quinta-feira, setembro 16, 2010

"Mude-se, pois está no sítio errado"

Miguel Araújo, na lista de discussão de que nasceu este blog, remata assim um comentário a um putativo representante das populações residentes em áreas protegidas.
Achei que valia a pena fazer um post sobre os malefícios de uma ideia largamente espalhada e sem qualqur base empírica: as populações ds áreas protegidas são prejudicadas por viverem em áreas protegidas.
Esta ideia tem sido espalhada por autarcas para sacar dinheiro à administração central (não se pense que é brincadeira, o ICNB pagou durante anos as festas de Almograve e camionetas de lixo às autarquias do Sudoeste Alentejano), por putativos representantes das populações locais para chantagear a administração central, por ONGs da área do ambiente que fazem muito pouco trabalho concreto no terreno e da lonjura das suas bases urbanas têm sempre pena dos indígenas, para além de beneficiarem da aprovação de projectos que visam resolver o problema, por Jorge Sampaio, enquanto Presidente da República que se juntou ao coro dos que protestam contra as reservas de índios, por jornalistas preguiçosos que acham que o seu papel é ouvir e reproduzir e não ouvir e verificar, e por aí fora. E não tem sido contestada pelas autoridades de conservação, intimidadas com a acusação de exploradores de residente nas áreas protegidas.
Tanto quanto sei não existe um único estudo de demonstre esse prejuízo em Portugal.
Farto de aturar a converseta das pobres vítimas das áreas protegidas, e porque tinha a responsabilidade de fazer discussões públicas de Rede Natura e afins, tirei-me das minhas tamanquinhas e resolvi em determinada altura cruzar o índice do poder de compra concelhio produzido pelo INE com a Rede Natura e descobri que não era possível estabelecer qualquer relação entre esse poder de compra e a existência de áreas classificadas.
Criticado por um dos maiores especialistas na cantiga da pobrezinho vítima das áreas protegidas (Manuel Marreiros, presidente de câmara há um ror de anos por partidos diferentes de um dos concelhos mais beneficiados pela existência de uma área protegida) por estar a fazer uma análise estática fiz depois uma análise da evolução do poder de compra concelhio.
Mais uma vez não vi nenhum sinal de prejuízo para as populações das áreas protegidas. Pelo contrário, para minha surpresa, vi que havia sinais (cuja interpretação tem de ser naturalmente cautelosa) de que dos concelhos que mais cresciam em poder de compra concelhio se incluiam vários com áreas protegidas consolidadas há mais tempo.
Quando vi Jorge Sampaio juntar-se ao coro dos que protestavam com as reservas de índios quebrei por uma vez uma regra de ouro dos seus vizinhos: não o chatear quando estava no café, aos sábados de manhã, a ler o jornal e conversar com amigos e aproveitei uma altura em que não estava com ninguém para lhe entregar uma cópia dos ditos mapas (uns simples A4 que qualquer pessoa faz facilmente), já que ia de novo visitar áreas protegidas e convinha ter a informação toda.
Há anos portanto que batalho contra esta ideia, não demonstrada, dos prejuízos das populações das áreas protegidas, responsável por uma afectação de recursos completamente absurda, em que o sector da conservação acaba a financiar os sectores produtivos em vez da inversa que seria lógica, ficando naturalmente a conservação sem recursos nenhuns.
Ora o que o título que escolhi para o post vem evidenciar é um aspecto de que nunca me tinha apercebido: não lembra a ninguém que os vizinhos do Mosteiro dos Jerónimos ou da Torre dos Clérigos reivindinquem o direito a ser ressarcidos das regras que estão associadas a estes dois monumentos (ou a Castelo de S. Jorge, ou a Monsaraz). E muito menos que à pala dessa reivindicação se chantageiem os outros contribuintes para financiar actividades que colidem com a conservação do significado histórico desse património.
Na realidade toda a gente reconhece como natural que se alguém quer instalar uma fábrica de óculos de sol e vive em Monsaraz, seja obrigado a mudar o sítio da fábrica, não arrasando dez casas para a instalar no perímetro muralhado. E toda a gente reconhece como natural que quem queira viver à sombra do Mosteiro da Batalha adapte a sua actividade económica à presença do Mosteiro (reconhecendo quase toda a gente que para muitas actividades económicas os benefícios de estar ao lado do Mosteiro de Alcobaça ultrapassam largamente as eventuais limitações decorrentes das regras).
O que é estranho é que sendo as áreas protegidas importantes activos económicos para algumas actividades (é verdade que não são para outras, é natural que quem queira ganhar a vida construindo um circuito de treino para fórmula um o faça fora do parque nacional da Peneda Gerês) algumas pessoas reivindiquem, com o apoio generalizado, o direito de fazer o que entendem sob o pretexto de que há prejuízos (nunca especificados e quantificados) por estarem numa área protegida.
Francamente, é possível ganhar dinheiro com a biodiversidade, é possível tornar a localização numa área protegida uma vantagem económica, é razoável ser pago por serviços ambientais prestados e não remuneráveis no mercado mas, se estão mal e se sentem prejudicados, por favor, mudem-se para onde a vossa iniciativa, liberta dos constrangimentos da área protegida, floresça e crie riqueza sem fim.
Adenda: há anos que cada vez que ouço a cantiga do pobrezinho do índio, em especial trazida por responsáveis autárquicos, faço imediatamente uma proposta: eu apoio e assino em primeiro lugar uma petição para que se faça um referendo para a desclassificação de qualquer área protegida em Portugal. Não sei porquê nunca fui contactado para colaborar na tal campanha pelo referendo à desclassificação de qualquer área protegida em Portugal.
henrique pereira dos santos

