sábado, julho 02, 2011
A terra a quem a trabalha
Um destes dias numa conversa com quem lidou de perto com o assunto, disseram-me que quem despoletou as ocupações de terras no Alentejo não foram exactamente os trabalhadores (nem o PC) mas sim os alugadores de máquinas/ seareiros.
A coisa explica-se facilmente. Havia no Alentejo uns manageiros, mistos de angariadores de ranchos de seareiros e capatazes, que com a mecanização acabaram por comprar umas máquinas e fazer as searas quase sozinhos com a família.
O negócio destes homens, para além de alugar máquinas, consistia em alugar searas que faziam nesse ano.
Ora algum tempo antes do começo das ocupações começou-se a falar na lei do arrendamento rural, muito defensora dos fracos e oprimidos, como era normal da altura, pelo que se falava em serem obrigatórios arrendamentos por 25 anos.
Chegados ao Outono ninguém alugou searas a estes homens, com medo que a tal lei os obrigasse a considerar o contrato anual de arrendamento, que era habitualm, como válido por 25 anos.
Estes homens viram-se sem meios de sustento de um momento para o outro e deram origem às primeiras ocupações de terras e o resto é história.
Falo nisto porque me parece que a ideia de que a terra deve ser de quem a trabalha continua a ser uma boa ideia.
O que muda, pelo menos na minha cabeça, é a noção do que é trabalhar a terra.
O empresário que arrisca e faz as uvas do Vale da Rosa, o Roquette que faz o Esporão, a Sovena que faz olivais, o Thomas que guarda (enfim, guardava) cabras, fazem parte dos que trabalham a terra.
Depois há os milhares que abandonam ou são rentistas.
Em relação aos rentistas, enfim, podemos discutir, mas em relação aos outros é aplicar o velho princípio da terra para quem a trabalha.
É por isso que estou farto das conversas sobre o cadastro e por aí fora.
Se em vez de um cadastro fizessemos uma segunda reforma agrária era mais rápido, mais útil e, provavelmente, mais justo.
henrique pereira dos santos
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8 comentários:
Olá Henrique,
Sobre despoletar, vide:
http://linguamodadoisec.blogspot.com/2008/03/sobre-o-verbo-despoletar.html
És longe de ser o único. É dos erros linguísticos mais comuns.
Um abraço,
Henk
Não percebo o post, parece-me haver uma contradição.
Primeiro fala daqueles proprietários que abandonam a sua terra, depois diz que essa terra deve ser dada a quem a trabalha.
Ora muito bem, se a terra está abandonada, isso quer dizer que não há quem a trabalhe, não é? Portanto, não há ninguém a quem a dar...
Eu falo da situação que conheço na região onde tenho propriedades. Algumas delas estão abandonadas. é certo. Mas, se estão abandonadas, é porque ninguém as quer trabalhar, não é porque eu proíba que as trabalhem, ou, sequer, porque exija uma renda!
O facto é que em Portugal as terras estão abandonadas pura e simplesmente porque ninguém as quer trabalhar. E ninguém as quer trabalhar porque, pura e simplesmente, não dá lucro (suficiente) trabalhá-las.
Luís,
Isso não é exactamente linear.
Na Idade Média, por vicissitudes várias, incluindo a reconquista, havia muitas terras por trabalhar. Havia um sistema de distribuição de terras (semelhante aqui e em Espanha, como é natural) que era usado para povoar terras ermas: delimita-se o concelho, dividia-se em seis (se não me engano, já li isso há algum tempo e não tenho tempo para ir verificar) e depois havia uma série de regras de distribuição pelos moradoras.
Uma das regras principais era exactamente a de que tendo as terras sido entregues mas estando de maninho, elas poderiam voltar à base e ser redistribuídas (o sistema era simples, bastava um edital e um ano de espera).
Redistribuídas a quem as quisesse trabalhar.
Acredito que em muitos sítios seria possível isso acontecer. Por exemplo, como considero a não gestão uma das hipóteses de gerir, poderia ser interessante para algumas ONGs (desde que o caderno de encargos da não gestão fosse bem claro). Outro exemplo, um conjunto alargado de imigrantes que poderiam ter as suas licenças de residência ao fim de algum tempo e que não têm capital de investimento. Outro exemplo, alguns investidores cuja actividade no sector primário é sustentável mas não paga o capital necessário para comprar a terra.
As tuas terras (como as minhas) estão a monte porque tens rendimentos de outro lado e no modelo de exploração que te seria possível explorá-las elas não dão.
Mas noutro modelo de exploração podem ser.
Henk,
Visto o último comentário do link que mandaste? O que fala em desesperar e desperar? Obrigado, a questão nunca se me tinha posto mas não fiquei convencido. Nunca vi, escrito ou falado, um único exemplo do uso do verbo com o sentido atribuído de forma erudita. Assim sendo, registo, fico à coca, mas não convencido, para já.
henrique pereira dos santos
A reforma agrária são várias e cada situação é uma situação específica. Talvez nalguns locais (e duvido que os 1ºs)tenha sido a motivação que indicas, mas noutros foram os trabalhadores, com os sindicatos a liderar, ié o PCP, e nalguns casos uma barramunda (Torrebela), e noutros casos (em Barrancos) tiveram que ir batalhões de sindicalistas de Beja que as terras... não eram ....ocupadas!pelos locais.
A reforma agrária foi na maioria dos locais feita sem máquinas (as que havia eram as roubadas) e com lógicas de trabalho e emprego intensivo (recordo de estar a apanhar tomate e ao mesmo tempo o pulverizador de pesticidas em cima dos voluntários e trabalhadores, em Alvalade Sado)e em vários locais que visitei não me deparei com essa situação (o que não quer dizer que pontualmente não existisse, aliás em vários locais havia aluguer pelo menos de máquinas,,, ou a notável discussão em Torrebela sobre se o machado do trabalhador era dele ou da cooperativa!!!).
