"O superdistrito Zezerense situa-se no andar mesomediterrânico sub-húmido, onde ocorrem os sobreirais climatófilos do Sanguisorbo-Quercetum suberis e as suas etapas subseriais: Phillyreo-Arbutetum unedonis viburnetosum tini, Erico australis-Cistetum populifolii e Halimio ocymoidis-Ericetum umbellatae. No mesomediterrânico superior subhúmido a húmido assinala-se o carvalhal Arbuto unedonis-Quercetum pyrenaicae genistetosum falcatae, a sua orla Vincetoxico nigri-Origanetum virentis e o respectivo mato de degradação Polygalo microphylii-Cistetum populifolii (Costa et al., 1998)." (citando "Castelo do Bode: Uma nascente para a vida", volume I de um conjunto de cinco livrinhos que o meu amigo João Paulo Almeida Fernandes me deu em troca de uma palestra aos alunos dele, e que é um conjunto de livrinhos interessante, resultante do BB da EPAL).
Traduzindo, se consegui perceber bem, no vale do Zêzere há sobreirais e matos de medronho, urze e esteva nas zonas mais quentes e secas, e carvalhais de pirenaica e matos de genistas e coisas que tais nas zonas mais altas e húmidas.
Os meus amigos da fitossociologia estão tão viciados em línguas mortas, como o latim, que já não conseguem escrever para os vivos.
E depois queixam-se de que ninguém lhes liga e a sociedade não percebe a utilidade de investir em conhecimento da sua biodiversidade.
Não me parece que tenham razão. Também ninguém entende a bruxaria mas é um negócio rentável e em crescimento cuja utilidade a sociedade não questiona.
Provavelmente à fitossociologia só lhe falta mesmo prometer a felicidade ao virar da esquina, porque no resto está perfeitamente ao nível das restantes ciências ocultas.
henrique pereira dos santos
25 comentários:
Os fitossociólogos não se têm queixado de que ninguém lhes liga. A metodologia de identificação de habitats da Rede Natura 2000 em toda a Europa utiliza os métodos fitossociológicos. A cartografia de vegetação potencial autóctone da maioria dos países da Europa continental utilizada para o planeamento florestal também recorre à Fitossociologia.
Se se puser a ler aquilo que escreve um físico de partículas ou o que está na bula de um medicamento e não entender nada, não se queixe, porque o problema é seu. Vá estudar.
Jorge Capelo
jorge.capelo@gmail.com
Henrique, a crítica a uma ciência não se faz pela linguagem, e muito menos pelo vocabulário.
O latim da fitossociologia foi herdado da taxonomia. Portanto, a causa do intrincado léxico da fitossociologia reside, em última instância, numa das mais extraordinárias e produtivas invenções da biologia: a nomenclatura lineana. Porque Carlos Lineu e a nomenclatura binomial estão para a biologia, como Newton e a sua mecânica para a Física.
Como o Jorge Capelo dá entender, e muito bem, as ciências matematizadas partilham uma linguagem substancialmente mais hermética do que a fitossociologia. E nenhuma outra ciência e colecciona mais neologismos do que a química. Alguém se opõe? Há alternativas sem perdas irreparáveis de informação? que não diminuam a nossa capacidade de prever e de agir no funcionamento do mundo?
A vegetação é um objecto complexo; se estudado em profundidade é impossível de reduzir a um discurso coloquial. Tal como a física, ou a química.
A complexidade do objecto e da instrumentação conceptual de uma ciência incrementam a seu interesse e utilidade social. O conceito de ciência oculta é contraditório; que eu saiba não existe tal coisa.
Meus caros fitossociólogos,
Pelos vistos andam todos a trabalhar demais e já não conseguem distinguir o que deve ser levado à letra do que é preciso ler com a distância da ironia. O meu conselho é que descansem, trabalhem menos e dediquem-se a descobrir o prazer do quotidiano.
Enquanto isso eu posso então entrar no vosso registo e discutir o assunto seriamente.
