Gosto bastante das intervenções do Hans Rosling, recentemente teve um programa muito interessante na BBC (Joy of Stats), em que tem esta apresentação sobre o mesmo tema:
Muito interessante, mas poucas interrogações sobre se andar de avião ou de carro, ainda que eléctrico (esta ideia do carro eléctrico como sendo sustentável é curiosa)para toda aquela gente será possível ou desejável. Um observador incauto pode pensar que sim.
É interessante saber que no mundo dito "Ocidental" ainda se associa a bicicleta aos países pobres e o carro a um elevado nível de vida. Pensava que era uma noção ambientalmente nociva, mas pelos vistos aqui por estas bandas está correcta. Por outro lado, temos a ideia fascista de controlar a população no mundo, como se isto fosse um problema. O problema reside na economia e na injusta distribuição de riqueza, não na população mundial. Não deixa de ser uma ideia curiosa, atendendo ao que se passa em Portugal, com os problemas sociais que se vivem devidos ao envelhecimento da população. Como é que se demonstra que nove mil milhões de seres humanos é um excesso de população? Como serão os discursos oficiais daqui a trinta anos, quando esse número for de dez ou doze mil milhões?
"poucas interrogações sobre se andar de avião ou de carro, ainda que eléctrico (esta ideia do carro eléctrico como sendo sustentável é curiosa)para toda aquela gente será possível ou desejável"
Ainda mais curioso se torna sabendo que se prevê no mesmo fôlego que 80% da população habitará em cidades, precisamente o contexto em que o carro individual é menos eficiente, seja qual for o seu combustível.
A electrificação da infraestrutura de transportes é bastante desejável, desde que não se tente evitar o facto de que só faz economicamente e ambientalmente sentido (para nem sequer entrar na racionalidade de utilização de espaço público) na forma de ferrovia, metros e trams.
Interessados sobre este tema da população também poderão achar piada à interpretação do jornalista Fred Pearce, que escreve bastante bem sobre questões de ambiente:
As ideias do Rosling são partilhadas por outros pensadores contemporâneos, por exemplo pelo Jeffrey Sachs no "Common Wealth". Os argumentos usados pelos dois autores são semelhantes, e as perguntas que volutariamente evitam responder também. O que falta explicar está resumido em dois "if", por volta dos 5 min. Diz o Rosling que a redução da mortalidade infantil e a melhoria da qualidade de vida só é possível se e só se (esqueçamos o folclore dos carros eléctricos que funcionam a carvão) a energia se mantiver barata. Também falta explicar como pode o sistema Terra suportar a generalização ao resto do mundo dos "throughput" de matéria e energia das democracias ocidentais. Como a dimensão das dúvidas é muito maior do que a exequibilidade das receitas, Rosling e Sachs repetem o maior erros dos economistas clássicos: os modelos que propõem são demasiado simples e simplistas para serem úteis. Os riscos de morrer com a cura ultrapassam os riscos da doença? Gostei da espécie de jogo da vermelhinha com caixas verdes e azuis, que coloca a Europa na refundação do mundo moderno. Gostei também do comentário de um anónimo a este post do Henk. Não fora um pequeno deslize no vocabulário e ficaria por saber se estava ler um excerto de um paper da Conferência dos Bispos da América do Norte, ou a ouvir a lenga-lenga cinzenta de um comunista ortodoxo.
Carlos Aguiar Não percebi o comentário aos bispos e aos comunistas, sendo certo que não sou uma coisa nem outra. Isso de insistir em colar rótulos aos outros já devia ter sido chão que deu uvas. Eu referi que a ideia era fascista, não afirmei que o senhor Rosling era fascista. No entanto, se essa ideia do controlo da população não é fascista e é outra coisa qualquer, elucide-me, por favor. Venho aqui para aprender. Claro que posso estar enganado e esse remoque ser relativo à minha sentença do absurdo ambiental da bicicleta ser para pobres e o carro para ricos. Mas aí, confesso, não consigo descortinar o bispo nem o comunista. Até porque um e outro gostam é de andar de carro, não vão eles cansarem-se muito. Contudo, esta intervenção serve só para reforçar a minha segunda sentença. Esse senhor não referiu que em 1960 se previa o fim do mundo se a população chegasse aos 4 mil milhões. Esse número foi ultrapassado tranquilamente, apesar das guerras, das fomes e das doenças. Ultrapassou-se os 4 mil, depois o número perigoso passou para 5, depois para 6,... Agora afirmam que a Terra não comporta mais de 9 mil milhões. Porquê? Porquê esta insistência suicida no controlo da natalidade? Suicida se acreditarmos nos problemas que nos impingem sobre o envelhecimento da população. Ou o envelhecimento é um problema sério ou o excesso de população é um problema sério. Os dois ao mesmo tempo é que me não parece ser possível. A propósito disto, qual seria a quantidade de população ideal para Portugal? Pedro, Montijo
Sendo a população um mau indicador de impacto ambiental e de consumo de recursos (o tal slogan de um americano adulto ser equivalente a 45 nigerianos em consumo de recursos básicos), o que acho interessante é o facto de que a mesma evolução que leva à estabilidade política, social, subida do nível de vida e da saúde (como é mencionado por Rosling) ser aquela que corresponde a um aumento exponencial de recursos. Isto acaba por não compensado pelo decréscimo de natalidade que aparece sempre a seguir, sobretudo pelo planeamento familiar associado ao maior acesso da mulher ao mercado de trabalho e das crianças à educação e saúde.
Uma questão mais difícil, útil e polémica do que qual seria o número ideal de pessoas era saber como atingir bons níveis destes indicadores sem entrar num tipo de economia que esbanja recursos.
Foi com o programa do Rosling que fiquei a saber que o Estado de Kerala, na Índia, tem níveis "ocidentais" de saúde e educação e políticas ambientais e económicas invejáveis. É um caso de estudo conhecido em economia por se ter convertido de uma economia dominada pela agricultura de subsistência (que não desapareceu porque se protege a propriedade familiar e o consumo próprio) para uma dominada por um grande sector de serviços. Isto tudo só por virtude da educação, que os poupou a uma geração de manufactura barata de exploração de mão-de-obra pouco qualificada da China e outros locais da Índia, que os poupou a muito abandono agrícola, que agora tem uma curioso coexistência com o seu próprio "Silicon Valley".
