quarta-feira, novembro 24, 2010

Pode não haver dinheiro...

... mas parece que não faltam palhaços.
Li hoje o despacho 17477/ 2010 que nomeia a sub-directora do Fundo para a Conservação da Natureza.
Pensando bem é uma verdadeira parábola sobre a administração pública e o estado de miséria moral que a caracteriza cada vez mais.
Nada disto, diga-se em abono da verdade, é muito importante porque o dito Fundo é uma coisa estranha que não se sabe bem que dinheiro tem, para o que serve, nem como funciona.
E esta nomeação é a ilustração disso.
A nomeada é Maria João Burnay. Com um longo curriculum no ICNB, é a principal responsável pela estruturação inicial do Turismo de Natureza (nos seus aspectos formais e legais). Essa estruturação está longe de ter sido consensual e foi posteriormente profundamente alterada por não servir os propósitos que se pretendiam atingir com a sua criação. Uma das características essenciais dessa estruturação era o seu carácter profundamente estatista e prescritivo, cheio de normas e regras que não batiam certo com a realidade. Mas este é o principal contributo conhecido de Maria João Burnay para a gestão da conservação da natureza e da biodiversidade. De resto, do que fez nos outros sítios por onde passou como dirigente, é difícil perceber o que foi a sua acção e não penso que lhe sejam reconhecidas especiais competências de gestão.
O despacho que a nomeia agora para principal responsável operacional do Fundo de Conservação não explica as razões desta nomeação. Era um hábito que havia (decorrente aliás das regras do procedimento administrativo, que implica a fundamentação das decisões), o de fundamentar nomeações com base no curriculum das pessoas. Isso agora é mais raro. Nomeia-se porque sim e está o assunto encerrado. A menos que se considere que dizer que uma pessoa tem aptidões é fundamentação, do que tenho as mais sérias dúvidas.
Portanto não é possível perceber por que razão foi escolhida aquela pessoa e não outra. Eu acho uma péssima escolha, outras pessoas acharão óptima, mas a verdade é que a discussão não pode passar daí por se tratarem de percepções subjectivas.
O mais curioso é que é uma nomeação por substituição (por substituição de uma coisa que não existia), que aliás se tornou regra em boa parte da administração.
Quem desconhece os meandros da administração pública em Portugal, na sua concreta existência, e não no que diz a lei, dificilmente compreenderá o que vou dizer a seguir.
O cargo para que foi nomeada Maria João Burnay, por livre escolha, só pode ser preenchido por concurso, de acordo com a lei. Mas a lei permite que se nomeie uma pessoa em substituição enquanto o concurso não produz resultados. E mais, a lei diz que esta nomeação não pode exceder os seis meses, não podendo ser prolongada. Mas a administração fez um interpretação criativa da lei e diz que como não pode haver vacatura de lugar (isto é, não pode haver vazio no preenchimento dos lugares de chefia, o que aliás é treta, porque neste caso a situação de partida era a da inexistência do lugar).
Portanto não pode ser cumprido o prazo máximo de seis meses de exercício do cargo em substituição se do seu cumprimento resultar vacatura do lugar. Ou seja, se entretanto o concurso não tiver produzido resultados, é preciso que a pessoa nomeada faça o sacrifício de se manter no lugar (ou seja substituída por outra nas mesmas circunstâncias) até que existam resultados dos concursos. Ora se os concursos não existirem, ou tiverem sido abertos mas se eternizarem (não têm prazos imperativos), a pessoa em substituição vai ficando, ficando, ficando. Em abono da verdade, se vier a haver concurso, a pessoa tem uma vantagem notável por reunir uma grande experiência de exercício de funções semelhantes à do cargo a que concorre.
Daí que os lugares atribuíveis por concurso sejam na prática preenchidos por nomeações tão discricionárias como esta. E tão mais discricionárias quanto a sua suposta limitação no tempo, apenas para resolver a vacatura do lugar, não justifica procedimentos pesados de verificação e escrutínio da nomeação.
É esta portanto a administração que o país tem.
Às vezes até dá bons resultados, mas milagres há sempre, em todas as organizações.
henrique pereira dos santos

4 comentários:

Paulo Barros disse...

Olá Henrique,

Uma curiosidade, independentemente dos problemas estruturais do fundo, quem seria uma boa escolha para ti?

Paulo Barros

Anónimo disse...

A única escolha que ele admite é ele próprio...

Henrique Pereira dos Santos disse...

Paulo,
O post fala de pessoas, até explica por que razão acho uma péssima escolha, mas a verdade é que o essencial do post não é sobre pessoas, é sobre procedimentos.
Já fiz ou ajudei a fazer muitas nomeações, algumas delas péssimas, sei bem que esse método de nomeação, ainda por cima sem qualquer fundamentação, é um péssimo método de escolha de pessoas.
Anónimo,
Eu assino o que escrevo. Vossa excelência esconde-se no anonimato para dizer alarvidades.
Já viu bem a diferença a que estamos um do outro (ou da outra).
henrique pereira dos santos

Nuno disse...

A normalidade com que se encara a atribuição de nomeações e contratos sem concurso neste país está para acabar.

A situação em que estamos não está simpática para mais complacências com tachos, nomeações políticas e compadrios sob pena do fim da paz política.

Obrigado pelo alerta