para se discutir os seus efeitos em toda a sociedade para perceber se é isso mesmo que as pessoas querem, ou se estão dispostas a olhar para alternativas.
1) Não percebo onde se quer chegar defendendo como modelo de empresário agrícola uma excepção: o empresário que vive longe da sua propriedade.
2) O argumento dos professores dedicados é típico da lógica centralista. Da mesma forma que podes deslocar alunos podes ter professores itinerantes. Há muitos exemplos por esse mundo fora de serviços ambulantes em áreas de povoamento disperso;
3) Este argumento sem avaliação concreta é uma conversa de surdos. Se quiseres dou-te exemplos de como a partir de um professor empenhado se mobilizou toda uma aldeia. E a ineficência pedagógica das grandes concentrações escolares é uma evidência para a qual encontras facilmente milhares de referências sólidas na internet.
4)O miúdos das aldeias são miúdos das aldeias por serem miúdos das aldeias e não por andarem em escolas nas aldeias. Por isso, para esta discussão, este argumento é irrelevante.
5) Não falei em bons ou maus autarcas. Falei na convicção, muito, muito expandida, de que as aldeias vão morrer e portanto o que é preciso é concentrar o investimento público nos centros urbanos. Volto a dizer, é uma ideia respeitável, mas convém discutir o que daí resulta para perceber se o melhor não é mesmo começar já a desinvestir nas vilas e sedes de concelho que são também inviáveis e inúteis sem hinterland produtivo.
henrique pereira dos santos
Tive oportunidade de acompanhar de perto o lançamento do Bantegal - Banco de Terras da Galiza, conheço pessoalmente as pessoas que foram responsáveis pela sua preparação e lançamento e em particular o seu actual Director.
A minha primeira impressão foi que seria benéfica a sua introdução em Portugal, o Banco funciona de forma simples, através de sistema de informação geográfica o arrendatário identifica as terras que esta disponível a arrendar, os interessados podem consultar a disponibilidades de terras online, após acordarem o valor da renda, o Banco fica garante do contrato e pagara inclusivamente a renda se o inquilino não o fizer.
Em caso de litígio o Banco é pois um garante para ambas as partes do cumprimento célere das condições do contrato, tornando viável o arrendamento.
Considero que poderia ter algum impacto em zonas onde a agricultura tem ainda alguma vitalidade, facilitando a disponibilidade de terras.
Os enormes problemas que o nosso País tem relacionados com a exploração da terra em zonas de minifúndio, o abandono, o preço de comercialização, o distanciamento cada vez maior entre os proprietários e as suas terras, a falta de novos promotores interessados em continuar ligados à agricultura, etc. podem ser ligeiramente atenuados, mas não serão resolvidos com um Banco de Terras.
Tem a meu ver o grande risco associado de poder facilmente ser utilizado “em termos políticos” como uma grande solução, quando efectivamente é apenas um mero paliativo.
Quanto às escolas, o erro é estar a fazer as coisas de modo cego e apenas condicionados por razões economicistas de curto prazo, algumas delas o mais correcto é efectivamente fecha-las, mas não deveríamos ter em conta apenas o número de alunos.
O que não falta neste pais são autênticas “bestas” formados em magnificas escolas com excelentes condições e com todos os recursos necessários. Mas também há milhares de excelentes técnicos, em todas as áreas, que iniciaram a sua formação em escolas como as que agora queremos encerrar.
Há muitas destas escolas que apesar de terem 18 alunos, são contíguas a Jardins-de-infância onde estão mais 7 ou 8 crianças… Já não estamos a falar das escolas com 2 alunos.
Em muitos casos o que estamos efectivamente a fazer é “Fechar Territórios”, áreas territoriais enormes ficarão sem as condições mínimas para a fixação de casais jovens no futuro e isto não deveria ser feito de forma tão leviana.
Caro António Louro os seus comentários sobre o banco de terra da Galiza são de grande valia, sobretudo quando nos faz descer à terra ao referir que esta solução é paliativa. Percebo que o estado desempenha dois papeis no banco de terras: acelera a circulação da informação e introduz confiança na relação terratenente-rendeiro. Útil sem dúvida, mas havendo terra devoluta em abundância parece-me que o arrendamento será insuficiente para o empresário agrícola actual, ou potencial, e o proprietário, mesmo com o aval do estado, terá medo de se expor a este novo mercado. É que o governo da Galiza tem um cadastro actualizado, e os proprietários estão assim muito mais expostos às políticas fiscais do que cá.
A minha opinião sobre a concentração escolar é simples: 1) as crianças com educação escolar (1-4ª classe) do meio rural estão em desvantagem frente às da cidade e é uma obrigação do Estado mitigar esta diferença; 2) a concentração escolar é uma boa solução.
Obviamente muitas crianças são capazes de ultrapassar esta desvantagem. Quem é excepcional em algum momento da sua vida acabará por se revelar, como um jovem de pais agricultores (pouco escolarizados) de uma das aldeias mais isoladas do concelho de Vinhais que agora está a mear o curso de medicina e que sozinho aprendeu a identificar as plantas da sua terra.