Uns procuram alcançar este Estado, penso que nós por cá teremos que pedalar um pouco para trás nalgumas coisas que entendemos como "desenvolvimento" para o atingir.
Pedro, pergunta-me por que associei religião, neste caso cristã-católica, a comunistas no contexto das relações ambiente-população-qualidade de vida discutidas pelo Rosling. A razão é simples: as teses são semelhantes. As religiões e as ideologias (assumindo a distinção) que identificam uma missão especial a ser cumprida pelo homem na Terra, elevam-no acima das restrições a que está sujeita a não humanidade. O homem torna-se assim num ser sobrenatural, com regras próprias; o Malthusianismo, subliminar em toda a apresentação do Rosling, é despromovido a coisa para animais. Consequentemente, para verdadeiros crentes e comunistas a fome no mundo será sempre causada pela má distribuição da riqueza, as tragédias ambientais são um efeito directo da ganância ou da corrupção dos poderosos, e o consumismo reduz-se a uma perversão capitalista a mitigar. As religiões e as ideologias têm esta fantástica capacidade de nos fazer acreditar em milagres, quando a evidência aponta o contrário, quando simples aritmética é a chave para a compreensão das relações ambiente-população (vd. www.eoearth.org/article/IPAT_equation). Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica, o procedimento proposto pelo Rosling para a redenção dos pobres é inviável, pelo menos a solo. Sobram basicamente duas opções. Controlar activamente a população ou seguir os conselhos de Malthus e David Ricardo, e abandonar os pobres à sua sorte. À sua sorte significa sujeitá-los a crescimentos populacionais brutais e a um aumento do número e da percentagem de pobres, até ao colapso político e social. Qual das duas opções é mais fascista? Repare, não estou com isto a dizer que o controlo populacional é a cura para a pobreza nos países que não adoptaram o modelo industrial de economia nas últimas décadas. Aliás, ainda não percebi se a industrialização era uma solução, qual era a solução, ou se há mesmo uma solução. Qual seria a quantidade de população ideal para Portugal? Pergunta o Pedro. Começo por lhe dizer que não é obrigatório que a sorte que tivemos no passado, por exemplo, em descobrir a síntese da amónia, se repetirá no futuro. O “problema da indução” de Hume aplica-se limpinho à confiança que a maioria põe no progresso para satisfazer as necessidades de uma população crescente. Sendo a terra escassa e a população mundial sustentada com fertilizantes químicos cuja síntese depende de combustíveis fósseis baratos (azoto) ou de depósitos finitos (fósforo), digo-lhe que uma redução para metade da população portuguesa era uma boa ideia; as contas são fáceis de fazer. Pedro, o seu comentário era anónimo. O meu “remoque” não se dirigia a si, mas a esse pudor que nos impede no blogue ou na lista de e-mail AMBIO de discutir as interacções entre religião, política e ambiente. Também eu ando a ver se aprendo porque as dúvidas são muitas.
Pedro, pergunta-me por que associei religião, neste caso cristã-católica, a comunistas no contexto das relações ambiente-população-qualidade de vida discutidas pelo Rosling. A razão é simples: as teses são semelhantes. As religiões e as ideologias (assumindo a distinção) que identificam uma missão especial a ser cumprida pelo homem na Terra, elevam-no acima das restrições a que está sujeita a não humanidade. O homem torna-se assim num ser sobrenatural, com regras próprias; o Malthusianismo, subliminar em toda a apresentação do Rosling, é despromovido a coisa para animais. Consequentemente, para verdadeiros crentes e comunistas a fome no mundo será sempre causada pela má distribuição da riqueza, as tragédias ambientais são um efeito directo da ganância ou da corrupção dos poderosos, e o consumismo reduz-se a uma perversão capitalista a mitigar. As religiões e as ideologias têm esta fantástica capacidade de nos fazer acreditar em milagres, quando a evidência aponta o contrário, quando simples aritmética é a chave para a compreensão das relações ambiente-população (vd. www.eoearth.org/article/IPAT_equation). Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica, o procedimento proposto pelo Rosling para a redenção dos pobres é inviável, pelo menos a solo. Sobram basicamente duas opções. Controlar activamente a população ou seguir os conselhos de Malthus e David Ricardo, e abandonar os pobres à sua sorte. À sua sorte significa sujeitá-los a crescimentos populacionais brutais e a um aumento do número e da percentagem de pobres, até ao colapso político e social. Qual das duas opções é mais fascista? Repare, não estou com isto a dizer que o controlo populacional é a cura para a pobreza nos países que não adoptaram o modelo industrial de economia nas últimas décadas. Aliás, ainda não percebi se a industrialização era uma solução, qual era a solução, ou se há mesmo uma solução.
