quarta-feira, janeiro 18, 2012

Boas notícias para a sustentabilidade


O trabalho jornalístico é mau, não só por dizer o contrário do que qualquer pessoa pode ler na ilustração, como por não fazer ressaltar a novidade dos lacticínios serem, pela primeira vez, ao que julgo, apontados como alimento a usar com moderação.
Cheguei a esta notícia via facebook do Artur Gil
henrique pereira dos santos

5 comentários:

Manuel Silva disse...

Caro Henrique,

A questão dos lacticínios serem potencialmente problemáticos de um ponto de vista alimentar é já muito antiga, já com algumas décadas. É um lugar-comum serem apontados como bastante nocivos nos meios mais próximos a diferentes correntes do vegetarianismo. E uma opinião que tem ganhado terreno nos últimos anos.
De facto, existe uma bibliografia muito extensa acerca desta questão, e têm constituído elemento de acesa polémica entre profissionais e investigadores da nutrição.
A nível institucional, sim, é verdade que a questão não tem sido problematizada. Mas são questões que mexem com imenso dinheiro e sectores económicos muito estabelecidos (como os da carne e do leite) e as recomendações nutricionais que partem de agências governamentais têm tipicamente lidado com enorme pressão por parte de "lobbies" associados aos diferentes sectores ambientais. No caso dos EUA e da França, por exemplo, o sector dos lacticínios tem sido particularmente activo em procurar impedir que se recomende institucionalmente um consumo reduzido dos mesmos. Aliás, esta é precisamente uma das críticas desta proposta da U. de Harvard relativamente às recomendações do "My Plate".
Quanto ao facto de estas recomendações terem importantes implicações para a sustentabilidade, sem dúvida, mas foi o que lhe procurei dizer há um ano a propósito das críticas que teceu aquando da criação do PAN. Quando lhe disse que apesar de todos os defeitos das propostas do PAN que ""há regimes alimentares mais sustentáveis do que outros, e fará sentido haver promoção institucional e estatal nesse sentido", a sua resposta foi que "Não é verdade que existam regimes alimentares melhores que outros mas sim formas de produção melhores que outras, mas não estou interessado que isso me seja imposto partindo de ideias fechadas do que é melhor para mim."
Independentemente da questão da imposição, que é toda uma outra discussão que entra em complicadas questões acerca dos limites da agência individual (e eventual orientação da mesma através da educação para uma maior sustentabilidade), a afirmação pareceu-me tão errada que preferi não continuar a discussão. Mas felizmente parece entretanto ter mudado um pouco de opinião.
A discussão das relações entre aquilo que se considera saudável a nível individual e colectivo merece continuada atenção e reflexão. Tem sido, para mim, uma renovada motivação para fazer melhor por mim e pelos outros constatar as imensas pontes e sobreposições entre aquilo que parece ser sustentável e o mais saudável para o indivíduo e aquilo que, no que depende do nosso comportamento, parece ser o mais sustentável para a globalidade da biosfera.

Cumprimentos cordiais,

Manuel Silva

Manuel Silva disse...

Nota: onde se lê "sectores ambientais" deve ler-se "sectores alimentares".

Henrique Pereira dos Santos disse...

Manuel Silva,
Obrigado pelo seu comentário, mas lamento desiludi-lo num ponto: não mudei de opinião sobre o assunto da sustentabilidade dos regimes alimentares per si. Já nessa altura eu advogava, como advogo, uma redução do consumo de carne (e lacticínios) mas entre uma soja industrial ou um leite de cabra criada no monte não tenho a menor dúvida de que é muito menos impactante o regime alimentar com base no queijo de cabra no monte. O que é relevante neste caso é que uma coisa é discutir os regimes alimentares de cada um, outra é propagar ideias erradas sobre as formas de obter determinados componentes alimentares, como é o caso das proteínas (onde as plantas eram claramente desvalorizadas classicamente) e dos lacticínios, porque essas recomendações implicam pressão acrescida para consumos maciços de alguns alimentos, o que implica a sua produção em regimes intensivos.
Mas sim, há muito mais pontes entre o que dizemos que divergências.
henrique pereira dos santos

Manuel Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Manuel Silva disse...

Caro Henrique,

Concordo consigo em relação ao exemplo do queijo de cabra e da soja industrial.
Mas repare que o conceito de regime alimentar não abrange só a tipologia (em 1º grau) dos alimentos. Pode incluir também o tipo da sua produção (por ex. produção intensiva vs. produção biológica/ou permacultura), a sua proveniência geográfica (produtos locais vs. produtos importados e "exóticos"), e proveniência sazonal (produtos da época vs. produtos fora da época produzidos ou noutros climas ou localmente através de climatizações artificiais). Ou seja, importa ter em conta que quando se discute regimes alimentares, seja ao nível individual e colectivo, também se inclui (ou deve-se incluir) este tipo de factores, sendo que não são só questões de mais ou menos carne ou peixe ou legumes e as formas como os diferentes componentes devem ser combinados. (por exemplo, um regime alimentar poderá definir-se por incluir carne mas assumir exclusividade por produtos locais e da época, ou apenas bio, etc. as combinações possíveis são várias) E estes factores também tem claras implicações para a sustentabilidade.
Uma outra questão é que os regimes alimentares de cada um dependem, em parte, da propagação das ideias acerca das formas de obter determinados componentes alimentares, e vice-versa, o que mais uma vez estabelece relações entre sustentabilidade e os regimes alimentares.
Finalmente, parece-me que pessoas mais saudáveis e bem nutridas, — não apenas através das suas escolhas de consumo e dos respectivos estilos de vida num sentido mais lato (por ex. menos tendência para sedentarismo, mais mobilidade física e menos dependência de transportes motorizados), mas também pelo impacto diferente que têm ao nível da necessidade de gastos relacionados com a saúde —, contribuem tendencialmente mais para a promoção de sustentabilidade (num sentido holístico) do que o contrário.

Cumprimentos,

Manuel Silva