Há bastante tempo que deixei de me interessar pelo que
escreve habitualmente Viriato Soromenho Marques no Diário de Notícias.
Mas desta vez resolvi interessar-me porque várias
pessoas, cuja opinião prezo e considero, me remeteram um texto sobre fogos,
acompanhado de grandes elogios.
Ora eu acho esse texto verdadeiramente execrável.
Como esta é uma crítica bastante violenta, passo a tentar
fundamentá-la.
Passo por cima dos primeiros parágrafos, que não
acrescentam nem atrasam (são uma visão ligeirinha e pouco fundamentada da
história do movimento ambientalista, passando por cima de todo o trabalho da
escola de arquitectura paisagista e dos florestais, por exemplo, em matéria de
políticas públicas de ordenamento do território) e centro-me no que realmente
conta.
“As reportagens televisivas mostram-nos,
sistematicamente, bombeiros e populações cercados por eucaliptos em chamas.”
Confesso, já o disse noutro contexto, que discutir fogos
a partir do que aparece na televisão é como discutir física quântica a partir
dos livros do Tio Patinhas. Mas independentemente disso, não é simplesmente
verdade que as imagens dos fogos sejam bombeiros e populações cercadas por
eucaliptos em chamas. A grande maioria dos fogos nem sequer é em povoamentos
florestais. E quando são, não são sistematicamente eucaliptos, variam de região
para região.
“Chegado a Portugal em 1829, esta espécie exótica ocupa
agora 26% do espaço florestal, e é o grande combustível dos incêndios
florestais.”
VSM diz-nos aqui que 74% do espaço florestal não é
eucalipto, mas que o eucalipto é o grande combustível dos incêndios florestais.
Se isso for verdade, os dados indicarão uma profunda relação
positiva na sobreposição das áreas ardidas e nas áreas de eucalipto e, para
além disso, as áreas de eucalipto seriam a maioria das áreas ardidas.
Ora, nada disso é verdade. Não só as áreas ardidas tem
uma distribuição muito diferente da área de eucalipto, como a maioria do que
arde são matos, e ainda é preciso juntar as outras espécies florestais,
nomeadamente o pinheiro.
Factualmente VSM está errado neste ponto central da sua
argumentação.
Mas isto não me faria escrever este texto: VSM não estuda
fogos, não se informa, enquanto responsável pelo Programa Gulbenkian de
Ambiente nunca ninguém lhe conheceu um especial interesse na matéria, nem
contributo para resolver o problema, é pois natural que diga coisas erradas
sobre um assunto que desconhece.
Um direito que nos assiste a todos é o direito à asneira
e apesar do tamanho da asneira não me parece que se justificasse perder tempo a
corrigi-la, tanto mais que são frequentes as pessoas que fazem questão em
impedir que os factos influenciem as suas ideias.
“Quando vejo ministros, com ar pesaroso, lamentarem a
morte dos bombeiros, apetece-me perguntar-lhes: "Onde estavam os senhores
no dia 19 de Julho de 2013?". Nesse dia foi aprovado, em Conselho de
Ministros, o ignóbil Decreto-Lei n.º96/2013, que, debaixo da habitual linguagem
tabeliónica usada para disfarce, estimula ainda mais a expansão caótica da
plantação de eucaliptos, aumentando o risco de incêndio, e fazendo dos
bombeiros vítimas duma política de terra queimada ao serviço dos poderosos.”
É aqui que o caldo se entorna, quando Viriato Soromenho
Marques, com sólida formação em filosofia, resolver usar o argumento que já
Daniel Deusdado tinha usado nesta matéria: existe uma relação entre os fogos de
Agosto e uma lei florestal de Julho. Curiosamente nem se dão conta de que ao
defender o status quo anterior, estão a defender a circunstância legal em que
se desenvolveram os actuais fogos.
Uma tal barbaridade já não pode ser simplesmente
atribuída à falta de conhecimento do assunto, é mesmo pretender torturar os
factos até que digam o que se pretende.
E é essa voluntária vontade (passe o pleonasmo) de contrabandear
factos para os pôr ao serviço de uma tese pré-definida que torna toda este
texto particularmente podre, em especial tendo em atenção na forma como é
concluído.
Eu teria vergonha de usar a morte de terceiros, em
especial nestas circunstâncias, para procurar ter ganho de causa numa discussão
política, mesmo que com base em factos solidamente irrefutáveis.
Pelos vistos Viriato Soromenho Marques não tem essa
vergonha, nem mesmo quando usa argumentos factualmente falsos.
Viriato Soromenho Marques tem todo o direito de ser
contra a exploração de eucalipto em Portugal.
Já é mais duvidoso que tenha o direito de associar a exploração
de eucalipto apenas ao interesse dos poderosos, esquecendo que dos 750 mil
hectares de eucalipto, apenas 150 mil são geridos pelas celuloses, sendo a
grande maioria dos outros 600 mil de pequenos proprietários.
E esquecendo toda a riqueza criada, incluindo o emprego
associado, como se fosse irrelevante para o país prescindir de uma das suas fileiras
florestais mais competitivas internacionalmente.
E mais do que isso, VSM esquece que em muitas áreas de
produção de eucalipto a alternativa à sua exploração é o abandono, potenciador
de fogos mais severos e extensos.
Mas tudo isso cabe na discussão política, por pobres que
sejam os argumentos de Viriato Soromenho Marques, neste caso.
O que eu não aceito, o que acho mesmo execrável, é que
Viriato Soromenho Marques conte uma história da carochinha sobre a relação
entre a produção de eucalipto e os fogos, usando a
morte de bombeiros a favor do seu argumento político.
Este aspecto em concreto torna o texto verdadeiramente
execrável.
henrique pereira dos santos