Henk Feith As palavras valem o que valem. As constatações factuais, repetidas ad eternum tornam-se em lugares-comuns e passam por verdadeiras. As pessoas associam isso à verdade e essa verdade é um juízo de valor, que se entranha no subconsciente. A este propósito, peço-lhe que reflicta no que é referido neste artigo. Porque razão ele não fez a comparação entre uma bicicleta topo de gama e uma pasteleira, por exemplo? Ou uma batedeira eléctrica e um passe-vite. Quanto aos números do apocalipse, não sou eu que faço essas afirmações. Foram (e são) referidos com frequência pelos peritos. Pelo menos desde meados dos anos 70 que leio entrevistas de cientistas a anunciar a catástrofe eminente se ultrapassarmos aquele número limite. Eram 4, depois 5, passámos os 6 mil milhões, agora o perigo são os 9 mil milhões... E depois de passarmos os 9 mil milhões, qual será o próximo número mágico? Pedro, Montijo
Carlos Aguiar Agradeço a sua resposta. Penso que não me fiz entender e penitencio-me por isso. Eu não associo o excesso de população à pobreza ou vice-versa. Sendo certo que existe pobreza, não considero certo que exista excesso de população. E mesmo que exista esse excesso, duvido que tal se deva à pobreza. Daí o meu comentário sobre o fascismo da ideia. No entanto, à boa maneira de um pensador grego qualquer, (cujo nome, nos dias que passam, caiu em desgraça) a sua resposta suscitou-me mais dúvidas: a) "Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica,(...)." Isto significa o quê? Que temos de liquidar os velhos? E já agora, o mundo não dispõe de recursos porquê? Há quantos anos clamam os peritos que um dia a casa vem abaixo? As pessoas cansam-se e deixam de acreditar. Não se esqueça da minha história com o lobo. Quando era um lobo mesmo a sério ninguém me acreditou... :) b) Portugal tem o dobro de habitantes? Como é que isso é possível? Mais de metade do território está despovoado, as mais diversas entidades queixam-se sobre os problemas do despovoamento do interior, e temos excesso de população? c) Qual foi o critério adoptado para chegar a essa conclusão? O tamanho do território, a densidade demográfica, o PIB, o solo arável? Então como será nos Países Baixos, país com um terço do tamanho do nosso território e praticamente a mesma população? É certo que não devemos contar com o constante progresso tecnológico da humanidade. Mas também não devemos subestimá-lo. Não se esqueça do tipo das patentes, que queria encerrar a loja porque tudo o que tinha de ser inventado já tinha sido inventado. d) Aponta duas soluções para algo que considero não ser um problema: controlar a população ou deixá-la entregue à sua sorte? A meu ver, a última opção é a solução. Temos de nos perguntar o seguinte: qual era o número de habitantes em África, por exemplo, antes da conquista europeia iniciada no séc. XV? E na América? Eles eram ricos, antes disso? Como viviam e se reproduziam? Tinham acesso a meios de saúde, educação e economia como têm agora os ocidentais? O seu crescimento era explosivo? A ideia que me transmitiram é a de que nesses locais viviam povos extremamente pobres, com parcos recursos. E não consta que o seu crescimento fosse explosivo. Pelo menos antes da chegada dos europeus. Se eu fosse cientista, pensaria numa relação causa-efeito e diria que o grande problema do mundo são os ocidentais e que tais tipos deviam ser extintos. Felizmente não sou cientista. Pedro, Montijo
Num ponto, o Pedro tem razão. Nas áreas de estudo das ciências sociais, mesmo naquelas mais pluridisciplinares, estas questões mais duras e "chãs" dos recursos naturais, não infinitamente elásticos, por mais tecnologia que lhes apliquemos, parece não ser devidamente compreendida, e, por isso, em cadeiras de demografia, de facto, a norma parece ser que o decrescimento da taxa de natalidade é uma tragédia. O problema é que, frequentemente, o raciocínio é feito num quadro de normalidade, em que se têm em conta sobretudo factores de ordem económica (Seg. Social), etc., ignorando-se completamente o quadro mais geral. Mas a história do lobo não é bem assim. Os alertas de há trinta ou quarenta anos tinham toda a razão de ser, e estamos agora a apercebermo-nos disso de forma cada mais nítida e dramática. O problema é que estamos a falar de um sistema complexo (a biosfera), com grande inércia, com grandes hiatos de tempo entre a acção e a reacção, etc. A solução não é exterminarmos os velhos, com certeza, mas agir sobre os factores da equação indicada por Carlos Aguiar para ganharmos tempo até que o factor população estabilize e acabe por diminuir.
Fico com a sensação que está a pendurar a mensagem do Rosling a um detalhe da sua apresentação, que é a associação da bicicleta a um estado de desenvolvimento "médio-baixo", enquanto o carro seria "médio-alto". Isto não passa de simbologia.
A apresentação do Rosling parte do princípio que qualquer povo tem a ambição da atingir certos níveis de bem-estar material e, a partir do crescimento populacional mundial que se tem verificado nos últimos décadas, o Rosling procura perspetivar o que vai acontecer, quer queremos quer não.
O Rosling conclui que o crescimento demográfico abrandará em consequência do desenvolvimento económico, e não vice-versa. Não é o abrandamento da taxa de natalidade que vai trazer o desenvolvimento económico.
É legítimo perguntar se há recursos suficientes para proporcionar elevados níveis de riqueza para uma população que se aproxima dos 9 mil milhões de pessoas. Mas não é essa a questão que o Rosling coloca. Ele prevê que iremos chegar aos tais 9 mil milhões se houver condições para proporcionar uma migraçao gradual dos países das camadas "pobres" para as camadas "ricas", caso contrário a população irá aumentar muito mais.
Parece-me indiscutível que a riqueza média per cápita de uma população mundial de 9 mil milhões será superior a uma de 20 mil milhões. Também parece-me claro que a sustentabilidade do consumo de recursos naturais seja igualmente superior no primeiro caso. Por isso é do interesse de todos (ricos e pobres) que se procura encontrar um equilíbrio entre a população mundial e o seu consumo e a mensagem do Rosling é que esse equilíbrio passa por uma aproximação dos níveis de riqueza entre os mais pobres e mais ricos. Por fim, coloca a responsabilidade de encontrar essa solução nos países mais desenvolvidos, devido ao seu avanço em conhecimento e capacidade de inovação.
Reduzir isso à questão se bicicletas são para pobres ou ricos é atirar ao lado do alvo.
A população dos Países Baixos aproxima-se dos 17 milhões, por isso quase o dobro da Portuguesa. Informa-se.
No entanto, a população de uma certa área geográfica não depende da sua dimensão administrativa, mas sim da sua base económica de suporte. Podia ter pegado na demografia de Singapura em vez da neerlandesa, mas não passava pela cabeça de ninguém que a densidade populacional da Singapura seria exemplo para o resto do mundo. É natural que áreas mais densamente povoadas dependem para a sua sobrevivência económica das áreas fora da sua parcela administrativa.
A questão da dimensão da população Portuguesa não tem a ver com a sua baixa densidade nas zonas periféricas, mas sim com a sua capacidade de criar riqueza para sustentar o nível de vida que se pretende. E é exatamente o que se está a verificar ciclicamente em Portugal, habituado a vagas de emigração em consequência da dificuldade de criar prosperidade para os seus cidadãos. Se Portugal pudesse suportar uma população muito superior, como sugere, porque razão estamos a assistir novamente a um êxodo dos profissionais mais qualificados da sociedade Portuguesa?
