... o problema está no produto.
Depois de um primeiro tiro de pólvora seca ("estamos a controlar tudo, com uma excepção") o Governo e a tecno-estrutura da Defesa da Floresta contra Incêndios encontraram neste gráfico a base perfeita para a sua comunicação sobre os fogos.
E usou esta base com maestria, introduzindo-lhe uma meia verdade, que é a forma mais perfeita de dizer mentiras.
O que fez o Governo?
Olhou para estes risquinhos às cores, cada um representando num ano o Índice de Severidade Meteorológica que pode ser visto com mais nitidez e detalhe neste relatório.
E ao olhar descobriu que de acordo com este índice o ano de 2010 estava mais ou menos no meio (no desenhinho é o risco azul escuro ligeiramente mais grosso). E descobriu também que não estava muito longe graficamente dos risquinhos de 2003 e 2005, que na memória colectiva representam as grandes catástrofes dos fogos (com razão).
Elaborou então uma história, errada nos pormenores, enganadora na essência mas tremendamente convincente e, acima de tudo, permitindo uma leitura favorável da eficiência do dispositivo de combate, desde que se repetisse a mesma história sem falhas muitas vezes.
O Governo ganhou assim a batalha da comunicação, tendo convencido os jornalistas que escrevem sobre o assunto e a generalidade do público de que as condições para o desenvolvimento dos fogos são basicamente as mesmas de 2003 e 2005 mas os resultados são francamente melhores (Mariana Oliveira, no Público, volta a insistir nesta tese na sua peça de hoje sobre os fogos, naturalmente por coincidência).
Mas para quem queira olhar para os factos e ver para além das histórias da carochinha fica aqui o meu contributo.
Em primeiro lugar convém ter a noção clara de que neste índice 2003, e já passados os primeiros quinze dias terriveis de Agosto, é o quarto ano em severidade meteorológica. Ficamos pois bastante seguros quanto à capacidade do índice traduzir o risco real de incêndio.
Se alguém ainda tiver dúvidas, será bom notar ainda que a distância que no gráfico vai de 2010 a 2005 é praticamente a mesma que vai de 2010 a 2007, um ano mais que benigno, que no total do ano apresenta uma área ardida de pouco mais de 30 000 hectares, e que em período homólogo até 15 de agosto apresenta pouco menos que seis mil hectares (grande parte da área ardida desse ano foi no Outono, num episódio de vento Leste que pôs muito nervoso o então Secretário de Estado por lhe estar a estragar as médias).
Portanto, repetindo, estamos esclarecidos quanto à capacidade do índice medir o verdadeiro risco meteorológico associado aos grandes fogos.
Se este índice servisse para mostrar a real severidade meteorológica (que não serve), então seria com 2009 (cerca de 26000 hectares ardidos até 15 de Agosto) que 2010 (cerca de 70000 hectares ardidos) deveria ser comparado, porque são os dois anos que têm valores semelhantes do índice (reafirmo, a área ardida é um péssimo indicador).
Mas o verdadeiro golpe de génio comunicacional do Governo consistiu exactamente em conseguir chamar sistematicamente a atenção para 2003 e 2005, com uma pequena mentira que é a de dizer que o índice é semelhante, o que nem de perto nem de longe é verdade, sabendo perfeitamente que ao olhar para linhas de um gráfico tão próximas ninguém com importância em matéria de comunicação iria perguntar o que significam as diferenças de valor do índice.
Uma vez inventada uma história com base num gráfico que não diz nada mas é convincente, é possível então fazer o seu desenvolvimento comparando os dados de área ardida com os piores anos, sem que ninguém pergunte por que razão se comparam os resultados com os piores anos e não com os objectivos definidos em Conselho de Ministros (menos de 100 000 hectares ano).
De uma penada o Governo muda o referencial para a avaliação de desempenho de 100 000 hectares/ ano para mais de 300 000 mil e eu é que sou acusado de ser desonesto, maldizente, ignorante, inculto, profeta do apocalipse, nojento e, pior que tudo, Miguel Sousa Tavares, por um adjunto do Governo simplesmente por dizer o que vou dizer agora e fundamentei antes:
o Governo e a tecno-estrutura da Defesa da Floresta contra Incêndios mentem despudoradamente por razões de pura propaganda.