1)O Pedro Bingre diz, com toda a razão, que a fitossociologia é uma base essencial da rede natura (quer da sua definição, quer da sua gestão);
2) O Jorge Capelo confunde duas coisas substancialmente diferentes: um artigo de um físico de partículas e a bula de um medicamento;
3) Esta confusão do Jorge é aliás secundada pelo Carlos Aguiar que refere "A vegetação é um objecto complexo; se estudado em profundidade é impossível de reduzir a um discurso coloquial";
4) No fundo a chave da coisa está nesta afirmação do Carlos Aguiar: "a crítica a uma ciência não se faz pela linguagem, e muito menos pelo vocabulário.";
5) O que citei está num livrinho de divulgação de um projecto que pretende "contribuir positivamente para uma cooperação mutuamente benéfica entre os donos dos terrenos dessas bacias e as entidades que gerem as albufeiras em todas as suas vertentes.";
6) O que está em causa no post é evidentemente a linguagem, e só ela;
7) Carl Sagan fala de astrofísica de forma compreensível, Einstein fala de física de forma compreensível, Carlos Aguiar fala de fitossociologia de forma compreensível, para o comum dos cidadãos;
8) A fitossociologia, como lembra o Pedro Bingre, afecta o quotidiano de milhares de pessoas;
9) É por isso que se eu não perceber a bula de medicamento ou o mínimo do fundamento da rede natura isso não é só um problema meu, é um problema nosso;
10) Como sintetiza o Carlos Aguiar, ciências ocultas é uma contradição nos termos, pelo que a minha referência à equivalência entre a fitossociologia e a bruxaria só pode ser entendida num plano metafórico que é dirigido ao facto de se usar linguagem hermética onde ela não faz falta;
11) Se quiserem a conversar entre vocês de assuntos que dizem respeito a todos e a chamar ignorantes e estúpidos a quem vos chame a atenção para o facto de ninguém vos estar a perceber, por mim estejam à vontade.
henrique pereira dos santos
Mas já agora, podem explicar aqui ao pobre ignorante os erros da minha tradução? As imprecisões dou de barato. É evidente que passa de uma linguagem fortemente codificada que tem como objectivo descrever exactamente, a quem domina os códigos, a realidade, para uma linguagem que tem como objectivo a compreensão entre as pessoas comuns só pode fazer-se admitindo imprecisões. Dentro de limites, e dependendo dos objectivos, estou disposto a abdicar do rigor dos iniciados a favor da compreensão dos comuns. Mas erros é outra coisa. E gostava verdadeiramente de perceber até onde a minha tradução (feita em cima do joelho) está longe do que é dito.
henrique pereira dos santos
A propósito de linguagem clara
http://www.ted.com/talks/lang/en/sandra-fisher-martins-the-right-to-understand.html
Obrigado anónimo, já me tinha lembrado dessa conferência, mas ainda estava à espera das respostas dos meus amigos fitossociólogos sobre as questões de fundo.
Percebo que têm mais que fazer, incluindo descansar, e é rápido e fácil dizer que os outros são ignorantes, mas demora algum tempo demonstrá-lo.
henrique pereira dos santos
Henrique,
Já tinha visto este debate da TED e acrescentaria que o hermetismo de algumas ciências não afeta apenas a comunicação entre a ciência e o grande público, a questão que suscitas e bem, mas também a comunicação entre disciplinas científicas. A fito-sociologia tem vindo a escudar-se numa nomenclatura progressivamente mais complexa e esta complexidade, ao contrário do que opina o Carlos, não parece ser proporcional à complexidade da matéria em causa. Uma coisa é não entender uma matéria científica porque ela é complexa e requer o domínio de conceitos não triviais, outra é não entender uma matéria porque essa matéria é descrita através de uma linguagem opaca que é apenas percetível pelos especialistas da dita disciplina. Geralmente, este tipo de opacidade reflete uma proteção corporativa com o objetivo de evitar o questionamento dos seus conceitos e fundamentos por parte de outras disciplinas.
O problema é que esta opacidade da linguagem conduz ao isolamento científico e o isolamento científico conduz à cristalização de ideias e de conceitos e ao definhar progressivo da disciplina que se isola. Quando foi a últimas vez que a fito-sociologia produziu um artigo científico de interesse geral? Isto é, um artigo publicado numa revista científica de âmbito alargado como seja a PNAS, Science ou Nature?
Há quem afirme, entre colegas da ecologia, que a fito-sociologia nem sequer é uma ciência, sendo apenas uma técnica de descrição que requer conhecimentos especializados. Este debate "ciência vs. não ciência" tem obviamente dimensões semânticas e filosóficas que extravasam o âmbito deste blog mas a questão de fundo é que a fito-sociologia se tem vindo a isolar das outras disciplinas da ecologia e isso tem levado ao seu definhamento progressivo. A opacidade da linguagem é um dos sintomas desse isolamento. O outro é o protecionismo cujas intervenções do Pedro, o Jorge e o Carlos parecem ser disso exemplo.