Henk Feith Parto do princípio que não leu o artigo que lhe indiquei, pois teria percebido que a simbologia é importante, seja neste trabalho como em outro qualquer. Quando se quer explicar seja o que for a terceiros, é costume pegar em exemplos e fazer analogias para que o auditório entenda mais facilmente o que queremos transmitir. Ou, talvez, para que nós consigamos fazer passar a mensagem. Claramente a mensagem é: "carro é sinónimo de riqueza". É verdade, estou a agarrar-me a um detalhe. E, como dizia o outro, nos detalhes é que se faz a diferença. Porque esse detalhe é que tem feito a diferença. Porque esse detalhe faz com que demasiadas pessoas se interroguem sobre se será possível o mundo sustentar todos os seres humanos que querem obter esse detalhe. O mundo terá capacidade para sustentar 9 mil milhões de carros? Isto não é um detalhe, isto é o cerne da questão. Se associarmos riqueza a carros e telemóveis, penso que é legítimo todas as pessoas desejarem esses bens. O mundo ocidental transmite a ideia que riqueza é sinónimo de bens materiais. E o bem supremo é o carro. Ora, com a excepção dos construtores de carros e do negócio montado à volta dos ditos, duvido que um carro traga riqueza a alguém. Pelo contrário, um carro significa normalmente mais despesa pessoal, logo menos riqueza. No meu caso, desde que me desfiz do carro o meu saldo melhorou substancialmente. Tendo muitos vizinhos a ganhar mais que eu, vou descobrindo que sou cada vez mais rico só porque não tenho despesas com o carro. Eles passam por dificuldades que já não consigo compreender. Passam fome. Literalmente. E as perspectivas não são de melhoras. Mas não prescindem do carro. E não consigo convencê-los a prescindirem do carro, apesar do meu próprio exemplo. Tudo porque a simbologia do carro está profundamente enraizada na nossa sociedade. Carro é sinónimo de riqueza e ninguém quer ser considerado pobre. Eu sou um pobre, que nem carro tem, coitado! Isto, Henk Feith, é simbologia que condiciona as decisões das pessoas. E, tal como se vê por estes dias, o carro tem um peso demasiado excessivo nas despesas de uma comunidade. E nos impactos sobre o nosso ambiente. Este é o alvo. O alvo é se será possível sustentar um mundo com 9 mil milhões de carros. Portanto, a comparação entre ricos e pobres utilizando um carro e uma bicicleta é tudo menos inocente. Porque esta ideia é que devia ser combatida. Este paradigma da riqueza material é que devia ser combatido. Se o paradigma da riqueza fosse o pão, habitação, saúde e educação (isto soa vagamente a comuna, Carlos Aguiar? :) ), será que o mundo gastaria tantos recursos? Se o paradigma do carro desaparecesse e fosse substituído pelo paradigma da bicicleta, com o consequente abrandamento de gastos com a "mobilidade", diminuindo assim a pressão sobre os recursos existentes, estaríamos aqui a discutir se o mundo teria recursos para sustentar 9 mil milhões de bicicletas? Isto é só um exemplo. Outro exemplo, afirmam que vivemos em crise, mas as pessoas, penduradas num símbolo, continuam a exigir mais e melhores acessos. Isso significa mais e mais estradas, enquanto a nossa rede ferroviária continua a minguar. Este tipo de política não tem importância nesta discussão? Não é este tipo de política que impõe pressão sobre o ambiente e o nosso bem-estar? Porque, como muito bem diz, as consequências destas decisões não são confinadas aos locais onde se tomam. Se Rosling tivesse utilizado, como comparação, os acessos ao sistema de saúde de ricos e pobres, penso que não estaríamos aqui a ter esta discussão. Porque, talvez, é pura especulação, o mundo tem capacidade para cuidar na doença 20 mil milhões de pessoas. Pedro, Montijo
Henk Feith De facto fui informar-me. E eu estava enganado, claro. Não percebo esta minha fixação em considerar as populações portuguesa e neerlandesa como essencialmente iguais em termos numéricos. Falhava redondo num qualquer concurso de cultura geral. Mas esta busca por este tipo de conhecimento levantou outras objecções, além das que já apontei. Por exemplo, a veracidade da afirmação de que a natalidade nos países ricos é inferior à dos países pobres. Tudo depende da manipulação matemática que se pretende fazer. Por exemplo, comparemos a evolução da população entre os Países Baixos, a Bélgica e Portugal, entre 1980 e 2010. Tenho a ideia que, por ordem de riqueza, primeiro são os Países Baixos, depois a Bélgica e depois Portugal. Nos Paises Baixos a população cresceu a um ritmo de 20,42 %, em Portugal a 8,98 % e na Bélgica a 5,92 %. Então, o país com maior desenvolvimento económico tem um crescimento demográfico superior aos outros dois, mais pobres. Em clara contradição com a sua afirmação. Comparemos agora os EUA, o Canadá, Cuba e a Coreia do Norte. Canadá 44,00 %, EUA 41,14 %, Coreia do Norte 36,67 % e Cuba 19,55 %. Mais contradições. Quem é o mais rico e quem é o mais pobre? E todos estes últimos países, demograficamente, cresceram mais que Portugal e Bélgica. E os Países Baixos "só" ficam à frente de Cuba. Até a Austrália bate estes todos: 51,35 % de aumento. Coitados, devem ser mesmo pobres lá na Austrália! Contas simplistas feitas em cima do joelho. Mas que contrariam fácil tal tese de ligar o crescimento demográfico com a pobreza. Enfim, tão simplistas como a sua conclusão acerca dos motivos pelos quais tantos portugueses demandam outras paragens. Há muitos brasileiros que procuram estas paragens. E o Brasil é um país de imensas riquezas. Porque razão eles vêm para cá? Será que a política que condiciona a distribuição de riqueza não conta nestas contas? Pedro, Montijo
Espaço de informação e reflexão sobre ambiente e sociedade. Este blogue tem uma gestão partilhada com a lista portuguesa de ambiente (também chamada ambio), no entanto, as contribuições para cada um dos espaços são autónomas pelo que podem divergir na importância e destaque dados aos temas ambientais abordados. Os únicos lemas a seguir serão reflexão, originalidade e (deseja-se) qualidade. Com este espaço espera-se potenciar a escrita de ensaio e aprofundamento de temas ambientais em língua Portuguesa.
