Uma pequena notícia de jornal chamou-me atenção pela esta posição do Bloco de Esquerda que reproduz os estereotipos sobre os fogos e áreas protegidas.
Não vou comentar o texto que num conjunto de informações erradas ou imprecisas demonstra falta de trabalho de base e estudo por parte da Sr.ª Deputada que o assina e que, infelizmente, é muito comum em todos os partidos.
Mas penso que vale a pena explicar o que foi a minha posição (vencida pelo tempo e pela minha deserção do ICNB) enquanto responsável pelos fogos no ICNB.
Sempre fui um outsider na discussão dos fogos, mas contra a minha vontade e apanhado numa volta institucional de que não podia fugir acabei a coordenar a matéria no ICNB.
Acontece que o ICNB tem uma estranha forma de gestão em que os responsáveis são uns e os que têm os meios de execução são outros, sendo que a Presidência (qualquer presidência) flutua superiormente sobre isso não sendo bem nem responsável nem verdadeiramente tendo os meios de execução.
Por isso a minha posição de coordenação era frágil e dependia da vontade de terceiros, que de maneira geral discordavam do que eu dizia e desconfiavam das minhas posições radicais em relação ao fogo (e eu compreendo-os e acho que têm parte da razão).
Por isso adoptei a minha forma habitual de trabalhar: reuniões periódicas alargadas, com documentos preparados e identificação dos que eram consensos (mais ou menos) e do que eram pontos claramente em discordância. Sobre estes, depois de identificados, procurar produzir informação concreta que permitisse diminuir o ruído das opiniões e paixões que os fogos despertam.
O meu objectivo era evitar a armadilha em que caiu a Autoridade Florestal Nacional que hoje se divide, como o velho restaurante Tavares, na AFN rica (a que trata dos fogos) e a AFN pobre (a que trata da floresta).
Identifiquei (ou indentificámos, é irrelevante) dois tipos de problemas para o ICNB em matéria de fogos: os problemas de comunicação, de que esta posição do Bloco de Esquerda é um bom exemplo, e os problemas de conservação.
Para qualquer dos dois era necessário criar uma base de informação objectiva que permitisse ir resolvendo os problemas.
A base tradicional de produção de informação assume a área ardida como indicador e considera perdas as áreas com mais relevância para a conservação que tenham ardido.
Qualquer destas duas opções é errada.
A área ardida depende essencialmente das condições meteorológicas pelo que do ponto de vista da avaliação do desempenho é mais ou menos inútil.
Grande parte das áreas importantes de conservação que ardem não se traduzem em perdas porque são habitats resilientes ao fogo.
Isto gera um problema de comunicação sério porque o ICNB considera (sem razão) os fogos como um risco sério para o património natural mas depois quando arde, normalmente diz (com razão) que não houve grandes perdas. Como é evidente toda a gente lê esta contradição como desculpas de mau pagador e exige mais reforço dos meios de combate.
Para resolver o que se procurou (infelizmente sem chegar ao fim) foi que com base na cartografia de habitats que existe em todas as áreas protegidas, se produzissem duas cartas com base numa matriz que classificava cada habitat com base em dois parâmetros:
risco de perda de valor após fogo (por exemplo, um fogo nos zimbrais tem de facto efeitos negativos de conservação, mas um fogo nos prados calcáreos de orquídeas dificilmente se traduz em perdas reais de património);
risco de incêndio (por exemplo, os zimbrais têm um risco de incêndio baixo, porque o combustível acumulado é de maneira geral pouco e esparso, o habitat 5330 tem um risco de incêndio elevado).
Com esta matriz é possível dividir os habitats em quatro categorias:
1) De elevado risco de incêndio e elevado risco de perda de património após fogo (uma minoria de áreas);
2) De baixo risco de incêndio mas elevado risco de perda de património (outra minoria);
3) De elevado risco de incêndio mas baixo risco de perda de património (a imensa maioria, por incluir quase todos os matos, prados e etc.);
4) De baixo risco de incêndio e baixo risco de perda de património (uma quantidade apreciável, mas bastante menor que o anterior).
Com a cartografia destas quatro categorias de habitat é possível então fazer duas cartas: a carta de prioridades de intervenção na gestão de combustíveis (no essencial 1), depois 3) na envolvente de 1) e 2), depois 2) e depois os restante 3), sendo 4) irrelevante); a carta de prioridade no combate (no essencial 1) e 2), o resto deixando arder na medida em que a estratégia de combate assim o aconselhar.
Com isto seria possível ao ICNB definir, por antecipação, se consideram perdas de património quando arde (evitando a sensação de que são desculpas de mau pagador e assumindo perdas reais quando as há) e é possível dimensionar e gerir os meios em função do essencial: evitar perdas de património natural.
Infelizmente não me parece que este caminho tenha sido adoptado.
E consequentemente os fogos transformam-se numa coisa mal gerida, consumindo inutilmente meios e servindo de base a estes jogos florais partidários de que a posição do bloco de esquerda é exemplo.
henrique pereira dos santos
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