12 comentários:

Floripes disse...

a ria formosa enquanto não foi protegida não se podiam fazer construções de edificios, a menos de 50 metros do preia mar hoje essas situações acontecem no dia a dia que já ninguém liga.
na ria formosa havia dezenas de tapa esteiros que diziam que dizimavam as espécies de peixes.
hoje a ria formosa é protegida os tapa esteiros desapareceram, mas as espécies pisciculas e outras desaparecem a uma velocidade louca.
os patos e as outras aves não eram protegidos mas os pescadores não os matavam,hoje que são protegidos morrem aos milhares na lagoas das ETARs da Ria formosa sem que ninguém seja responsabilizado,como está a acontecer neste momento na ETAR dos Salgados em Faro.
alguém sabe responder a isso?
é que eu só tenho a 4ª classe antiga e não precebo como é que isso é possivél?

Luís Lavoura disse...

Excelente post, Henrique.

Manuel Rocha disse...


A sugestão em titulo faz-me todo o sentido para quem chega agora, com as regras estabelecidas. Para quem já lá estava quando as regras foram implementadas e não foi tido nem achado as coisas não me parecem tão lineares.
Não sei, por exemplo, como é que o Henrique e o Miguel explicariam esse vosso ponto de vista a uma antigo colaborador meu, o António.
Há coisa de trinta anos , por morte do velhote, ele e o irmão, o Jonas, herdaram duas casinhas em S Teotonio ( Odemira ) e um prédio rústico ali perto, em Vale Juncal, divido pela Estrada Nacional ( actual fronteira do PNSA ). Fizeram as partilhas e sortearam os lotes. Do terreno, o Jonas ficou com a parcela da lado de vale Juncal e o António com a outra . Na altura estavam emigrados e o António foi o primeiro a resolver regressar com a ideia de usar as economias para construir casa e café no terreno que herdara. Foi então que descobriu que entretanto tinha nascido ali um PN… Resumindo: o António é vaqueiro e o Jonas tem um café, restaurante, e até 4 quartinhos “zu verkaufen”() mesmo em frente. Além de um modo de vida para ele, patroa, filha e genro, o Jonas tem um património que a preços actuais valerá por baixo 500.000 €; o António, tira do ordenado para pagar a contribuição autárquica. E se o Henrique lhe oferecer 1000 € pelos quase 2 ha que lá tem “encalhados”, aposto que o homem terá de se conter para não explodir de alegria.
A prazo, alguns PN’s até podem revelar-se histórias económicas de sucesso. Para isso muito contribuirá a afluência de investimento externo que aconteceu depois da classificação. O que não me parece liquido assumir é que o eventual acréscimo do PIB regional tenha nos autóctones os seus principais beneficiários.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Manuel Rocha,
A menos que analise o caso em concreto a sua história fica arquivada nas histórias que podendo ser verdadeiras (plausível mas improvável) provavelmente não são exactamente assim.
Mas ainda que o seja, nada nasua história aponta para qualquer relação com a área protegida porque o que descreve pode acontecer em qualquer parte do país. É que construir não é um direito, é uma possibilidade dentro de determinadas condições.
Sabia que o único sítio do país em que era possível construir em Reserva Ecológica Nacional, antes da última revisão do diploma, era nas áreas protegidas?
henrique pereira dos santos