19 comentários:
Gosto bastante das intervenções do Hans Rosling, recentemente teve um programa muito interessante na BBC (Joy of Stats), em que tem esta apresentação sobre o mesmo tema:
http://www.youtube.com/watch?v=jbkSRLYSojo
Muito interessante, mas poucas interrogações sobre se andar de avião ou de carro, ainda que eléctrico (esta ideia do carro eléctrico como sendo sustentável é curiosa)para toda aquela gente será possível ou desejável. Um observador incauto pode pensar que sim.
É interessante saber que no mundo dito "Ocidental" ainda se associa a bicicleta aos países pobres e o carro a um elevado nível de vida. Pensava que era uma noção ambientalmente nociva, mas pelos vistos aqui por estas bandas está correcta.
Por outro lado, temos a ideia fascista de controlar a população no mundo, como se isto fosse um problema. O problema reside na economia e na injusta distribuição de riqueza, não na população mundial. Não deixa de ser uma ideia curiosa, atendendo ao que se passa em Portugal, com os problemas sociais que se vivem devidos ao envelhecimento da população. Como é que se demonstra que nove mil milhões de seres humanos é um excesso de população? Como serão os discursos oficiais daqui a trinta anos, quando esse número for de dez ou doze mil milhões?
"poucas interrogações sobre se andar de avião ou de carro, ainda que eléctrico (esta ideia do carro eléctrico como sendo sustentável é curiosa)para toda aquela gente será possível ou desejável"
Ainda mais curioso se torna sabendo que se prevê no mesmo fôlego que 80% da população habitará em cidades, precisamente o contexto em que o carro individual é menos eficiente, seja qual for o seu combustível.
A electrificação da infraestrutura de transportes é bastante desejável, desde que não se tente evitar o facto de que só faz economicamente e ambientalmente sentido (para nem sequer entrar na racionalidade de utilização de espaço público) na forma de ferrovia, metros e trams.
Nuno Oliveira
Interessados sobre este tema da população também poderão achar piada à interpretação do jornalista Fred Pearce, que escreve bastante bem sobre questões de ambiente:
http://www.guardian.co.uk/world/2010/feb/01/population-crash-fred-pearce
As ideias do Rosling são partilhadas por outros pensadores contemporâneos, por exemplo pelo Jeffrey Sachs no "Common Wealth". Os argumentos usados pelos dois autores são semelhantes, e as perguntas que volutariamente evitam responder também. O que falta explicar está resumido em dois "if", por volta dos 5 min. Diz o Rosling que a redução da mortalidade infantil e a melhoria da qualidade de vida só é possível se e só se (esqueçamos o folclore dos carros eléctricos que funcionam a carvão) a energia se mantiver barata. Também falta explicar como pode o sistema Terra suportar a generalização ao resto do mundo dos "throughput" de matéria e energia das democracias ocidentais. Como a dimensão das dúvidas é muito maior do que a exequibilidade das receitas, Rosling e Sachs repetem o maior erros dos economistas clássicos: os modelos que propõem são demasiado simples e simplistas para serem úteis. Os riscos de morrer com a cura ultrapassam os riscos da doença?
Gostei da espécie de jogo da vermelhinha com caixas verdes e azuis, que coloca a Europa na refundação do mundo moderno.
Gostei também do comentário de um anónimo a este post do Henk. Não fora um pequeno deslize no vocabulário e ficaria por saber se estava ler um excerto de um paper da Conferência dos Bispos da América do Norte, ou a ouvir a lenga-lenga cinzenta de um comunista ortodoxo.
Carlos Aguiar
Não percebi o comentário aos bispos e aos comunistas, sendo certo que não sou uma coisa nem outra. Isso de insistir em colar rótulos aos outros já devia ter sido chão que deu uvas. Eu referi que a ideia era fascista, não afirmei que o senhor Rosling era fascista. No entanto, se essa ideia do controlo da população não é fascista e é outra coisa qualquer, elucide-me, por favor. Venho aqui para aprender.
Claro que posso estar enganado e esse remoque ser relativo à minha sentença do absurdo ambiental da bicicleta ser para pobres e o carro para ricos. Mas aí, confesso, não consigo descortinar o bispo nem o comunista. Até porque um e outro gostam é de andar de carro, não vão eles cansarem-se muito.
Contudo, esta intervenção serve só para reforçar a minha segunda sentença. Esse senhor não referiu que em 1960 se previa o fim do mundo se a população chegasse aos 4 mil milhões. Esse número foi ultrapassado tranquilamente, apesar das guerras, das fomes e das doenças. Ultrapassou-se os 4 mil, depois o número perigoso passou para 5, depois para 6,... Agora afirmam que a Terra não comporta mais de 9 mil milhões. Porquê? Porquê esta insistência suicida no controlo da natalidade? Suicida se acreditarmos nos problemas que nos impingem sobre o envelhecimento da população. Ou o envelhecimento é um problema sério ou o excesso de população é um problema sério. Os dois ao mesmo tempo é que me não parece ser possível.
A propósito disto, qual seria a quantidade de população ideal para Portugal?
Pedro, Montijo
@Pedro
Sendo a população um mau indicador de impacto ambiental e de consumo de recursos (o tal slogan de um americano adulto ser equivalente a 45 nigerianos em consumo de recursos básicos), o que acho interessante é o facto de que a mesma evolução que leva à estabilidade política, social, subida do nível de vida e da saúde (como é mencionado por Rosling) ser aquela que corresponde a um aumento exponencial de recursos. Isto acaba por não compensado pelo decréscimo de natalidade que aparece sempre a seguir, sobretudo pelo planeamento familiar associado ao maior acesso da mulher ao mercado de trabalho e das crianças à educação e saúde.
Uma questão mais difícil, útil e polémica do que qual seria o número ideal de pessoas era saber como atingir bons níveis destes indicadores sem entrar num tipo de economia que esbanja recursos.
Foi com o programa do Rosling que fiquei a saber que o Estado de Kerala, na Índia, tem níveis "ocidentais" de saúde e educação e políticas ambientais e económicas invejáveis. É um caso de estudo conhecido em economia por se ter convertido de uma economia dominada pela agricultura de subsistência (que não desapareceu porque se protege a propriedade familiar e o consumo próprio) para uma dominada por um grande sector de serviços. Isto tudo só por virtude da educação, que os poupou a uma geração de manufactura barata de exploração de mão-de-obra pouco qualificada da China e outros locais da Índia, que os poupou a muito abandono agrícola, que agora tem uma curioso coexistência com o seu próprio "Silicon Valley".