Henrique, pego na tua mensagem de 2-III 18:08, para te dizer que a discussão aberta em blogues e afins dá origem a muito mal entendido porque não nos olhamos olhos nos olhos, e não se captam entoações da voz ou trejeitos corporais. Umas vezes deteta-se a ironia, outras vezes não. E as causas destes equívocos tanto estão do lado do emissor como do recetor, acredita.
Não faz, obviamente, sentido encher um livrinho para utilizadores do território com um discurso ininteligível para não especialistas. Estamos de acordo. Para este tipo de leitores é sempre possível descrever o coberto vegetal e a sua dinâmica com uma linguagem acessível. Quando tal não acontece ou os autores não sabem o que estão a dizer, ou nunca orientaram visitas de campos ou falaram para plateias de entusiastas. É assim com a ciência da vegetação, é assim com qualquer outra ciência. Se assim não fosse o “Discovery Chanel” não existira, ou, recorrendo ao teu exemplo, o Carl Sagan não teria ficado nas história como divulgador de ciência. Se os autores do dito livro queriam mostrar sapiência escolheram a plateia errada e expuseram-se ao que não queriam. Não sei de que livro falamos, e muitos menos quem são os seus autores. Aliás não quero saber, porque, pelos vistos, estamos utilizá-lo como exemplo de uma questão que atravessa horizontalmente todas as ciências: a necessidade de modular a linguagem em função do consumidor de ciência.
Miguel, a complexidade da terminologia fitossociológica está a par, e tem as mesmas causas, da eutaxonomia. Assim como não posso escapar a cerca de 4100 nomes específicos (e a muitos mais sinónimos, multiplica pelo menos por 4) para descrever as diversidade das plantas vasculares de Portugal à escala da espécie, não posso evitar uma vasta massa de nomes para descrever, ao pormenor, o seu coberto vegetal (em fitossociologia os nomes das comunidades vegetais e das categorias de vegetação superiores são construídos a partir dos nomes latinos das plantas).
Uma vez um professor universitário de biologia disse-me que lhe chegavam os nomes lineanos e acusava, meio a sério meio a brincar, os sistemáticas de falta de seriedade. Para um utilizador corrente da taxonomia botânica até é capaz bastar o género, e seguir a ideias de Tournefort, recuando ao céc. XVII. Mas há uma realidade superior que o taxonomista não pode escamotear: o mundo das plantas é intrinsecamente diverso. O cientista de vegetação enfrenta o mesmo problema. A “não proporcionalidade [da fitossociologia] à complexidade da matéria em causa” é a tua opinião, não a minha.
Miguel, o argumento da PNAS, da Science ou da Nature é injusto, e tu sabe-lo. Não faltam exemplos de ciências (ou sub-ciências) que não publicam neste tipo de revistas. Mas qualquer paper na Science et al. não é o produto de uma ciência, é uma soma de saberes, de métodos, de ciências, muitos deles considerados como marginais, pouco reconhecidos, que não perdem por isso a sua indispensabilidade. Neste tipo de discussão lembro-me sempre do Michael Barbour que embora seja um cientista de vegetação – dos que dedicam a sua vida descrever o coberto vegetal e a descortinar os seus padrões (com o método fitossociológico, diga-se) – e não escreva nas revistas do top da SCI, é professor na Universidade da Califórnia, almoça à mesa com prémios Nobel e não tem o emprego em risco.
O definhamento da fitossociologia tem duas causas: preparar um cientista de vegetação é caro e muitíssimo demorado; o cientista de vegetação tem dificuldade em publicar em boas revistas. No entanto quando é necessário, por exemplo, resolver problemas de conservação da flora e habitats, orientar visitas de estudo (nacionais e internacionais), descrever o coberto vegetal (um dia destes sai um livro sobre o coberto vegetal da Europa escrito pela comunidade fitossociológica europeia) batem à porta dos fitossociólogos e não dos ecólogos. Por que será?
A qualificação da fitossociologia como técnica ou ciência é irrelevante. O mesmo dirão, suponho, os historiadores da história, os médicos da medicina e os juristas do direito.