O que me preocupa não é que mintam, o que me preocupa é que estas mentiras pretendem mascarar a necessidade de rever o modelo de gestão do fogo, reforçando o pilar da sustentabilidade económica do mundo rural, criando uma falsa ideia de sucesso que aponta para mais investimento no sistema de combate, para colmatar as pequenas imperfeições que ainda tem.
O post anterior do Henk (e o comentário do Carlos Aguiar) é claríssimo: o Governo que considera dispensável a defesa da infra-estrutura produtiva do mundo rural, nomeadamente os solos férteis (convém lembrar o inacreditável assassinato da Reserva Agrícola às mãos deste Governo, com o argumento de que a agricultura em Portugal é inviável), é o mesmo que se queixa das condições de combate aos fogos serem muito duras.
Como disse, a comunicação do Governo em matéria de fogos é perfeita e muito afinada, o problema é mesmo que o bom marketing não substitui a qualidade mínima do produto.
henrique pereira dos santos
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2 comentários:
Os índice são, além de imperfeitos, índices nacionais, enquanto os fogos são fenómenos regionais, o que ficou muito bem evidenciado este ano. Os gráficos do governo/AFN não explicam porque ardeu o Norte de Portugal e não o Centro e Sul, onde os índices, provavelmente, teriam valores bem mais preocpuantes, mas mesmo assim não originaram grandes incêndios (164, 275 e 1084 hectares ardidos em Portalegre, Castelo Branco e Santarém respetivamente, distritos que têm tudo para grandes incêndios e onde os índices terão tido valores muito semelhantes aos de 2003).
Mas há outro factor, esse sim crucial e base da política errada do governo em termos de prevenção dos fogos: não basta ter condições meteorológicas adversas para ter fogos, é preciso combustível, muito combustível. E o governo recusa a enfrentrar essa parte da equição, provavelmente porque ele próprio não acredita que consiga resolver o problema do combustível, por isso ignora o. Mas isto quer dizer: o governo parte derrotado para a guerra dos fogos (para alinhar com a termonologia oficial). O fracasso redondo das ZIF, das faixas de gestão de combustível, da baixíssima taxa de cumprimento das zonas de limpeza à volta das populações e habitações em espaço rural etc. etc., tudo é politicamente resolvido com mais combate, tendo os incendiários profissionais como últimos culpados para as desgraças inevitadas.
Mas o HPS tem toda a razão e já se está a ver o filme todo: vamos acabar o ano 2010 com cento e tal mil hectares ardidas (se outono ajudar, se não ainda vai ser pior) e o governo a cantar vitória porque foi melhor que 2003 e 2005.
Henk Feith
Os índice são, além de imperfeitos, índices nacionais, enquanto os fogos são fenómenos regionais, o que ficou muito bem evidenciado este ano. Os gráficos do governo/AFN não explicam porque ardeu o Norte de Portugal e não o Centro e Sul, onde os índices, provavelmente, teriam valores bem mais preocpuantes, mas mesmo assim não originaram grandes incêndios (164, 275 e 1084 hectares ardidos em Portalegre, Castelo Branco e Santarém respetivamente, distritos que têm tudo para grandes incêndios e onde os índices terão tido valores muito semelhantes aos de 2003).
Mas há outro factor, esse sim crucial e base da política errada do governo em termos de prevenção dos fogos: não basta ter condições meteorológicas adversas para ter fogos, é preciso combustível, muito combustível. E o governo recusa a enfrentrar essa parte da equição, provavelmente porque ele próprio não acredita que consiga resolver o problema do combustível, por isso ignora o. Mas isto quer dizer: o governo parte derrotado para a guerra dos fogos (para alinhar com a termonologia oficial). O fracasso redondo das ZIF, das faixas de gestão de combustível, da baixíssima taxa de cumprimento das zonas de limpeza à volta das populações e habitações em espaço rural etc. etc., tudo é politicamente resolvido com mais combate, tendo os incendiários profissionais como últimos culpados para as desgraças inevitadas.
Mas o HPS tem toda a razão e já se está a ver o filme todo: vamos acabar o ano 2010 com cento e tal mil hectares ardidas (se outono ajudar, se não ainda vai ser pior) e o governo a cantar vitória porque foi melhor que 2003 e 2005.
Henk Feith
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