Luís Lavoura disse...

Eu também tenho uma parcela de terreno que confronta com uma rua estreita de uma povoação. Do outro lado dessa rua há moradias; na minha parcela é proibido construir. Nada há de anormal nem de revoltante há nisso: o outro lado da rua fica a uma cota mais alta enquanto que o meu terreno, numa cota mais baixa, é alagadiço e está em REN.

Anónimo disse...

http://fiel-inimigo.blogspot.com/2010/09/morreu-o-rei-viva-o-rei.html

Manuel Rocha disse...

Caro Henrique,
Julgo que a cordialidade que ambos prezamos, só tem a beneficiar com o beneficio da dúvida que me concede. Obrigado pois.
Quanto ao caso que relato, se o quiser detalhar, procure no Brejão pelo António Isabel Inácio. Mora lá e trabalha próximo, na Herdade do Serro.
Mas vamos ao tópico, segundo o qual” quem está mal, muda-se”.
Pensava eu que uma das obrigações dos estados de direito seria promover a igualdade entre os cidadãos perante a lei. A ser assim, parece-me natural que na sequência de qualquer alteração normativa, que não pode agradar sempre a gregos e a troianos, se procurasse encontrar mecanismos que de algum modo compensassem quem possa sair claramente desfavorecido do processo.
No caso das AP’s, como em tudo o mais na vida, há ganhadores e perdedores. Também sei que os demagogos habitais se aproveitam de uns e outros conforme os interesses circunstancias das suas agendas. Não tenho razões para não admitir que até do ponto de vista económico as AP’s não resultem numa mais-valia geral para os seus habitantes. Mas não me parece sério não reconhecer que a implementação da legislação anexa, nomeadamente a relativa ao direito de construção, criou assimetrias concretas que não foram compensadas, nomeadamente pela fiscalidade. Basta consultar o mercado para perceber a diferença abismal de preços entre prédios mistos e rústicos em AP’s. A existência de qq coisa a que se possa chamar “casa”, ainda que seja mera ruína de um arrumo agrícola, faz toda a diferença. Um prédio misto no sitio da Rede Natura onde habito, permite-me construir 250 m2 mais 60% num primeiro piso. Portanto, se eu não gostar de morar aqui, troco facilmente isto por um chorudo cheque de um nórdico faminto de sol e sossego e vou viver a velhice para um apartamento em Portimão ou para onde me der na real gana. Mas se o meu património for apenas rústico, pouco mais me resta que entregá-lo à misericórdia de Monchique na expectativa de que me cuidem da velhice. Ou seja, não se muda quem quer, mas quem pode. A falência generalizada da pequena e média agricultura que era predominante na maioria das AP’s, deixou muitos proprietários rústicos literalmente sem saída.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Manuel Rocha,
Posso falar um dia com o Sr. António Isabel Inácio, mas isso não chega para perceber os contornos da coisa. Seria preciso perceber muito bem em que condições foi de facto feita a herança, porque há muitos, muitos anos, muito antes das áres protegidas, que toda a gente sabe que uma parcela que tem uma construção (ou seja, um direito de ocupação urbana) não é igual a uma que não tem (ou seja, sem direito de ocupação urbana).
Volto a repetir, nada na sua história aponta para qualquer expecificidade das áreas protegidas, qualquer PDM, em qualquer parte do país, estabelece distinções semelhantes. Não é a existência da área protegida que implica essa distinção. Isso é a conversa da treta a que os autarcas da região se têm agarrado para desviar as atenções das suas responsabilidades e opções.
Há um erro concreto no seu comentário: a pretensão de tirar conclusões sobre áreas protegidas (e o seu efeito) a partir da comparação dos preços de prédios mistos (ou urbanos, acrescento eu) e rústicos em áreas protegidas porque está a pretender comparar o que não é comprável e tirar conclusões sobre matérias que não estão avaliadas na comparação.
O que tem de avaliar é a diferença entre prédios mistos dentro e fora de APs e prédios urbanos dentr e fora de APs, porque a diferença de preço entre prédios mistos e rústicos existe em Portugal inteiro, não tem nada, rigorosamente nada, com a classificação como área protegida. Se comparasse o que deve ser comparado pode ter a certeza que ou não havia diferença (em áreas como a malcata, por exemplo, admito que o preço seja igual dentro e fora da AP) ou havendo diferença a localização na área protegida representa valor e faz subir o preço do terreno.
Por último, não faz sentido pretender que os problemas de todos os proprietários rústicos do país se resolve com direitos de construção.
Ninguém foi prejudicado nos seus direitos de construção pelas áreas protegidas ou pela Rede Natura porque os direitos que existiam foram escrupulosamente respeitados (e em alguns casos muito para lá disso, na minha opinião) e os outros não têm qualquer direito de construção pelo facto de terem um terreno. Quer seja numa área protegida, quer seja fora da área protegida.
De qualquer maneira o post não é sobre quem está mal mude-se, é sobre as pessoas que querendo desenvolver uma actividade económica num sítio onde legalmente não podem (por exemplo, instalar uma pocilga no Rossio), usam esse facto para tentar obter vantagens em vez de fazer uma de duas opções: ou adaptar a sua actividade económica ao enquadramento legal existente; ou mudar para onde seja possível o desenvolvimento do que querem fazer da vida.
henrique pereira dos santos

