Sim, eu sei que é de mau gosto glorificar uma crise que provoca problemas sérios a quem tem pouca capacidade de se defender e nenhuma, ou quase nenhuma, responsabilidade na crise.
Mas notícias como esta devem fazer-nos olhar para os aspectos positivos da crise: durante anos os impostos de todos nós, incluindo os dos mais pobres de todos, financiaram a classe média lisboeta nas suas idas à praia de carro. Dito de forma mais clara e demagógica, os pescadores de Rabo de Peixe estiveram a contribuir para que os médicos, advogados e arquitectos lisboetas fossem de carro para a praia.
Eu sei que a justificação (teórica, sem nenhuma avaliação empírica) sempre foi a diminuição do congestionamento nas portagens, que sairia muito caro ao país no consumo de combustíveis e horas de trabalho perdidas. Mas também sei que nunva vi um privilégio ser defendido sem uma justificação racional.
Vejamos esta outra notícia, que também é recente. E de repente percebemos que as borlas na ponte sobre o Tejo, e a manutenção de portagens baixas negociadas por um tal Jorge Coelho para evitar a contestação popular, não têm só o sobrecusto de medidas compensatórias para a Lusoponte, presidida por um tal Ferreira do Amaral. Têm também um sobrecusto na baixa utilização de transportes públicos. Hoje, mesmo em dias de praia, o barco de Belém à Trafaria, que faz uma viagem muito agradável, com horários muito bem coordenados com autocarros que podem deixar as pessoas nas praias da Caparica, anda vazio, ao contrário do que acontecia há uns anos (sim, é certo que a estação fluvial de onde partem os barcos está muito mal servida de transportes públicos, excepto para quem viva sobre a linha de Cascais).
Uma coisa é um enriquecimente relativo das pessoas, que faz com que muitas mais pessoas tenham carro e o possam usar nas suas idas para a praia. Isso até pode ser insustentável mas é bom, representa uma melhoria na qualidade de vida das pessoas.
Outra coisa substancialmente diferente é andar a tirar dinheiro aos pastores da serra da Estrela, aos pescadores de Rabo de Peixe, aos manageiros de Beja, para facilitar a vida da burguesia lisboeta nas suas deslocações automobilísticas à praia.
E por isso, nesse aspecto, bendita crise que se trouxer alguma racionalidade, equidade e bom senso ao uso do dinheiro dos contribuintes.
henrique pereira dos santos
19 comentários:
Henrique, não vou discutir aqui os negócios da Lusoponte, mas quero rebater um argumento que no mínimo me parece falacioso: a burguesia lisboeta paga infinitamente mais impostos (em absoluto e em proporção) do que os pescadores de Rabo de Peixe ou os pastores da Serra da Estrela. Estes últimos (e não questiono isso) é que vivem em grande parte do Rendimento Social de Inserção e outro tipo de subsídios que resultam do esforço fiscal dos habitantes de Lisboa e Vale do Tejo (LVT). Apenas a área metropolitana de Lisboa que constitui 3,2% do território nacional e onde reside 27% da população contribui com 37% do PIB. Se considerarmos a região de LVT esse contributo sobe para 44%.
Alexandre Vaz
Alexandre,
Não percebo em que é que o teu argumento rebate o que quer que seja do que eu disse.
Mesmo que 90% dos impostos venham de Lisboa (e teríamos de ver o que resulta de riqueza produzida em Lisboa e o que resultado do sistema de afectação dos impostos à sede das empresas que faz com que grupos económicos inteiros, com investimentos e criação de riqueza pelo país inteiro, como as celuloses, para dar um exemplo claro, sejam contabilizados em Lisboa, que é onde estão as sedes das empresas), mas mesmo que 90% fosse proveniente de lisboa, continuariam a existir 10% de gente que não tem nada com isto a financiar a ida à praia de carro da burguesia lisboeta. Ainda pensei que fosses contestar o que disse lembrando que há muita gente que não é burguesia a beneficiar deste sistema, o que é verdade.
Agora contestar porque só 10% dos impostos vêem de gente sem interesse no assunto e sem dinheiro parece-me um argumento fraco para responder à pergunta essencial: há alguma razão para essa gente pagar um cêntimo que seja das borlas nas portagens?