Henrique, primeiro a morte da aldeias e depois a argumentação em defesa da concentração escolar (do ensino primário, não esqueçamos).
Parece-me inevitável a morte da maioria das aldeias tal como as tradicionalmente concebemos. As aldeias, pelo menos aqui no NE de Portugal, são uma sobra de uma sociedade orgânica pobre, ensimesmada e auto-suficiente. Onde cabiam 100 casais (uma aldeia grande), que reuniam pequenas courelas de olival (ou castanheiro), vinha, cereal e horta – de tudo um pouco para não faltar nada – cabem hoje 10 ou menos explorações agrícolas (a proporção é meramente indicativa). Quero com isto dizer que a aldeia acabará por se transformar num agregado de explorações agrícolas enquadradas por centros de maior dimensão, que podem ser grandes aldeias (hoje quase todas reclassificadas em vilas), vilas ou cidades. Os laços sociais intra-comunidade camponesa estão, como é natural, a desfazer-se. A maior parte da agricultura que hoje se faz ou é para entreter ou baseada em culturas que autorizam a ausência dos proprietários (e.g. castanheiro e oliveira). A prova disso mesmo é que muitas aldeias dos concelhos nordestinos já não têm vacas.
A aldeia é um modelo de ocupação do território em transição; e a escola rural do plano centenário está tão desactualizado, é tão inviável, como os olivais não mecanizáveis de meia encosta ou o centeio cultivado em cavadas.
Não estamos de acordo sobre a argumentação que desenvolvi em defesa da concentração escolar.
Carlos Aguiar
Carlos,
O teu número 1 "as crianças com educação escolar (1-4ª classe) do meio rural estão em desvantagem frente às da cidade e é uma obrigação do Estado mitigar esta diferença" é impreciso.
a) Se tirares "com educação escolar (1-4ª classe)" a frase é bastante mais verdadeira, isto é, a desvantagem não está na escola em meior rural, está em viver em meio rural;
b) Em geral a frase é verdadeira, sobretudo quando o sucesso se mede pelos padrões urbanos de ascenção social, que é o padrão usado pela generalidade das pessoas, mas não é inteiramente verdadeira em algumas circunstâncias. Dou-te dois exemplos em que a proveniência do meio rural representou se não uma vantagem, pelo menos uma característica distintiva: Eugénio de Andrade seguramente não escreveria o que escreveu sem ter vindo da Póvoa da Atalaia; Ilídio de Araújo não seria o paisagista que é, se não tivesse, como ele próprio dizia, conhecido as plantas a quarenta centímetros da cara e não a metro e meio como a generalidade dos colegas.
Postas de lado estas duas imprecisões da tua primeira afirmação, vale a pena pôr os olhos na segunda: a discussão não é se a concentração é boa (que é boa até determinados níveis, é indeferente numa grande gama dé valores e é depois prejudicial em valores muito altos) mas sim, que tipo de concentração deveremos nós fazer para obter melhores resultados.
A que foi feita, tarde ou cedo será posta em causa pela realidade.
henrique pereira dos santos
Carlos,
Há anos que essa ideia de inviabilidade existe (pelo menos desde o fim da segunda guerra) na cabeça de todos os tecnocratas da agricultura.
Há anos que todos os anos essa profecia não se verifica, ou, se preferires, se verifica parcialmente: algumas aldeias desaparecem, muitas não desaparecem.
Porquê? Porque há medida que estes processos se desenvolvem crescem coisas não previstas: a emergência dos mercados de nicho, a criação de valor associada à diferenciação, o desenvolvimento tecnológico, os preços dós factores de produção, o preço dos produtos agrícolas e por aí fora.
Um bom exemplo é o dos olivais não mecanizáveis. A verdade é que aquilo que não era mecanizável nos anos 50 do século XX pode não ser exactamente o mesmo hoje. E o preço dos produtos que mantêm características especiais pode ser verdadeiramente compensador (repara, no mesmo supermercado compras presunto a 30 euros o quilo (e até menos) e presunto a 150 euros o quilo. Azeite a dois euros o litro e azeite a vinte euros o litro. Logo não podes olhar para o processo produtivo apenas pela bitola dos dois euros o litro.
Tu próprio tens chamado a atenção para os problemas da fertilidade dos solos. Como a queres resolver no futuro sem animais?
Por isso te digo que não podes antecipar cenários e gerir o território com base nesses cenários, o que tens de fazer é manter em aberto o maior número de possibilidades possível, durante o maior tempo possível, porqueo futuro tem a irritante mania de nunca existir.
henrique pereira dos santos
Caro Carlos, O modelo de aldeia que descreve é exactamente o mesmo que se encontra aqui na região centro. Concordo que a agonia lenta da maioria delas é inevitável. Mas não vão desaparecer miraculosamente… as ruínas vão demorar muitos Séculos a sair da paisagem… … e vão trazer muitos e novos problemas.
