terça-feira, novembro 30, 2010

O lobo (entre outros) e a lei

O jornal I faz referência a um estudo sobre leis extravagantes.
Como exemplo cita em primeiro lugar a lei do lobo, que tipifica o abate de um lobo como crime, mas não atribui sanção ao facto (na verdade, para a conservação do lobo, isto é uma matéria muito pouco relevante, mas não quero entrar nessa discussão).
A lei do lobo é um dos muitos exemplos de leis ligadas à conservação que são feitas mais com o coração que com a cabeça e não é caso único: durante anos o Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros foi gerido com base num plano de ordenamento que não previa sanções para o seu incumprimento, por exemplo.
Muitas destas incongruências derivam da vontade de transformar a lei em instrumento de educação ambiental: perante a resistência em aprovar uma lei com efeitos reais, aprova-se uma lei que ao menos sirva para educar as pessoas.
O resultado merece ser discutido.
O caso da lei do lobo é um bom exemplo: aprovou-se o princípio do pagamento dos prejuízos do lobo mas não se aprovaram os mecanismos concretos de financiamento desse pagamento.
O resultado foi fazer recair sobre o orçamento da conservação (e sobre o orçamento corrente da conservação) uma obrigação para a qual ele não tem capacidade de resposta.
Naturalmente uma de duas coisas acontecem (de maneira geral vão oscilando entre si no tempo): ou a obrigação não é cumprida, como sucedeu vezes sem conta, com atrasos de cinco anos nos pagamentos, criando uma situação desfavorável para a conservação e o ICNB na opinião pública; ou a obrigação é cumprida com prejuízo de outras obrigações de conservação, com frequência mais importantes para a conservação do património natural.
O balanço global destas leis de conservação mal feitas, que com frequência são defendidas como sendo o possível, está longe de ser claramente positivo para mim.
É o caso também do Fundo de Conservação da Natureza, criado sem verdadeira dotação de recursos que não sejam uns esquemas manhosos de medidas comepensatórias, que a prazo se irá voltar contra a própria ideia de conservação.
Conheço muito bem a história dos pagamentos do prejuízos do lobo porque quando a presidência do ICNB de que fiz parte tomou posse havia atrasos monumentais no seu pagamento (com alguma excepção no Gerês, que tinha atrasos menores, porque o então director usava as suas influências dentro dos serviços administrativos do ICNB para ter um tratamento de favor para a sua área protegida, com prejuízo de todos as outras, situação que foi imediatamente atalhada pela então Presidente do ICNB, Teresa Andresen, situação que explica muita da posterior história que conduziu ao afastamento do então director do PNPG).
A então presidente do ICNB explicou taxativamente à tutela que iria fazer os pagamentos devidos (que não constavam do orçamento do ICNB) por se recusar a aceitar que fossem os pastores a financiar a política de conservação da natureza e o investimento em visitação.
A situação gerou alguma tensão entre a presidência do ICNB e a tutela política, que estava mais interessada na taxa de execução do orçamento criativo que tinha inventado, que ao mesmo tempo que cortava os fundos nacionais (de onde necessariamente saíam os pagamentos do lobo), aumentava contabilisticamente os fundos europeus, para disfarçar o corte orçamental de 30% que efectivamente havia.
Mas acabou por resultar num reforço pontual do orçamento especificamente para os pagamentos, numa afectação de 10% das receitas da caça para o ICNB com o objectivo de financiar estes pagamentos e numa revisão total de procedimentos que limitaram fortemente as fraudes (especialmente presentes no Gerês).
Mas naturalmente tudo isso teve custos para a política de conservação da natureza (também para a então presidente do ICNB mas felizmente isso nunca foi coisa que a preocupasse. É aliás para mim muito divertido ver o que então as várias ONGs, fortemente dependentes do esquema de influências que tinham na presidência anterior do ICNB, disseram da actuação dessa presidência e o que disseram de outras presidências do ICNB, reconhecidamente más, como a actual).
O lobo está longe de ser uma prioridade de conservação hoje em Portugal: é uma espécie em expansão a Norte do Douro, tem problemas a Sul do Douro mas é uma das espécies mais claramente beneficiadas pelas actuais dinâmicas de alteração da paisagem em Portugal. Não quer dizer que seja um assunto pouco importante do ponto de vista de conservação, o que quero dizer é que há outros muito mais importantes, como a recuperação do coelho, por exemplo.
Tudo isso poderia ser mais facilmente discutido se a administração cumprisse a lei e tivesse produzido um cadastro dos valores naturais nos prazos impostos pela lei.
Mas como digo no começo do post, leis extravagantes em matéria de conservação é coisa que não falta.
E do que estou convencido é que mais vale lei nenhuma que leis mal feitas.
henrique pereira dos santos

7 comentários:

Alice Lobo disse...