Já agora, não te esqueças que sempre que estas pessoas compram pão, arroz ou copos de vinho estão a pagar impostos.
O argumento de que dão prejuízo ao Estado porque recebem mais que o que pagam não invalida a pergunta: ma do que pagam, por pouco que seja, que justificação existe para que seja usado a financiar gastos supérfluos de quem tem muito mais dinheiro que eles?
henrique pereira dos santos
De facto a isenção de portagens em Agosto não faz qualquer sentido (a não ser do ponto de vista político). Aliás, contrariamente ao que foi escrito nalgumas notícias, Agosto nem sequer é o mês com maior tráfego - o relatório de tráfego do INIR (disponível em http://www.inir.pt/portal/LinkClick.aspx?fileticket=IIaSVu%2fLd9A%3d&tabid=142&mid=546&language=pt-PT, ver página 5 do ANEXO) permite-nos ver que em 2010 o tráfego em Agosto foi menor que em Julho e só marginalmente maior que o de Junho ou Maio.
Além disso, fica por provar que o tráfego que se regista em Agosto seja composto maioritariamente por lisboetas que vão para as praias da Costa (que eu saiba não há estudos sobre isso).
Quanto ao Metro Sul do Tejo, não creio que a sua baixa utilização tenha a ver com a existência ou ausência de portagens (no Porto também foi recentemente encerrada a ligação ferroviária a Leixões, que quase não tinha passageiros e aí o problema das portagens nem sequer se colocava). A taxa de utilização do MST é baixa por uma razão muito simples: as pessoas querem andar de carro - o resto é folclore. De resto, sou da opinião que os estudos de tráfego do MST terão pecado por excesso de optimismo, caso contrário o projecto dificilmente teria ido avante, pois creio que rapidamente se concluiria pela sua insustentabilidade.
Gonçalo Elias
pois é verdade, a maioria da população(pescadores ou não) de Rabo de Peixe vive do RSI, mas isso não retira toda a razão (independentemente das contas do Alexandre reenquadrarem a questão do sistema de impostos, e desmontarem o velho argumento que em Lisboa não se trabalha) ao Henrique.
O não pagamento da ponte (e também das SCUTs) e de outros serviços localizados pelos seus utentes é contrário a toda e qualquer lógica de sustentabilidade economica e de coesão política e social.
António Eloy
O barco de Belém para a Trafaria pode ter excelentes conexões da Trafaria para as praias, mas em Lisboa as suas conexões são péssimas.
Eu por exemplo, estando no centro de Lisboa, para me pôr na Trafaria demoro uma hora. Ora, em menos do que isso ponho-me na praia do Tamariz!
Se o barco para a Trafaria partisse do Cais do Sodré, aí sim, poderia ser uma opção.
Eu diria que o argumento do André Vaz faz todo o sentido: se 90% dos impostos forem cobrados numa região do país, nada tem de mal que 90% das despesas do Estado sejam feitas nessa mesma região, nem as restantes regiões se podem queixar de estar a financiar essa região do país, dado que 90% dos impostos provêem dela e não das outras.
Luís, não é de uma questão regional que estou a falar. O que pergunto é que razão existe para 10% dos impostos dos mais pobres (podem ser o mais pobres de Lisboa, se te incomoda Rabo de Peixe, que escolhi por ser a frequesia mais pobre do país) irem parar ao financiamento de bens superfluos dos mais remediados. Essa é a questão, o resto é conversa.
Não há uma única razão para que os impostos dos mais pobres em algum momento financiem os mais ricos.
O que significa que os que podem devem pagar os bens que consomem (sejam portagens, saúde, educação) dentro de níveis razoáveis e que os impostos de todos devem ser usados parcimoniosamente: nos bens de interesse geral (justiça, segurança, negócios estrangeiros, defesa, conservação do património e por aí fora) e no apoio ao acesso dos mais pobres a bens essenciais (a paz, o pão, a habitação, saúde, educação, para citar o Sergio Godinho).
Parece-me evidente que os impostos, sendo dos contribuintes, devem ser gastos onde os contribuintes quiserem, eu estou simplesmente a explicar qual é a minha ética nessa decisão.