A minha preocupação reside no facto de não termos feito nada de significativo para preparar essa nova forma de utilização do território que se adivinha.
Tínhamos a obrigação de ir preparando as necessárias novas formas de gestão, mas fizemos muito pouco.
As políticas públicas de Ajudas, têm-se caracterizado pelo desnorte e falta total de objectivos a médio longo prazo. Basta olhar para os dados sobre o sucesso da fixação de jovens agricultores para perceber que alguma coisa se fez muito mal.
Ainda me lembro de quando o discurso politico sublinhava que o nosso pais tinha que diminuir a população ligada ao sector primário, para os 4 % da média comunitária… Mas é urgente perceber que em muitas regiões rurais do nosso pais não se fez nenhuma substituição de gerações e em breve não haverá sequer agricultores.
O esforço que temos vindo a desenvolver aqui, com as zif de gestão total, vai no sentido de procurar que a aldeia, em que como diz e bem, os laços sociais intra-comunidade se estão a desfazer (mas ainda existem) consiga ela própria organizar o futuro com novos paramentos.
A aldeia só se transformara num agregado de explorações agrícolas enquadradas por centros de maior dimensão, como grandes aldeias, vilas ou cidades. Se soubermos preparar o caminho, penso que corremos hoje o risco de vir a ter imensos território meramente abandonados.
Como nas discussões sobre a evolução da paisagem… importa colocar a questão do “tempo”. A longo prazo tudo se resolverá… mas o que me preocupa não são próximos séculos … mas os próximos 10/30 anos.
Henrique, mais do que a extinção de aldeias no NE de Portugal e na Beira Interior observa-se que algumas estão a ganhar centralidade e outras a perdê-la. Este processo implica que as aldeias mais pequenas venham a resvalar num agregado de explorações agrícolas, concentrando-se a vida social nas sedes de concelho e nas aldeias de maior dimensão, como te referi. Estou a descrever algo que está em curso no NE de Portugal e na Beira Interior com os olhos do presente. Não sabemos obviamente a intensidade a que este fenómeno ocorrerá num futuro próximo: vivemos num mundo volátil.
Comer carne tanto pode ser um acto profundamente ecológico como um crime ambiental. Os animais são uma componente essencial no desenho de sistemas sustentados de agricultura, já o discutimos na AMBIO. A domesticação da vaca, a ovelha e cabra não se deve a um bias pelos pratos de carne. Os animais nem sempre têm que ser uma escravatura, suponho que seja esta a questão. Sei de dois exemplos, certamente haverá mais, aqui na região de Bragança, onde as vacas de Inverno e Verão vagueiam em liberdade num mosaico de lameiro e carvalhal e têm a visita do dono de 3 em 3 dias, ou mis. No Alentejo sistemas como este são uma prática comum.
Parece-me que o Carlos Aguiar está a sugerir que se aumente o IMI sobre propriedades incultas.
Eu pergunto: e se a propriedade está inculta porque não há quem a queira cultivar? Em Portugal abundam as propriedades que, devido à sua pequena dimensão, devido à inclinação do terreno, ou devido à má qualidade do solo, ninguém deseja cultivar. Como se faz nesses casos? Lixa-se o proprietário com um IMI agravado?
Pergunto também com que base se identificariam as propriedades incultas. Com base na denúncia dos vizinhos, como no tempo da Inquisição? Resultaria então que, de duas propriedades ambas incultas, uma pagaria IMI elevado por os vizinhos não gostarem do seu proprietário, outra pagaria IMI normal por os vizinhos se recusarem a denunciar o caso.
Finalmente, pergunto, e as propriedades cujo proprietário deixa entregues à regeneração natural de árvores? Também seriam submetidas a IMI elevado? Se eu não fizer nada a uma propriedade e me limitar a esperar que os carvalhos e sobreiros que nela apareça cresçam, devo ser tributado mais por isso?
Luís, como referi no post, uma fiscalidade dirigida ao abandono só faz sentido com cartas de classificação de terras. Um solo de urzal, de giestal e de baixa, na Cova da Beira ou na Montanha a 800 m de altitude não têm o mesmo significado. O que está em discussão é a aceitação de um princípio que me parece fundamental: a terra é um activo que não se degrada com o abandono; o não uso desse activo tens custos (de oportunidade e externalidades) que são passados para o colectivo português pelos proprietários; estes custos têm que ser privatizados. Quem tem terras e não cultiva porque a propriedade é muito pequena ou porque vive na grande cidade que as venda a quem o pode o fazer. O monte privado não gerido que produz bens e serviços sem valor de mercado deve ter um caminho semelhante (com a participação dos privados e do estado passando, por exemplo, pela privatização definitiva da caça). Não pode continuar é este festival a que assisti ontem em Vila Real com helicópteros a esvoaçar como libélulas à custa dos nossos impostos (é demasiado caro e tem pouco proveito).
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