A pedido da revista Ar Livre escrevi estas linhas que nunca foram publicadas...
Preservar a qualidade da água
A qualidade da água é essencial, quaisquer que sejam os múltiplos usos da futura Albufeira de Alqueva. A desmatação e a desarborização constituem um passo necessário para evitar a decomposição de elevadas quantidades de matéria orgânica na água, logo a sua eutrofização. Porém, os grandes desafios relativos à preservação da qualidade da água na Albufeira do Alqueva são: poluição difusa proveniente da utilização intensiva de agro-químicos nas áreas de regadio circundantes; poluição pontual proveniente dos esgotos da cidade de Badajoz, com mais de 200 mil habitantes; deposição de sedimentos na Albufeira através da erosão dos solos a montante da barragem. Sobre estas questões a EDIA tem sido parca nas respostas.
Executar o plano de desmatação e desarborização
É correcta a afirmação de que a EDIA financiou estudos sobre biologia e património cultural e arqueológico da região. Estes foram, essencialmente, inventários do que se vai perder. Dos estudos encomendados desconhece-se a síntese. Que resultados foram obtidos? De que forma foram estes utilizados para planificar a desmatação e desarborização? Qual a mais valia dos estudos face ao que se esperaria de uma gestão sensata do processo de desmatação? O investimento da EDIA decorre de uma exigência da União Europeia para realização de acções de mitigação dos impactes da albufeira. Estudos foram feitos. Resta saber qual a sua contribuição para a mitigação de impactes.
Proteger espécies em risco
Infelizmente a conservação das espécies da bacia do Guadiana não se resolve com a telemetria de um par de águias, ou o transporte de uns quantos animais de um local para outro. Estas são medidas mediáticas, caras e ineficazes. O seu alcance é irrelevante face à magnitude dos impactes. O mesmo se pode aludir relativamente às ilhas do Alqueva. Estas são demasiado pequenas e/ou isoladas para permitir a manutenção de comunidades animais diversificadas. O interesse destas ilhas é, essencialmente, de cariz científico, pois representam uma ocasião rara para estudar o efeito da fragmentação de habitats sobre a biodiversidade. Mas não confundir interesse científico com relevância para conservação das espécies.
Salvaguardar o património cultural
Uma medida digna de se apelidar de “salvaguarda do património cultural” seria a constituição de um museu arqueológico do Guadiana. Este seria o repositório de uma parte importante do património encontrado durante os inventários. O registo do que se vai perder é mera necrologia.
Implementar medidas de compensação
Quantos hectares de áreas importantes para a conservação da biodiversidade serão perdidos com a construção da barragem do Alqueva e sistema de rega associado? Quantos hectares serão afectos a uma gestão para conservação da biodiversidade como forma de compensar esta perda? Estas são as questões que deveriam ser abordadas numa discussão sobre medidas de compensação. Infelizmente a resposta de EDIA é vaga e descomprometida. As medidas de compensação arriscam-se a não ser mais do que um simples programa de jardinagem das margens da futura albufeira.
Promover transplantes, plantações e sementeiras de espécies autóctones
O transplante de azinheiras e sobreiros é virtualmente impossível. Estima-se que 3/4 da sua biomassa se encontra no subsolo e sabe-se que grande parte dos solos da região são xistosos, logo demasiadamente duros para que o transplante de uma árvore não implique o corte das raízes a um nível superficial. A EDIA está consciente deste facto e sabe que apenas as Oliveiras podem ser transplantadas com alguma garantia de sucesso. A utilização de publicidade enganosa é significativa da importância que esta empresa confere às questões de conservação do património ambiental. A criação de um banco de sementes é uma medida louvável mas se não for acompanhada de um conjunto de medidas de compensação não passará de uma medida avulsa. Desconhece-se qualquer programa de compensação digno desse nome.
Defender a fauna e flora do leste Alentejano
A EDIA refere-se à aquisição da Herdade da Coitadinha como o exemplo da sua actividade para conservar a fauna do leste Alentejano. É elucidativo que, depois de se terem investido largas centenas de milhar de contos a estudar o património biológico da bacia do Guadiana, se conclua que a aquisição de uma herdade com algumas dezenas de hectare contribuirá para conservar este vasto património.
Construir o futuro
As barragens têm uma duração de vida limitada, raramente excedendo a centena de anos. Uma barragem construída num rio com as características do Guadiana (i.e. regime hídrico torrencial e erosão acentuada das suas margens) dificilmente atingirá um grau de durabilidade elevado. Dividam-se, pelos anos de funcionamento da barragem, as centenas de milhões de contos investidos na construção da barragem e sistema de rega do Alqueva. Compare-se a riqueza anual, estimada, possibilitada pela construção da barragem. Descontem-se os custos de oportunidade, futuros, associados à destruição do património natural e cultural do Guadiana. Com estas contas feitas, expliquem aos Portugueses que futuro se está construir para os nossos filhos, netos e bisnetos.
Miguel Araújo
sexta-feira, janeiro 02, 2004
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