Miguel, li o artigo que escreveste sobre o conceito de Vegetação Natural Potencial, e a resposta que o sucedeu. Sei perfeitamente qual é a tua opinião sobre a fitossociologia: já o discutimos em tempos. Como sabes não fujo a uma boa refrega intelectual; pode ser que um dia nos reencontremos e possamos ir um pouco mais longe nesta conversa.
Carlos,
A diferença é que por detrás da taxonomia existe uma boa teoria (a teoria da evolução) e por detrás da fito-sociologia não existe qualquer teoria. O resultado é que a taxonomia tem evoluído de mãos dadas com a biologia molecular, com a biogeografia e tem ajudado o progresso das ciências podendo ser explicada a qualquer criança. A fito-sociologia continua isolada cientificamente (cada vez mais) e dificilmente se explica a uma criança. Não porque seja complexa do ponto de vista conceptual (não é) mas porque lhe falta uma estrutura formal assente em alicerces científicos sólidos.
Como sabes, a fito-sociologia tem as suas origens na ideia de que a combinação de espécies vegetais que encontramos na natureza resulta de interações fortes entre as espécies e entre as espécies e o seu ambiente natural. O expoente desta visão, protagonizada por Clements, é a ideia de que as comunidades vegetais constituiriam uma espécie de super-organismo que responderia a gradientes ambientais de forma coerente e que as fronteiras entre comunidades se criariam frequentemente por mecanismos de competição forte.
Hoje sabemos que estes super-organismos não existem. O velho R.H. Whittaker mostrou-nos que a vegetação se estrutura em gradientes mais do que em classes discretas e que estes gradientes resultam de respostas fisiológicas distintas de cada uma das espécies mais do que a interdependências fortes entre espécies. A evidência paleo-palinológica mostra-nos, sem qualquer lugar para dúvidas, que as "comunidades" se estruturam e desestruturam com o passar do tempo e que diferentes combinações de espécies emergem em função dos perfis climáticos de cada momento e dos "pools" de espécies que estão disponíveis para colonização. Ou seja, o que os dados demonstram é que as espécies respondem a gradientes ambientais de forma individualista e formam associações frágeis, conjunturais, com outras espécies.
Investigação mais recente na área da teoria de redes ecológicas reforçou esta ideia demonstrando que: 1) a maior parte das espécies tem relações de fraca interdependência com outras espécies e um número muito reduzido de espécies tem relações de interdependência forte; e 2) a maior parte das espécies tem relações assimétricas com outras espécies. Ou seja, se uma espécie A depende fortemente de B, é provável que B dependa pouco de A.
Na prática isto quer dizer que quando encontras uma comunidade na natureza encontras uma "entidade" frágil, resultado de uma série de contingências históricas, conjunturais, imprevisíveis e possivelmente irrepetíveis. Uma mudança de ciclo climático, a invasão de outras espécies, a extinção local de outras, uma perturbação que dê origem a situações de não retorno, etc, podem mudar por completo a composição dessas entidades forçando, naturalmente, o fito-sociólogo a criar novas categorias. Em teoria, o número de classificações fito-sociológicas poderia ser proporcional ao número de combinações fatoriais entre as espécies presentes numa dada região. Quanto maior o número de espécies, maior a combinação possível de espécies em cada localidade, logo maior o número de associações possíveis. Na prática o número de combinações de espécies é mais pequeno porque cada espécie tem os seus requerimentos fisiológicos específicos, reduzindo o número de combinações possíveis.
Acontece que classificar esta variedade é pouco útil a menos que exista uma teoria que a permita interpretar. Ora essa teoria não existe. A utilidade da fito-sociologia nas políticas de conservação deriva essencialmente de 1) não existirem inventários florísticos detalhados que os substituam; 2) acreditar-se que estas classificações servem de indicador para métricas de diversidade vegetal (se os inventários existissem, conceitos como a complementaridade da composição florística em áreas de conservação seriam muito mais úteis) e; 3) as políticas de conservação não terem sabido integrar o conceito de "tempo" no seu sistema de prioridades. Estas são questões de índole pragmática.
Numa coisa estamos de acordo. Os fito-sociólogos conhecem a vegetação melhor que ninguém. Mas isso nada diz sobre a sua capacidade de comunicar com outras ciências.