Henrique Pereira dos Santos disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Luís Lavoura disse...

Sobre prédios "mistos", eu pedia a quem mo pudesse fornecer o seguinte esclarecimento:

Eu tenho uma propriedade rústica (terra de cultivo) na qual foi erguida, em tempos, pelo meu avô, uma casa, que no entanto nunca foi concluída (só tem paredes e telhado). Essa casa não está registada nem teve qualquer autorização de construção e está, portanto, plenamente ilegal. Eu pergunto: o facto de ali existir essa casa inacabada dá-me, de alguma forma, o direito a fazer dela uma verdadeira casa, em situação legal? Eu penso que não dá. Mais, até já me disseram (é verdade?) que, se no futuro por qualquer motivo a Câmara me quiser expropriar a minha propriedade, a expropria como se a casa não existisse (ou seja, pelo valor rústico) e deita abaixo a casa sem qualquer compensação.

O que eu quero dizer é, que eu saiba, o facto de num determinado terreno rústico haver uma casa inacabada ou uma ruína edificada, não concede automaticamente ao proprietário desse terreno o direito de transformar essa casa inacabada ou essa ruína numa linda moradia.

olho de boi disse...

Excelente post, Henrique!

Manuel Rocha disse...

Luis Lavoura,

A realidade nem sempre é o que gostavamos que fosse. Como não habitamos numa utopia, duvido que entre cadastro e finanças não consiga inscrever na matriz urbana o seu omisso em prédio rústico. Se acha que não o deve fazer, isso é outra história.

Henrique,

A minha resposta ao seu comentário ficou longa demais. Por isso acabei por a deixar lá no meu canto.

Saudações