Uns procuram alcançar este Estado, penso que nós por cá teremos que pedalar um pouco para trás nalgumas coisas que entendemos como "desenvolvimento" para o atingir.
Nuno Oliveira
* Bom, desculpem-me a gramática atroz do comentário- é o que dá escrever sem rever a sintaxe.
Pedro,
A associação de bicicletas a países pobres e viaturas a países ricos é uma constatação fatual, não é um juízo de valores.
No entanto, sua afirmação de que a população mundial considerada limite seria 4 mil milhões nos anos 60 no entanto necessita de fundamentação.
Henk Feith
Pedro, pergunta-me por que associei religião, neste caso cristã-católica, a comunistas no contexto das relações ambiente-população-qualidade de vida discutidas pelo Rosling. A razão é simples: as teses são semelhantes. As religiões e as ideologias (assumindo a distinção) que identificam uma missão especial a ser cumprida pelo homem na Terra, elevam-no acima das restrições a que está sujeita a não humanidade. O homem torna-se assim num ser sobrenatural, com regras próprias; o Malthusianismo, subliminar em toda a apresentação do Rosling, é despromovido a coisa para animais. Consequentemente, para verdadeiros crentes e comunistas a fome no mundo será sempre causada pela má distribuição da riqueza, as tragédias ambientais são um efeito directo da ganância ou da corrupção dos poderosos, e o consumismo reduz-se a uma perversão capitalista a mitigar. As religiões e as ideologias têm esta fantástica capacidade de nos fazer acreditar em milagres, quando a evidência aponta o contrário, quando simples aritmética é a chave para a compreensão das relações ambiente-população (vd. www.eoearth.org/article/IPAT_equation).
Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica, o procedimento proposto pelo Rosling para a redenção dos pobres é inviável, pelo menos a solo. Sobram basicamente duas opções. Controlar activamente a população ou seguir os conselhos de Malthus e David Ricardo, e abandonar os pobres à sua sorte. À sua sorte significa sujeitá-los a crescimentos populacionais brutais e a um aumento do número e da percentagem de pobres, até ao colapso político e social. Qual das duas opções é mais fascista? Repare, não estou com isto a dizer que o controlo populacional é a cura para a pobreza nos países que não adoptaram o modelo industrial de economia nas últimas décadas. Aliás, ainda não percebi se a industrialização era uma solução, qual era a solução, ou se há mesmo uma solução.
Qual seria a quantidade de população ideal para Portugal? Pergunta o Pedro. Começo por lhe dizer que não é obrigatório que a sorte que tivemos no passado, por exemplo, em descobrir a síntese da amónia, se repetirá no futuro. O “problema da indução” de Hume aplica-se limpinho à confiança que a maioria põe no progresso para satisfazer as necessidades de uma população crescente. Sendo a terra escassa e a população mundial sustentada com fertilizantes químicos cuja síntese depende de combustíveis fósseis baratos (azoto) ou de depósitos finitos (fósforo), digo-lhe que uma redução para metade da população portuguesa era uma boa ideia; as contas são fáceis de fazer.
Pedro, o seu comentário era anónimo. O meu “remoque” não se dirigia a si, mas a esse pudor que nos impede no blogue ou na lista de e-mail AMBIO de discutir as interacções entre religião, política e ambiente. Também eu ando a ver se aprendo porque as dúvidas são muitas.
Pedro, pergunta-me por que associei religião, neste caso cristã-católica, a comunistas no contexto das relações ambiente-população-qualidade de vida discutidas pelo Rosling. A razão é simples: as teses são semelhantes. As religiões e as ideologias (assumindo a distinção) que identificam uma missão especial a ser cumprida pelo homem na Terra, elevam-no acima das restrições a que está sujeita a não humanidade. O homem torna-se assim num ser sobrenatural, com regras próprias; o Malthusianismo, subliminar em toda a apresentação do Rosling, é despromovido a coisa para animais. Consequentemente, para verdadeiros crentes e comunistas a fome no mundo será sempre causada pela má distribuição da riqueza, as tragédias ambientais são um efeito directo da ganância ou da corrupção dos poderosos, e o consumismo reduz-se a uma perversão capitalista a mitigar. As religiões e as ideologias têm esta fantástica capacidade de nos fazer acreditar em milagres, quando a evidência aponta o contrário, quando simples aritmética é a chave para a compreensão das relações ambiente-população (vd. www.eoearth.org/article/IPAT_equation).
Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica, o procedimento proposto pelo Rosling para a redenção dos pobres é inviável, pelo menos a solo. Sobram basicamente duas opções. Controlar activamente a população ou seguir os conselhos de Malthus e David Ricardo, e abandonar os pobres à sua sorte. À sua sorte significa sujeitá-los a crescimentos populacionais brutais e a um aumento do número e da percentagem de pobres, até ao colapso político e social. Qual das duas opções é mais fascista? Repare, não estou com isto a dizer que o controlo populacional é a cura para a pobreza nos países que não adoptaram o modelo industrial de economia nas últimas décadas. Aliás, ainda não percebi se a industrialização era uma solução, qual era a solução, ou se há mesmo uma solução.
Henk Feith
As palavras valem o que valem. As constatações factuais, repetidas ad eternum tornam-se em lugares-comuns e passam por verdadeiras. As pessoas associam isso à verdade e essa verdade é um juízo de valor, que se entranha no subconsciente. A este propósito, peço-lhe que reflicta no que é referido neste artigo. Porque razão ele não fez a comparação entre uma bicicleta topo de gama e uma pasteleira, por exemplo? Ou uma batedeira eléctrica e um passe-vite.
Quanto aos números do apocalipse, não sou eu que faço essas afirmações. Foram (e são) referidos com frequência pelos peritos. Pelo menos desde meados dos anos 70 que leio entrevistas de cientistas a anunciar a catástrofe eminente se ultrapassarmos aquele número limite. Eram 4, depois 5, passámos os 6 mil milhões, agora o perigo são os 9 mil milhões... E depois de passarmos os 9 mil milhões, qual será o próximo número mágico?