Carlos, eu não tenho problema nenhum em reconhecer os meus problemas de emissor.
1) Mas já não gosto que me chamem ignorante (independentemente de ser verdade) sem me explicarem onde está o meu erro. Isto é, eu fiz uma tradução para linguagem coloquial de um parágrafo hermético. Agradecia muito que me explicassem os meus erros de tradução para que eu consiga perceber a extensão da minha ignorância;
2) O livro é um livro de divulgação e, volto a dizer, interessante e útil (eu, por exemplo, estou a usá-lo para os conteúdos de um guião de boas práticas associadas aos apoios agro e silvo-ambientais numa determinada zona). Uma das hipóteses para que o texto apareça assim é porque muito pouca gente está para a correr o risco que eu corri com este post: simplificar o que está escrito pelos fitossociólogos e em vez de ter pessoas a corrigir interpretações (o que acho normal, embora muita gente tenha problema em assumir a sua ignorância, ao contrário de mim) tenho pessoas que conheço, são razoáveis, que sabem o que já fiz na vida, que sabem que prezo o trabalho dos fitossociólogos (falta-me a bagagem para acompanhar a tua discussão com o Miguel, embora como leitor me pareça fascinante) simplesmente a chamar-se ignorante e mandar-me estudar.
É esta falta de sensibilidade em relação à necessidade de comunicação que me impressiona e que continuarei a criticar, da forma que melhor sei e faço (mesmo que não seja grande coisa).
Nota que eu até sou um utilizador dos textos dos fitossociólgos bastante mais treinado nessa linguagem que a grande maioria das pessoas, e quando tenho dúvidas telefono-te, agora imagina um estagiário, um miúdo que saiu agora da escola, que tem umas luzes, que até tem alguma preparação no estudo da vegetação, mas trabalha numa área afim, não é exactamente um fitossocólogo. Chega aqui, lê este post, lê os comentários e podes ter a certeza que nunca mais escreve nada sobre fitossociologia que não seja a transcrição de textos herméticos porque não pode ou não quer correr riscos e do lado dos fitossociólogos a única coisa que lhe dizem é que estude e aprenda e talvez um dia perceba o que os grandes mestres querem dizer. Até lá que se deixe da parvoíce de tentar explicar coisas complexas a pessoas simples.
Eu percebo que as vossas reacções resultam do facto de terem lido o que escrevi como uma crítica semelhante à que faz o Miguel, só que sem a nobreza intelectual do que diz o Miguel. E que isso é matéria delicada no meio.
Mas só é delicado porque o isolamento de que fala o Miguel se traduz em insegurança.
E isso não traz nada de bom.
Nem para a ciência (em que não me meto), nem para a conservação.
henrique pereira dos santos
Já agora conto-vos uma estória verídica. Há alguns anos um discípulo de um reputado fito-sociólogo da praça, cujo nome não importa, professor de uma universidade portuguesa, contou-me que um dos grandes ensinamentos que recebeu do seu mestre foi nunca partilhar a melhor informação pois informação era poder. Este ensinamento maiúsculo aplicava-se aos alunos. Concretamente, para trabalhos de corologia, o dito discípulo dava aos estudantes a desatualizada flora de França e guardava na sua gaveta, longe do acesso generalizado dos estudantes, a atualizada Flora Ibérica. Este tipo de comportamentos não é, obviamente, exclusivo dos fito-sociólogos e seria injusto caracterizá-los por este episódio. Mas quando um suposto grande mestre ensina isso aos seus discípulos (e foram muitos) não é de estranhar que anos depois a disciplina se converta num objeto de fácil crítica.
Miguel, a fitossociologia não tem uma teoria estruturante, é um facto e um defeito. A ecologia da paisagem debate-se com um problema parecido, o que não diminui a utilidade e o valor heurístico dos seus modelos.
A metáfora do Clements tem uma valor histórico, apenas isso: a oposição entre Clements e Gleason é o tema da primeira aula de um curso de vegetação. A fitossociologia nasce depois de Clements, com Braun-Blanquet.
