sábado, setembro 11, 2010

Ode ao tomate coração

Tomate coração da minha vizinha

Há mistérios por aí.

Conheço o tomate coração desde que mudei para Ribatejo. Comprava-o, lá para o fim do verão, numa daquelas bancadas à berma de EN118, onde me sinto sempre enganado, mas em falta de alternativa, lá comprava os meus tomates coração.

É um tomate imbatível. É carnudo, muito saboroso, doce, mais encarnado por dentro que por fora, grande, feio e serve para qualquer prato digno de receber esta pérola vegetal. É um tomate de chorar por mais.

Desde que consegui escapar do apartamento onde sobrevivia, dedico grande parte do meu (pouco) tempo livre à horta familiar, onde procuramos aprender a arte de hortelão, correndo de fracasso em fracasso.

A minha vizinha, uma respeitável doutora, na casa dos sessenta e com 20 anos de horticultura no currículo, dona de uma
belíssima horta que alimenta, suspeito eu, uma centena de familiares e amigos, gentilmente ofereceu uns pés de tomate coração para plantar na minha terra selvagem, como ela a chama, e que eu chamo a minha horta, mais uma dúzia de indicações valiosas sobre o caminho a seguir para uma bela salada de tomates.

Como não era de esperar outra coisa, os tomates lá foram crescendo, a contra-gosto , mas serviam para iludirmos com a sensação de comer os "nossos tomates coração". A minha vizinha, que vê e ouve tudo
("bem lhe disse para não regar por cima mas por baixo, assim as plantas apanham mildio"), percebeu-se do resultado medíocre da nossa terra selvagem, e teve a bondade de oferecer um balde cheio de tomates coração, tomates como deve ser, grandes, feios e irresistíveis. E agora são saladas, sopas, guisados, currís, não há limite ao festival de sabor. E ela, para meu descanso, já me garantiu que para o ano, vai correr muito melhor na minha horta. Quem sabe sabe e ela sabe.

É um tomate imbatível. É carnudo, muito saboroso, grande e serve para qualquer prato digno de receber esta pérola vegetal. E não se encontra em lado comercial nenhum (salvo na bancada na berma da EN118 e na horta da minha vizinha e locais semelhantes).

Como é isso possível? Vende-se cada porcaria nas lojas gourmet nos grandes centros metropolitanos, e um
tomate campeão como este, népias. Enchem-se as terras férteis da lezíria ribatejana com campos de milho para enfardar porcos para vender a carne a uns vergonhosos 3€/kg em vez de produzir esta delícia. Mas quem quer comer uma fatia de pão com fiambre, que não passa de gordura cozida com carradas de sal, desses porcos de engorda que somente viram a luz do dia no camião que os levava para o matadouro, quando se pode comer uma fatia de pão torrado com azeite e um tomate destes espremido por cima?

Há mistérios por aí.

Henk Feith


8 comentários:

Manuela Araújo disse...

Uma maravilha, esse tomate coração. Cá no Minho também os há no Verão, excelentes.

Anónimo disse...

No mercado da Lousã também aparecem, vendidos por senhoras já entradotas na idade, frutos de hortas das próprias. Doces, carnudos, o gosto é absolutamente diferente dos demais.

Anónimo disse...

Não tenho nada contra as hortas. Na realidade até considero uma canalhice, a Câmara da Amadora ter plantado calhaus na beira do IC 19 para impedir que alguns cidadãos lá tivessem umas hortas.

Mas se a agricultura fosse feita à era pré-industrial, e não existissem os tomates dos continentes, jumbos e outros, era um corrupio de epidemias e fomes, ou será que o Sr. nunca leu um livro de História para saber como se vivia no século XVIII, XVII, XVI?…

Já agora: existem vários estudos que demonstram não existirem diferenças entre os tomates «biológicos» e os «industriais».

José

Anónimo disse...

Caro José,
Prove primeiro um dos ditos antes de vir dizer que não existem diferenças. Ou então sofre de ageustia o que desculpa, em parte, a sua ignorância.

Henk Feith disse...

Caro José,

Peço-lhe de não me por palavras na boca que não disse. No meu post não há nenhum apelo a um regresso a um passado qualquer e dispenso lições de moral e insinuações sobre minha ignorância sobre a história da humanidade. Se leu os meus posts no Ambio poderá ter percebido que sou sobretudo um defensor do progresso, tecnológico, mas também alimentar. No meu entender a promoção de uma variedade de tomate como o tomate coração é uma forma de progresso e não de retrocesso. Se tivesse lido com atenção o post teria percebido que o meu espanto está exatamente no facto de um produto tão bom como o tomate coração não se encontra devidamente comercializado, por exemplo através dos hipermercados que referiu.

Por fim, acho que está a comparar olhos com bugalhos: o tomate coração distingue-se das restantes por ser uma variedade diferente e não pela sua forma de produção. Até admito que um tomate coração produzido em grande escala sabe tão bem como os da minha horta (provável) ou até os da horta da minha vizinha (o que seria excelente). A sua observação em relação às "diferenças" é um vazio se não sabe ou não quer especificar quais as diferenças está a referir.

Henk Feith

Anónimo disse...

" E não se encontra em lado comercial nenhum"


Só se é aí para baixo que isso acontece.
Na zona de Braga/Porto encontram-se tomates coração (durante os meses que eles existem obviamente) em mercearias de bairro, em supermercados e mesmo em grandes superfícies comerciais já vi em vários sítios (já comprei muitos no Modelo à beira de minha casa).

Unknown disse...

Gostei da sua ode ao tomate coração! Esse tomate realmente é optimo para todo o tipo de pratos e o ideal para compotas.
Aqui para os lados de Leiria também não há à venda nos estabelecimentos comerciais, seja hipermercados ou minimercados (os que eu conheço, mas na verdade não procurei em todos).
Pode dizer-me em que ponto da EN118 se encontra a bancada, para o caso de eu passar por esses lados?
Sara

Henk Feith disse...

Cara Sara,

Passe pela localidade de Carregueira, concelho de Chamusca, e na saída sul da localidade encontra uma bancada na berma onde se vende o tomate coração. Terá de esperar até o ano que vem, porque a época já passou. Mas também tem outros produtos hortícolas e frutas dignas de um desvio. E para quem gosta de diospiros a sério, não daqueles de roer que parecem maçãs com sabor a resina, então é mesmo obrigatório...

Henk