Pedro, Montijo
Carlos Aguiar
Agradeço a sua resposta. Penso que não me fiz entender e penitencio-me por isso. Eu não associo o excesso de população à pobreza ou vice-versa. Sendo certo que existe pobreza, não considero certo que exista excesso de população. E mesmo que exista esse excesso, duvido que tal se deva à pobreza. Daí o meu comentário sobre o fascismo da ideia.
No entanto, à boa maneira de um pensador grego qualquer, (cujo nome, nos dias que passam, caiu em desgraça) a sua resposta suscitou-me mais dúvidas:
a) "Não dispondo o mundo de recursos suficientes para sustentar uma generalização da inversão demográfica,(...)." Isto significa o quê? Que temos de liquidar os velhos? E já agora, o mundo não dispõe de recursos porquê? Há quantos anos clamam os peritos que um dia a casa vem abaixo? As pessoas cansam-se e deixam de acreditar. Não se esqueça da minha história com o lobo. Quando era um lobo mesmo a sério ninguém me acreditou... :)
b) Portugal tem o dobro de habitantes? Como é que isso é possível? Mais de metade do território está despovoado, as mais diversas entidades queixam-se sobre os problemas do despovoamento do interior, e temos excesso de população?
c) Qual foi o critério adoptado para chegar a essa conclusão? O tamanho do território, a densidade demográfica, o PIB, o solo arável? Então como será nos Países Baixos, país com um terço do tamanho do nosso território e praticamente a mesma população? É certo que não devemos contar com o constante progresso tecnológico da humanidade. Mas também não devemos subestimá-lo. Não se esqueça do tipo das patentes, que queria encerrar a loja porque tudo o que tinha de ser inventado já tinha sido inventado.
d) Aponta duas soluções para algo que considero não ser um problema: controlar a população ou deixá-la entregue à sua sorte? A meu ver, a última opção é a solução. Temos de nos perguntar o seguinte: qual era o número de habitantes em África, por exemplo, antes da conquista europeia iniciada no séc. XV? E na América? Eles eram ricos, antes disso? Como viviam e se reproduziam? Tinham acesso a meios de saúde, educação e economia como têm agora os ocidentais? O seu crescimento era explosivo? A ideia que me transmitiram é a de que nesses locais viviam povos extremamente pobres, com parcos recursos. E não consta que o seu crescimento fosse explosivo. Pelo menos antes da chegada dos europeus. Se eu fosse cientista, pensaria numa relação causa-efeito e diria que o grande problema do mundo são os ocidentais e que tais tipos deviam ser extintos. Felizmente não sou cientista.
Pedro, Montijo
Num ponto, o Pedro tem razão. Nas áreas de estudo das ciências sociais, mesmo naquelas mais pluridisciplinares, estas questões mais duras e "chãs" dos recursos naturais, não infinitamente elásticos, por mais tecnologia que lhes apliquemos, parece não ser devidamente compreendida, e, por isso, em cadeiras de demografia, de facto, a norma parece ser que o decrescimento da taxa de natalidade é uma tragédia. O problema é que, frequentemente, o raciocínio é feito num quadro de normalidade, em que se têm em conta sobretudo factores de ordem económica (Seg. Social), etc., ignorando-se completamente o quadro mais geral.
Mas a história do lobo não é bem assim. Os alertas de há trinta ou quarenta anos tinham toda a razão de ser, e estamos agora a apercebermo-nos disso de forma cada mais nítida e dramática. O problema é que estamos a falar de um sistema complexo (a biosfera), com grande inércia, com grandes hiatos de tempo entre a acção e a reacção, etc.
A solução não é exterminarmos os velhos, com certeza, mas agir sobre os factores da equação indicada por Carlos Aguiar para ganharmos tempo até que o factor população estabilize e acabe por diminuir.
Caro Pedro,
Fico com a sensação que está a pendurar a mensagem do Rosling a um detalhe da sua apresentação, que é a associação da bicicleta a um estado de desenvolvimento "médio-baixo", enquanto o carro seria "médio-alto". Isto não passa de simbologia.
A apresentação do Rosling parte do princípio que qualquer povo tem a ambição da atingir certos níveis de bem-estar material e, a partir do crescimento populacional mundial que se tem verificado nos últimos décadas, o Rosling procura perspetivar o que vai acontecer, quer queremos quer não.
O Rosling conclui que o crescimento demográfico abrandará em consequência do desenvolvimento económico, e não vice-versa. Não é o abrandamento da taxa de natalidade que vai trazer o desenvolvimento económico.
É legítimo perguntar se há recursos suficientes para proporcionar elevados níveis de riqueza para uma população que se aproxima dos 9 mil milhões de pessoas. Mas não é essa a questão que o Rosling coloca. Ele prevê que iremos chegar aos tais 9 mil milhões se houver condições para proporcionar uma migraçao gradual dos países das camadas "pobres" para as camadas "ricas", caso contrário a população irá aumentar muito mais.
Parece-me indiscutível que a riqueza média per cápita de uma população mundial de 9 mil milhões será superior a uma de 20 mil milhões. Também parece-me claro que a sustentabilidade do consumo de recursos naturais seja igualmente superior no primeiro caso. Por isso é do interesse de todos (ricos e pobres) que se procura encontrar um equilíbrio entre a população mundial e o seu consumo e a mensagem do Rosling é que esse equilíbrio passa por uma aproximação dos níveis de riqueza entre os mais pobres e mais ricos. Por fim, coloca a responsabilidade de encontrar essa solução nos países mais desenvolvidos, devido ao seu avanço em conhecimento e capacidade de inovação.
Reduzir isso à questão se bicicletas são para pobres ou ricos é atirar ao lado do alvo.
Henk Feith
Pedro, novamente,
A população dos Países Baixos aproxima-se dos 17 milhões, por isso quase o dobro da Portuguesa. Informa-se.
No entanto, a população de uma certa área geográfica não depende da sua dimensão administrativa, mas sim da sua base económica de suporte. Podia ter pegado na demografia de Singapura em vez da neerlandesa, mas não passava pela cabeça de ninguém que a densidade populacional da Singapura seria exemplo para o resto do mundo. É natural que áreas mais densamente povoadas dependem para a sua sobrevivência económica das áreas fora da sua parcela administrativa.