Outra é a questão que o Luís levanta. Julgo que só se poderá dar uma solução num quadro mais global de valorização do mundo rural (e muitas ideias que tens vindo a desenvolver) mas para a qual a questão da posse da terra não deverá senão ser um condicionante (ou condicionada) pelo seu uso (ou não). Há muitos parametros e um deles é a desvalorização social permanente do trabalho da terra e o sistema subsidiocrata e de segurança social (só há tosquiadores ao fim de semana, porque durante a semana picam no desemprego e não podem trabalhar!, ou seja temos que ir contratar uma quadrilha a Espanha).
Bom aqui fica este desabafo,
Saudações
António Eloy
António,Torrebela, batalhões de sindicalistas são a segunda vaga, já cavalgada pelo PC, mas não terão sido, de acordo com a visão que me foi transmitida e que é de quem esteve no meio do turbilhão, a mola inicial.
A história assentará um dia, mas a hipótese que me levantam é interessantes, mesmo que não seja totalmente exacta.
assim sem perder tempo cheguei aqui procurando por palavras chave e a leitura é consistente com o que me contaram
:http://cafeliterario.blogspot.com/2004/08/reforma-agrria-terra-quem-trabalha.html
henrique
Henrique, o cadastro é um instrumento, está a montante das políticas e dos códigos; nada mais do que isso. Dispor de um cadastro, de nada serve, sem dar um destino ao cadastro deferido, sem rever a lei dos baldios, sem uma política que ordene as mais-valias fundiárias, sem uma avaliação da qualidade da terra e sem uma fiscalidade da propriedade imobiliária (socialmente) eficiente. Por outro lado, de que serve andar a gritar aos quatro ventos que é preciso voltar à terra, produzir, diminuir a dependência alimentar do exterior, e por aí adiante, se não se sabe a quem pertence a terra? É o mesmo que pedir o combate à evasão fiscal e, simultaneamente, não autorizar o cruzamento de bases de dados.
Portugal dispõe de um parcelário actualizado – os famosos P1 e P3 – que apenas pode ser usado para fins de subsídios e políticas agrícola que, no entanto, poderia facilitar, e acelerar, a construção de num cadastro fundiário actualizado. Hão-de o quer fazer de raiz, com equipamentos de ponta que falham à primeira corrente ar, e o dinheiro faltará a meio do processo. Entretanto, entre 1/4 e 1/3 das propriedades está registada em nome de defuntos. E o Estado, para se financiar, aumenta os impostos a quem trabalha e despreza uma enorme fonte de renda que é a propriedade rural, e ao omiti-la impede uma regeneração da produção de riqueza no mundo rural.
A história que nos contas é muito interessante; não a conhecia. O receio dos terratenentes alentejanos antes de 74 é o mesmo que explicará o insucesso dos bancos de terras que a Srª Ministra da Agricultura, pelos vistos, pretende desenvolver. Qual é o proprietário que está bem na vida, professor universitário, funcionário público ou com uma profissão liberal bem remunerada, que se arrisca a dizer o que tem e a expor-se às volatilidades intrínsecas das políticas?
Não é a primeira vez que o Luís Lavoura defende que o abandono das terras [agrícolas] se deve ao facto de ninguém as querer trabalhar. É verdade, não se cultivam porque não dão lucro. Mas não dão lucro porque são pequenas, encravadas e caras. Há muita gente com capital com vontade de investir em terra e fazer agricultura, nos sítios mais remotos até.
Criem-se condições para isso.
É preciso entender que a estrutura da propriedade e as regras fiscais e civis actuais a ela dirigidas se referem a uma sociedade rural fechada ao exterior, auto-suficiente … que já não existe. Portanto, não se pode querer que tudo fique na mesma e que, mesmo assim, seja possível ter uma agricultura economicamente viável e socialmente satisfatória para quem a pratica (a desvalorização social da agricultura troca-se por dinheiro).
As pessoas que mantêm actividades profissionais em nada relacionadas com a agricultura têm que ser desapossadas: “ a terra a quem a trabalha”. Manter umas courelas na aldeia sem as alugar ou lhes dar uso é, no fundo, um uso especulativo da terra porque o solo abandonado não perde qualidades, bem pelo contrário, fica mais fértil.
Não estou a ver o CDS a confrontar os seus próprios apoiantes e a facilitar o acesso à terra a quem a deseja trabalhar; vai ficar tudo na mesma.
Carlos,
Que o cadastro é uma coisa intrinsecamente boa como a estatística, estamos de acordo.
O que estou a propôr é a maneira inversa de o fazer: terra não trabalhada e que seja reclamada seja por quem fôr para a usar num projecto produtivo (onde incluo projectos de conservação que impliquem não gestão) é objecto de um edital e quem quiser que se chegue á frente a dizer que a terra é dele e as extremas são estas e aquelas. Ao Estado basta ter um funcionário por câmara municipal para ir com o dono e um GPS registar o que ele diz.
É um instante enquanto ficas com um cadastro, um monte de problemas e incongruências para resolver (mas muito menor que o que existe hoje) e libertas terra (mesmo que por períodos determinados no caso de susbsistirem dúvidas) para projectos reais de gestão.
Quanto aos baldios, para mim a coisa é simples: contas entregues todos os anos nas finanças e auditadas por um técnico oficial de contas. Sem isso não há gestão do baldio pelos compartes. Mesmo que fosse o Estado a suportar os custos dos técnicos oficiais de contas, o que ganhava era muito mais que o que gastava.
henrique pereira dos santos
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