A comunidade vegetal não é um super-organismo, nem um “unidade de co-evolução”. Por conseguinte as comunidades vegetais desfazem-se ao sabor das modificações climática e de outras vicissitudes. Que nas comunidades são “entidades frágeis” é algo de consensual entre muitos praticantes, pelo menos entre aqueles de quem sou mais próximo. Porém tal não impede que na natureza ocorram combinações recorrentes de espécies, e que seja possível identificar relações comunidade-habitat-perturbação-momento sucessional. O reconhecimento deste padrões é algo de real e não um artefacto da razão. O facto da ciência da vegetação não ter uma teoria que permita conectar diferentes níveis de complexidade e objetivar conceitos – como faz a teoria da evolução na sistemática – não é um óbice á sua utilidade (usando este conceito de forma lata, incluído valor extrapolativo [não uso o conceito de valor preditivo de propósito], valor heurístico e utilidade social). A sua utilidade é acrescida pelo facto da auto-ecologia das plantas ser insuficiente para prever a estrutura e o funcionamento das comunidades, o santo-graal e o drama maior da ecologia das comunidades. Portanto, a utilidade da aproximação fitossociológica ao fenómeno vegetação está para além de questões meramente pragmáticas: está relacionada com a natureza do fenómeno vegetação.
Quanto ao professor que sonega informação apenas te posso dizer que em causa está uma pessoa, não uma ciência. Eu nunca o fiz. A Flora Ibérica está toda on-line em pdf.
Carlos, lembras bem a ecologia da paisagem. Dá-lhe uns anos e estará no mesmo pé comunicacional da fitossociologia, sem que com isso se tenha avançado muito mais para a compreensão do mundo pelas pessoas comuns (e é essa a minha questão, a da compreensão do mundo pelas pessoas comuns) que lendo o Mediterrâneo e o Atlântico do Orlando Ribeiro (sobre o qual tenho algumas distâncias, como sabes, usando até na fundamentação dessas distâncias a produção científica da fitossociologia, oh ironia).
henrique pereira dos santos
Estou à vontade para dizer o que se segue porque trabalho em ciências da vegetação numa boa parte dos âmbitos em que esta é praticada internacionalmente. Posso dizer que o nível de discussão dos fundamentos pondo ênfase na oposição entre a metáfora 'quasi-organísmica' clementesiana e individualista gleasoniana já ninguém a tem, pois teve a sua relevância nos anos 20 ou 30 do século passado. Mesmo no contexto da 'neutral niche theory', mais recente. O edifício conceptual dos praticantes de ciências da vegetação que (também) sabem fitossociologia é actualmente imensamente mais elaborado relativamente aos primórdios. Uma comparação seria como alguém criticar os fisiologistas pelo uso do conceito de flogisto ou de humor bilioso, ou um físico do sec. XXI porque não se revê no conceito de 'éter'. Esse tipo de discussão, tendo perecido já nos meios científicos internacionais persiste como tema de confrontação em meios científicos marginais como Portugal. Basicamente - e aí uso o mesmo argumento que o M.Araújo - por razões corporativas e não científicas, o que é um bocado...descabido. Chefes de fila desta ciência: M. Barbour, Elgene Box, L. Mucina, D. Ackerly, S. Kedddy, S. Rivas-Martínez (!!!!!) & etc. convivem em equitabilidade e espírito de síntese. (Não se trata de ecumenismo de conveniência...digo mesmo 'síntese'). Não fiquem outros a remoer discussões cientificamente serôdias. Quanto à publicação de trabalho contendo sintaxonomia formal (isto é com consequência nomenclatural), Miguel Araújo, isso não é verdade. Basta passar os olhos nos números dos últimos anos do Journal of Vegetation Science, Applied Vegetation Science ou na última 'Habitat Classification of the Conterminous United States do US Geological Suervey. A diferença da corrente 'fitossociológica' para as restantes é ter um modelo de referência para a vegetação(a sintaxonomia, pois não se conformam os fitossociólogos com a postura nihilista de que cada caso é um caso e haverá que reinventar a roda de cada vez que se fazem estudos de vegetação.
A estenografia era muito útil no passado. A fitossociologia é um tipo de estenografia da ecologia de plantas. Não penso que seja demais pedir ao fitossociólogos que transmitam o seu conhecimento sem abusar dos seus conhecimentos de estenógrafos. Se isso significa que os textos ficam um bocadinho mais longos, acho que é um preço justo de pagar e não é pedir muito. A não ser que o 'orgulhosamente sós' seja uma cena que vos assiste.
E caro anónimo, cada casa é mesmo um caso. Enquanto na taxonomia conseguiu-se chegar a uma unidade mais ou menos natural - a espécie/população - qual seria a unidade natural da sintaxonomia? Se calhar não há...
