quinta-feira, janeiro 06, 2011

Ainda as áreas de wilderness

Dos posts anteriores e respectivas discussões nas caixas de comentários parece-me que vale a pena reter uma ideia: as áreas de wilderness que se pretendem não precisam de ser áreas de elevado conteúdo biológico inicial. É melhor que o tenham, mas verdadeiramente o que caracteriza o que se pretende é o modelo de gestão.
E o modelo de gestão é o de uma gestão não extractiva.
Haverá sempre gestão: fiscalização, investigação, visitação e por aí fora. O que se pretende é que não haja gestão extractiva: agricultura, pastorícia, caça, pesca, etc..
O limite de 100 000 hectares referido pelo Miguel Araújo é um limite teórico e não rígido que tem sobretudo na base, se bem percebo, ideias relacionadas com a necessidade de área sem intervenção para os predadores de topo. Com menos que esta área haverá sempre interacção entre a gestão humana e a dinâmica das populações de predadores de topo e grandes herbívoros.
Em rigor, haverá sempre interacção nas franjas, mais ou menos extensas, destas áreas, mas os 100 000 hectares permitem que nas áreas mais centrais dos 100000 hectares a dinâmica das populações e a sua interacção com os sistemas seja já muito, muito ténue, ou, preferencialmente, inexistente.
Tenho algumas dúvidas sobre toda esta contrução teórica, que obriga a que o 100 000 hectares sejam de áreas mais ou menos compactas (idealmente um círculo), de modo a que se impeça que interacções laterais de áreas demasiado estreitas impeçam o objectivo de ter áreas centrais sem influência humana.
Mas tenho uma grande simpatia por esta ideia de não gestão.
No caso de um país de enorme variedade em curtos espaços, como é Portugal, esta ideia de não gestão tem muito caminho a fazer. Basta olhar para a percepção dos especialistas expressa no quadro que ilustra um dos posts, em que áreas de gestão bastante intensa, como o montado, são classificadas como áreas de elevada wilderness, demonstrando uma grande confusão entre conteúdo biológico e intensidade de gestão.
O que me pergunto é se neste caminho para a ideia de ter grandes áreas não geridas não seria preferível investir seriamente na reconstrução (reconstrução que pode ser feita pela não gestão) de corredores naturais e na recuperação, mesmo fragmentada, de sistemas naturais, segiundo o modelo actual que tem permitido a recuperação dos grandes herbívoros e dos predadores de topo (o lobo está em expansão, o urso está em expansão) sem que em muitos casos essa recuperação se faça com aumento de conflito com as pessoas. É o caso de Montezinho, em que a recuperação do lobo, do corço e o abandono rural, em simultâneo, têm permitido um baixo conflito com a população de lobo, que é hoje muito relevante.
É provável que o mesmo suceda com o Urso, que em breve estará a chegar a Portugal.
Partir de uma estratégia mitigada de dedicação de espaços à não gestão, em que cada espaço de não gestão é menor, mas a área de projecto pode ser muito maior que os 100 000 hectares, parece-me com maior probabilidade de sucesso que a insistência num grande espaço de 100 000 hectares como ponto de partida.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Luís Lavoura disse...

1.000 quilómetros quadrados sem qualquer extração de quaisquer recursos naturais? Francamente... eu acho isso uma boa ideia para a Sibéria, para os EUA, para a Austrália, para a Argentina... provavelmente, aliás, é de lá (dos EUA, concretamente) que tais ideis são originárias! Mas na Europa??!! Ná...

A propósito, já viram a carestia que por aí vai nos preços dos alimentos? Percebem o que isso pode querer dizer? Que daqui a alguns anos não veremos a extração de recursos naturais a diminuir, não - vê-la-emos a aumentar!

Nuno disse...

Um texto com muito bom-senso e optimismo.

Julgo que o exemplo dado do montado mostra precisamente que não é preciso ter uma Zona Desmilitarizada das Coreias para ter wilderness. O nosso enorme potencial para a exploração florestal, que precisa de ser encorajado e diversificado (para as matérias-primas para construção, por exemplo) não será incompatível com este conceito.

Se calhar até pode permitir o crescimento da produtividade económica e a wilderness numa gestão que evita contradições.

Nuno Oliveira

Jaime Pinto disse...

Os últimos assuntos tratados neste blog, juntamente com algumas das ideias expressas, caso sejam lidos pelos trogloditas (índios?), acredito que potenciem desabafos estilo "corram-nos à pedrada".
Imaginar em Portugal 100 000 hectares contínuos inabitados por seres humanos e sem agricultura;
Brindar-se ao abandono rural;
Considerar-se um desperdício de dinheiros públicos o apoio dado a actividades agrícolas tradicionais;
Eu leio os sinais dos tempos em sentido inverso: a hipotética necessidade de regresso aos campos, onde uma agricultura de proximidade poderá ser a última forma de evitar o colapso da humanidade. Há pois que preservar, a todo o custo, todo o saber dos que practicamente só dependem deles próprios para viver com dignidade, ajudando-os a não partirem para as cidades.
Isto para além de ser um disparate considerar-se uma ocupação territorial baixa, como a que infelizmente já atinge muitos locais, incompatível com a vivência em comum com qualquer tipo de fauna da Península Ibérica. Mesmo o urso dos Picos da Europa não reivindica 1/10 dos tais 100.000 hectares. O coelho bravo, o mais necessário de todos, pode até viver paredes meias com os humanos. As lontras da minha aldeia desapareceram quando as paredes dos açudes foram levadas pelas cheias, não havendo ninguém para os reconstruir. Tantos exemplos, paradigmas que homem e natureza podem e devem viver juntos.
Jaime

Luís Lavoura disse...

"O coelho bravo, o mais necessário de todos, pode até viver paredes meias com os humanos."

Nos Açores vive.

E, quando vivi na Alemanha, via coelhos bravos praticamente todos os dias, no campus da universidade de Dortmund, a pastar nos relvados, e nos seus arredores.

(Ninguém os caçava porque nos países do Norte da Europa não se come coelho.)

Luís Lavoura disse...

"Eu leio os sinais dos tempos em sentido inverso: a hipotética necessidade de regresso aos campos, onde uma agricultura de proximidade poderá ser a última forma de evitar o colapso da humanidade."

Eu tenho exatamente a mesma impressão.

Dentro em relativamente poucos anos muitas terras que hoje estão incultas vão voltar a ser cultivadas.

Não vai tardar muito.

Anónimo disse...

"Eu leio os sinais dos tempos em sentido inverso: a hipotética necessidade de regresso aos campos, onde uma agricultura de proximidade poderá ser a última forma de evitar o colapso da humanidade."

Concordo e acho uma reflexão pateta.
Veja-se os problemas que enfrentam áreas "wilderness" na America do Sul por exemplo. Ao menos por lá há espaço para isso.