A questão da dimensão da população Portuguesa não tem a ver com a sua baixa densidade nas zonas periféricas, mas sim com a sua capacidade de criar riqueza para sustentar o nível de vida que se pretende. E é exatamente o que se está a verificar ciclicamente em Portugal, habituado a vagas de emigração em consequência da dificuldade de criar prosperidade para os seus cidadãos. Se Portugal pudesse suportar uma população muito superior, como sugere, porque razão estamos a assistir novamente a um êxodo dos profissionais mais qualificados da sociedade Portuguesa?
Henk feith
Henk Feith
Parto do princípio que não leu o artigo que lhe indiquei, pois teria percebido que a simbologia é importante, seja neste trabalho como em outro qualquer. Quando se quer explicar seja o que for a terceiros, é costume pegar em exemplos e fazer analogias para que o auditório entenda mais facilmente o que queremos transmitir. Ou, talvez, para que nós consigamos fazer passar a mensagem. Claramente a mensagem é: "carro é sinónimo de riqueza". É verdade, estou a agarrar-me a um detalhe. E, como dizia o outro, nos detalhes é que se faz a diferença. Porque esse detalhe é que tem feito a diferença. Porque esse detalhe faz com que demasiadas pessoas se interroguem sobre se será possível o mundo sustentar todos os seres humanos que querem obter esse detalhe. O mundo terá capacidade para sustentar 9 mil milhões de carros? Isto não é um detalhe, isto é o cerne da questão.
Se associarmos riqueza a carros e telemóveis, penso que é legítimo todas as pessoas desejarem esses bens. O mundo ocidental transmite a ideia que riqueza é sinónimo de bens materiais. E o bem supremo é o carro. Ora, com a excepção dos construtores de carros e do negócio montado à volta dos ditos, duvido que um carro traga riqueza a alguém. Pelo contrário, um carro significa normalmente mais despesa pessoal, logo menos riqueza. No meu caso, desde que me desfiz do carro o meu saldo melhorou substancialmente. Tendo muitos vizinhos a ganhar mais que eu, vou descobrindo que sou cada vez mais rico só porque não tenho despesas com o carro. Eles passam por dificuldades que já não consigo compreender. Passam fome. Literalmente. E as perspectivas não são de melhoras. Mas não prescindem do carro. E não consigo convencê-los a prescindirem do carro, apesar do meu próprio exemplo. Tudo porque a simbologia do carro está profundamente enraizada na nossa sociedade. Carro é sinónimo de riqueza e ninguém quer ser considerado pobre. Eu sou um pobre, que nem carro tem, coitado! Isto, Henk Feith, é simbologia que condiciona as decisões das pessoas.
E, tal como se vê por estes dias, o carro tem um peso demasiado excessivo nas despesas de uma comunidade. E nos impactos sobre o nosso ambiente. Este é o alvo. O alvo é se será possível sustentar um mundo com 9 mil milhões de carros. Portanto, a comparação entre ricos e pobres utilizando um carro e uma bicicleta é tudo menos inocente. Porque esta ideia é que devia ser combatida. Este paradigma da riqueza material é que devia ser combatido. Se o paradigma da riqueza fosse o pão, habitação, saúde e educação (isto soa vagamente a comuna, Carlos Aguiar? :) ), será que o mundo gastaria tantos recursos? Se o paradigma do carro desaparecesse e fosse substituído pelo paradigma da bicicleta, com o consequente abrandamento de gastos com a "mobilidade", diminuindo assim a pressão sobre os recursos existentes, estaríamos aqui a discutir se o mundo teria recursos para sustentar 9 mil milhões de bicicletas? Isto é só um exemplo. Outro exemplo, afirmam que vivemos em crise, mas as pessoas, penduradas num símbolo, continuam a exigir mais e melhores acessos. Isso significa mais e mais estradas, enquanto a nossa rede ferroviária continua a minguar. Este tipo de política não tem importância nesta discussão? Não é este tipo de política que impõe pressão sobre o ambiente e o nosso bem-estar? Porque, como muito bem diz, as consequências destas decisões não são confinadas aos locais onde se tomam. Se Rosling tivesse utilizado, como comparação, os acessos ao sistema de saúde de ricos e pobres, penso que não estaríamos aqui a ter esta discussão. Porque, talvez, é pura especulação, o mundo tem capacidade para cuidar na doença 20 mil milhões de pessoas.
Pedro, Montijo
Henk Feith
De facto fui informar-me. E eu estava enganado, claro. Não percebo esta minha fixação em considerar as populações portuguesa e neerlandesa como essencialmente iguais em termos numéricos. Falhava redondo num qualquer concurso de cultura geral.
Mas esta busca por este tipo de conhecimento levantou outras objecções, além das que já apontei. Por exemplo, a veracidade da afirmação de que a natalidade nos países ricos é inferior à dos países pobres. Tudo depende da manipulação matemática que se pretende fazer. Por exemplo, comparemos a evolução da população entre os Países Baixos, a Bélgica e Portugal, entre 1980 e 2010. Tenho a ideia que, por ordem de riqueza, primeiro são os Países Baixos, depois a Bélgica e depois Portugal. Nos Paises Baixos a população cresceu a um ritmo de 20,42 %, em Portugal a 8,98 % e na Bélgica a 5,92 %. Então, o país com maior desenvolvimento económico tem um crescimento demográfico superior aos outros dois, mais pobres. Em clara contradição com a sua afirmação.
Comparemos agora os EUA, o Canadá, Cuba e a Coreia do Norte. Canadá 44,00 %, EUA 41,14 %, Coreia do Norte 36,67 % e Cuba 19,55 %. Mais contradições. Quem é o mais rico e quem é o mais pobre? E todos estes últimos países, demograficamente, cresceram mais que Portugal e Bélgica. E os Países Baixos "só" ficam à frente de Cuba.
Até a Austrália bate estes todos: 51,35 % de aumento. Coitados, devem ser mesmo pobres lá na Austrália!
Contas simplistas feitas em cima do joelho. Mas que contrariam fácil tal tese de ligar o crescimento demográfico com a pobreza.
Enfim, tão simplistas como a sua conclusão acerca dos motivos pelos quais tantos portugueses demandam outras paragens. Há muitos brasileiros que procuram estas paragens. E o Brasil é um país de imensas riquezas. Porque razão eles vêm para cá? Será que a política que condiciona a distribuição de riqueza não conta nestas contas?
Pedro, Montijo
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