Se os contribuintes quiserem o Estado a pagar lagosta aos contribuintes mais contribuintes, pois que assim seja: eu cá sou democrata, e até como sardinhas e até as como da lata (sérgio godinho, outra vez).
Desde que, evidentemente, se seja claro que é isso que se está a fazer, e não a comprar lagosta para quem não precisa, justificando com a carências alimentares dos que não comem peixe.
henrique pereira dos santos
Os impostos são cobrados e devem ser usados numa lógica nacional e não em qualquer lógica "nacionalista" ou "regionalista", completamente ao arrepio da lógica da sua cobrança.
Essa deve servir o todo, sendo que ainda por cima no caso de Lisboa esses são numa parte resultantes da sede das empresas que produzem em Oliveira de Azemeis ou Penacova estão com sede em Lisboa e é aqui que pagam impostos...
Outra é, do meu ponto de vista a questão deste post do Henrique, a que junto a questão das scuts de borla, a inqualificável borla da ponte que todos pagamos (eu aqui em Barrancos não tenho estradas decentes e também pago impostos para isso... e não para uns gozarem umas borlas).
Utilizador/pagador parece-me dever ser a lógica...sendo que não descortino nenhuma para este Agosto, na ponte (e devo dizer que terei que pagar 8/10 vezes porque é em Agosto que venho mais a Lisboa)
AEloy
Fazem sentido a fiscalização do estacionamento ilegal, a eliminação do estacionamento gratuito nos centros, bem como as portagens nas SCUT e nas pontes.
Mas estas medidas e mesmo as suas receitas devem sempre ser associadas a melhorias na intermodalidade e conveniência dos transportes colectivos.
Curiosamente assistimos a casos como a instalação de portagens nas SCUT A28 e ao mesmo tempo ao encerramento do serviço ferroviário Porto-Vigo, por manifesta falta de vontade política.
Não existe uma estratégia coerente para a mobilidade.
Henrique, vou tentar explicar: concordo que em princípio é estúpido não cobrar portagens em Agosto apesar de não conhecer os padrões de tráfego e de não saber sequer qual a fundamentação exacta para a adopção dessa medida. Admito que possa ter a ver com o objectivo de redução do tempo de espera na travessia da ponte que afecta não apenas quem vai à praia, mas também quem trabalha. Mais, ambientalmente a redução das emissões resultantes do "para-arranca" na fila para a ponte, num mês especialmente sensível também pode pelo menos em teoria ser uma vantagem. Ainda assim, não é nada disto que queria debater.
Estava-me apenas a referir à leitura que fazes do contributo fiscal das populações mais carenciadas. Por um lado não deves passar por cima do facto do sistema fiscal ser um esquema de redistribuição de riqueza, e como tal, quem paga 10 e recebe 20 na realidade não só não está a pagar nada, como ainda está a receber. Depois, a tua linha de raciocínio parece aproximar-se perigosamente da ideia do "utilizador-pagador". Ou seja, quem vai à praia que pague a gestão e manutenção da ponte. Nesse caso seria legítimo que os Lisboetas se queixassem de pagar infraestruturas no interior de que nunca usufruem. Depois considerar as idas à praia supérfluas também me parece perigoso. O que dizer das idas ao museu, a concertos, a recintos desportivos e a áreas protegidas? Tudo supérfluo?
Alexandre Vaz
Alexandre,
No comentário anterior deixei um link para o site do INIR onde estão dados de tráfego que desmontam a ideia de que o tráfego em Agosto é superior ao dos outros meses do ano; assim, o argumento de que é um mês "especialmente sensível" não encontra correspondência na realidade actual.
Quem paga dez e recebe vinte, paga dez.
Esses dez continuam a ser dinheiro dos mais pobres de todos, por isso, quando a sociedade se apropria desse dinheiro através dos mecanismos dos impostos deve ser especialmente criterioso na forma como os gasta (não há nenhuma razão de princípio para presumir que o Estado sabe melhor que o próprio onde gastar esses dez).
O que evidentemente me faz defender, não aproximar-me, mas defender com unhas e dentes, o princípio do utilizador/ pagador, reservando o dinheiro tirado aos contribuintes para o que ninguém paga: segurança, defesa, negócios estrangeiros, defesa do património, justiça e garantia de acesso a bens essenciais por parte dos que não têm suficiente para pagar.