Pelo desculpa, foi anonimato involuntário, o post anónimo é meu!
Cordialmente, Jorge Capelo
jorge.capelo@gmail.com
Caro Pedro
A unidade tipológica base é a 'associação', como é sabido... Esta última é um MODELO da fitocenose ou comunidade vegetal. Mutatis mutandis, tal como no caso da espécie, que agrupa individuos / populações mais parecidas entre si do que com os vizinhos se pode conceptualizar numa unidade conceptualmente conexa e consistente aquela vegetação estatisticamente repetitiva na sua composição que apresenta uma relação unívoca com variáveis de habitat e território. Apresenta unidade funcional e evolutiva em períodos ambientalmente estáveis (incluindo nos seus regimes de perturbação). Em escalas temporais mais alargadas pode existir migração, ou reorganização de nicho individual das plantas conduzindo a soluções evolutivas que impliquem a re-organização das comunidades. O paralelismo com ideotáxones não é completo.
PS. a comparação com a estenografia é uma paráfrase de 'arcaísmo'. Novamente, remeto para a minha resposta 'anónima'.
'Não sei se existem espécies, mas sei que precisamos delas' J.W. Goethe
Cumprimentos.
Jorge Capelo
Este povo carrega muita areia para a minha camioneta, mas este último comentário do Jorge lembrou-me de dizer da fitossociologia uma coisa que o Miguel diz com alguma frequência dos modelos: o que interessa não é tanto discutir se os modelos estão certos ou errados porque todos estão errados, o que interessa é saber se são úteis. Eu, pobre homem da Póvoa, que tenho dificuldade em acompanhar alguns dos argumentos que por aqui passaram (seguramente teria de ir estudar mais para os acompanhar, mas a minha vida não é isso), tenho a dizer que me estou um bocado nas tintas para a discussão sobre a validade científica da fitossociologia, o que me interessa é que me tem sido útil para duas coisas: compreender melhor as paisagens (o meu métier) e definir políticas de conservação. E é partindo deste pequeno ponto de vista, o de utilizador com uma visão utilitarista da informação produzida, que insisto na necessidade dos pés bem na terra e na linguagem chã sempre que ela não trair o rigor necessário ao objectivo pretendido.
henrique pereira dos santos
De um leigo que mal sabeo que é a fitossociologia Obrigado pelo nível da discussão, e inclusive pela conclusão útil do HPS. Começa a ser difícil encontrar esta qualidade de discussão, na blogosfera. Pedro Martins Barata
De um leigo que mal sabeo que é a fitossociologia Obrigado pelo nível da discussão, e inclusive pela conclusão útil do HPS. Começa a ser difícil encontrar esta qualidade de discussão, na blogosfera. Pedro Martins Barata
Nesse particular, no que concerne aos modelos, estou completamente de acordo com o o Miguel Araújo: o derradeiro critério é a utilidade. Estou convicto que precisamente isso que fazem os fitossociólogos: modelos úteis, que transformam em cartografia, tipologias de habitats e de onde derivam estratégias de conservação dos mesmos e das espécies que os integram. Talvez a ´verdadeira' natureza da realidade acerca da vegetação seja efectivamente irrelevante em face da urgência de conservar bem e com fundamento.
Cumprimentos.
JCapelo
Henrique, sobre a validade científica da fitossociologia a questão é se existem indicadores mais simples e baratos de recolher que lhe permitam obter os mesmos resultados práticos no desenvolvimento de políticas de conservação da natureza e selecção de espaços. Não sei se existirão, mas penso que a utilidade da fitossociologia é limitada precisamente pelo seu hermetismo.
Quanto ao uso da estnografia não me referia a um arcaismo, Jorge, referia-me a uma expressão fitossociológica ser uma forma estnógrafa de descrever uma comunidade de plantas. Só que enquanto quem escreve em estnografia não ambiciona que os outros percebam vejo muitas vezes em textos de fitossociologia o tal hermetismo de quem não percebe que escreve de uma forma estnógrafa. Era uma comparação sobre a forma como a fitossociologia pode facilitar a transmissão de conhecimentos entre técnicos na área mas dificultar, e muito, a compreensão de todos os outros.
Agradeço, no entanto, a partilha do seu livro que irei tentar ler para aprender uma ou duas coisas.
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