Existe algumas iniciativas, por exemplo o O GRUPO LOBO, infelizmente não foi o suficiente para preservar as 2800/3200 cabras que existiam na serra amarela , hoje existem +- 300, principalmente devido ao envelhecimento da população, emigração. Contrariamente ao que foi dito algum tempo atrás, afinal os incentivos financeiros não foram o suficiente para as preservar ou para incentivar os jovens.

http://www.canalup.tv/?menu=vp&id_video=2462#default

http://www.canalup.tv/?menu=vp&id_video=2467#default

http://lobo.fc.ul.pt/


Cumprs

Anónimo disse...

Uma vez mais o autor, fazendo fé na sua narrativa omnisciente, desagrega todas as presidências do ICNB. Todas? não!, no meio existe uma Presidente heróica. Falta dizer quem foi o seu sublime Vice-presidente...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Cortajoso (a) anónimo (a),
Estouinteiramente disponível para falar de todas as presidências do ICNB que conheci, e foram muitas, explicando as minhas opiniões.
É um facto que as que considero melhores são de Teresa Andresen (é certo, eu era vice-presidente, mas isso penso que a prejudicou mais que beneficiou, por razões um pouco laterais ao desempenho de gestão) e de João Menezes.
Posso um dia que tenha tempo explicar por que razões o digo.
De qualquer maneira o post é muito concreto.
Tem algum erro factual ou alguma interpretação que seja questionável?
É que se não tem o seu comentério é idiota. Se tem, o seu comentário esqueceu-se do essencial.
henrique pereira dos santos

Alice Lobo disse...

Você refere constantemente as leis, mas essas leis que realmentente refere são as leis que você e outros ( directores, ministros, presidentes , gestores etc ) não cumprem ou não cumpriram, ou essas leis não eram adequadas e vocês não fizeram coisa alguma, talvez por comodismo , por dinheiro, não sei , vocês e sem desculpas devem ser os 1 a assumirem a responsabilidade e não o “Zé povinho” até porque existem muitas pessoas que não estão ligadas a qualquer função publica com mais capacidades, imaginação e criatividade que muitos ligados a essa área. Na AR na função publica e da publica passa para a privada ,continua a permanecer as mesmas famílias e já lá vão 30 anos só muda o parentesco.
Quando refere a Lei em relação ao “Se alguém abater um lobo ibérico, está a cometer um crime previsto na lei desde 1988. Mas se for detectado e identificado pela polícia ou pelos serviços ambientais, o Ministério Público acabará por ter de arquivar o processo. A razão é simples: por estranho que pareça, a lei n.o 90/88 tipifica o abate do lobo ibérico como crime, mas não prevê qualquer pena. “ sim tem alguma razão e agora diga a culpa é de quem matou o lobo ou javali , porque essa lei não prevê qualquer pena.? Apesar que isso de não não prever qualquer pena é errado apenas a fiscalização (GNR,GIPS) tem que constatar a veracidade dos factos pois conheço 2 pessoas que foram julgadas e multadas por matar um javali mas foram apanhados no acto e só aconteceu devido uma denuncia, pois não estou a ver os “Gips ou a GNR nas serras atrás de um suposto assassino de lobos” isso não existe diga me onde é que encontraram uma pessoa que já matou um lobo? E em relação aos rebanhos como fica a situação das pessoas que perderam os únicos rendimentos de subsistência? onde estão as leis para preservar os animais domésticos (cabra , Ovelha) ? Sempre foi e será um assunto complexo onde tem que existir grande sensibilidade, até porque o pastoreio tradicional esta em vias de extinção possivelmente será melhor para alguns comer a carne vinda de animais alimentados com hormonas .

Anónimo disse...

"uma espécie em expansão a Norte do Douro"

E o desaparecimento entre os censos de 2002 e actualmente de várias alcateias na zona do Alvão?

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro anónimo,
Exactamente esatamos a falar de quê? Já ouvi referências a esses desaparecimentos, mas estamos a falar de quê, detectado por quem e de que forma? Verdadeiramente gostaria de perceber exactamente como surge essa informação.
Dito isto, admitamos que não há qualquer dúvida sobre esses desaparecimentos e que eles são definitivos, isso não invalida um átomo da afirmação de que o lobo é uma espécie em expansão a Norte do Douro.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

O Grupo Lobo já por mais de uma vez referiu esse desaparecimento com base na monitorização que tem feito no contexto da auto-estrada que passa lá por perto. As razões referidos foram o efeito cumulativo de incêndios, eólicas e auto-estrada.