Desse ponto de vista claro que não incluo as idas a museus, concertos ou futebol nos bens essenciais que o Estado deva pagar aos particulares.
O preço dos bens, de todos os tipos de bens, incluindo acesso, deve estar bem estabelecido e deve ser pago pelos utentes.
O Estado (a sociedade através do mecanismo do voto) pode decidir que ao acesso a alguns desses bens deve ser pago pelo EStado (o que é diferente de subsidiar o preço) a grupos de utilizadores concretos: o sistema escolar em relação a alguns, alguns tipos de doentes, em relação a outros, algumas origens geográficas, em relação a outros e por aí fora.
O que precisamos de fazer é discutir em cada momento por que razão o dinheiro dos mais pobres está a financiar em concreto cada grupo de utilizadores.
A conversa dos que trabalham a propósito da ponte não me convence: mudem de casa que já não têm esse problema. A que propósito do dinheiro dos mais pobres deve financiar quer a construção, quer a destruição de emprego na margem Sul, que é o que faz a ausência de portagem a preço real?
henrique pereira dos santos
Por acaso tiveram em conta que não é preciso passar pela ponte 25 de Abril para ir para o Algarve? A ponte é usada, em Agosto, para ir para a Costa que não me parece que seja frequentada propriamente pela "burguesia lisboeta". Negócios com a Lusoponte à parte.
A burguesia lisboeta, mesmo em agosto, vai muito à costa. Menos a grande burguesia, mais a pequena burguesia, mas vai a escala toda da burguesia (eu sou a demonstração disso).
henrique pereira dos santos
Henrique, confesso que fiquei curioso de saber mais sobre o teu posicionamento perante a lógica do "utilizador pagador". Gostava até que um dia pudesses escrever sobre isso (é provável que até já o tenhas feito).
Passaste por cima do meu argumento dos equipamentos vários que têm sido construídos nomeadamente no interior do país, onde a população tende a ser cada vez mais rarefeita, e que são não só financiados pelos contribuintes do litoral como também de outros países europeus. Falo de infraestruturas rodoviárias, equipamentos desportivos e culturais, entre outros...
Depreendo também das tuas palavras que sejas avesso ao apoio estatal à produção cultural?
alexandre vaz
Eu pergunto-me é se faz efectivamente algum sentido pagar portagens na ponte 25 de Abril - exceptuando a negociata feita com a Lusoponte, claro. É que a única alternativa "gratuita" é a travessia em Vila Franca de Xira...
A falácia do controlo das entradas de veículos em Lisboa nem carece de ser desmontada. Acabem com o estacionamento na Cidade e as pessoas deixam de levar os pópós para todo o lado. Falta é coragem para tomar medidas duras e realistas.
O que devia preocupar o Henrique Pereira dos Santos era a razão pela qual os moradores da margem sul do Tejo terem de pagar ponte 11 meses do ano. A questão é essa!!
O que nos devia preocupar a todos é o chamado Metro do Sul do Tejo: um projecto megalómano, caro, sem utilidade e tecnicamente mal concebido! O que devia irar toda a gente é porque razão aquele metro de superfície foi concebido para transportar passageiros dentro do concelho de almada quando a maioria da população viaja para fora do concelho, nomeadamente Lisboa.
A questão do pagamento de portagens no mês de Agosto é um pormenor....
Muito obrigado por me avisar que só as pessoas que moram na margem Sul é que pagam, que os malandros da Lusoponte nunca me avisaram. Na próxima vez que passar na prtagem mostro o cartão de cidadão para verem a morada, em vez de pagar.
henrique pereira dos santo
Eu sou do tempo (adoro frases como esta) que se viam sempre dezenas de pessoas a pedir boleia à saída da Praça de Espanha para ir para a Caparica.
Eu contra mim falo, mas a nossa sociedade tem carros a mais e novos demais. Vivemos completamente fora das nossas possibilidades.
Luís, demoras a chegar a Belém uma hora se fores de transportes. Mas podes ir de carro. A viagem pode ser mista. Não tem é que ser necessariamente de carro até ao fim.
Rui Pedro Lérias
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