quarta-feira, outubro 20, 2004

Futuro da Conservação da Natureza Numa Encruzilhada

Por POR ANA FERNANDES
Segunda-feira, 18 de Outubro de 2004

A situação a que chegou o Instituto da Conservação da Natureza (ICN) é conhecida. O diagnóstico mais comum é a estrangulação financeira a que tem sido sujeito nos tempos recentes. "Os problemas de hoje foram causados por um ciclo de desinvestimento que marcou os últimos dois anos", considera Pedro Silva Pereira, que foi o secretário de Estado responsável pelo instituto no Governo socialista. Mas os problemas não são totalmente explicados pela falta de dinheiro. Aliás, há quem nem se reveja neste diagnóstico: "A permanente discussão acerca dos escassos recursos disponíveis tem servido sobretudo para criar uma cortina de fumo em relação às responsabilidades concretas que cabem a cada dirigente do ICN na situação actual - que é sobretudo de má utilização dos recursos", diz Henrique Pereira dos Santos, quadro do ICN e que já foi seu vice-presidente. Para Humberto Rosa, biólogo, "nos últimos dois anos assistiu-se a uma clara estratégia política, não assumida mas razoavelmente conseguida, de 'partiros dentes' à conservação da natureza". Este investigador, que foi assessor para as questões de ambiente de António Guterres, cita vários exemplos: "A subordinação da nomeação de dirigentes das áreas protegidas (AP) ao aval das autarquias, a tentativa de extirpar aprópria gestão das AP do Ministério do Ambiente para o da Agricultura, que terminou na perda da gestão florestal nas AP, a perda de poder de decisão do ICN quanto a caça nas AP."Esta opinião é partilhada por muitos, mas o certo é que é que nunca foi feito uma avaliação cabal do que tem corrido mal. "Não existe um diagnóstico claro sobre as origens e problemas de gestão do ICN e esta ausência de diagnóstico é problemática pois se por um lado existe um consenso generalizado sobre o estado de degradação do instituto, também é verdade que estão patentes diferentes percepções sobre os aspectos institucionais e de orientação política a precisar de reforma pelo que uma discussão racional sobre reforma do ICN teria de ter por base um diagnóstico exaustivo e independente sobre o mesmo", defende Miguel Araújo, do grupo de investigação em biodiversidade na Universidade de Oxford, em Inglaterra. De facto, existem posições muito díspares sobre que deveria o modelo institucional para a conservação da natureza. "Defendo a extinção do ICN -dando lugar a uma ou mais estruturas com responsabilidade sobre a conservação da natureza e da biodiversidade -, por entender que esta instituição caiu num processo 'autofágico' irreversível, que conduziu à gradual perda de credibilidade para gerir um bem público tão essencial como são os recursos naturais do país", defende Helena Freitas, bióloga na Universidade de Coimbra. Esta posição é muito polémica. Dado o "clima liquidatário" que se vive no ICN, "é perigoso promover alterações profundas porque isso pode significar uma ainda maior fragilização ou a própria extinção" do instituto, defende José Alho, presidente da Liga para a Protecção da Natureza. Humberto Rosa vai mais longe: "Suspeito que a tónica no alegado déficit de um 'modelo' do ICN mais não visa que criar espaço para a concretização deste objectivo último, que seria tornar o ICN uma direcção-geral relativamente inócua, encarregue de convenções, directivas e pareceres, mas não da condução dos destinos do território a conservar".

Que futuro?
Helena Freitas esclarece que nunca defenderá uma fragilização da defesa da natureza em Portugal mas antes " uma 'repescagem' de um serviço nacional de parques e reservas, com poder absoluto sobre a fatia de território consignada a protecção estrita - sob tutela do Ministério do Ambiente, eventualmente no seio de uma futura Agência Portuguesa de Ambiente -, deixando a investigação em biodiversidade e conservação e a orientação estratégica para a conservação dos recursos naturais à responsabilidade de um organismo autónomo, criado de raiz no seio do ministério do Ambiente mas com apoio interministerial. "Por seu lado, Henrique Pereira dos Santos protagoniza a transformação do instituto numa Direcção-Geral da Biodiversidade, "recentrando toda a sua actividade em função de objectivos de conservação da biodiversidade". Segundo este arquitecto paisagista, "as competências tradicionais de desenvolvimento local não desaparecerão totalmente, mas deve ser claro eevidente o seu vínculo aos objectivos de conservação da biodiversidade." Para Pereira dos Santos, "o ICN deve abandonar de vez a sua posição de quase 'monopólio' do sector da conservação, apostando sobretudo na articulação e na motivação de novos e fortes agentes de conservação, criando alianças estratégicas sólidas, sobretudo com o sector primário, mas também com outros sectores económicos e sociais."

Abertura ao exterior
A abertura ao exterior é sublinhada nas diversas opiniões: "Muitas tarefas devem ser passadas para o exterior para libertar quadros", protagoniza José Manuel Alho. "Defendo a possibilidade de considerar a gestão dos espaços naturais por parte de agentes privados, cooperativos ou públicos, consoante as circunstâncias. Mas a possibilidade de alargar a gestão das áreas protegidas a agentes privados, cooperativos ou autárquicos implica um reforço substancial no controlo das actividades de gestão e este controlo requer a criação de um novo organismo, independente, de investigação aplicada em conservação", afirma Miguel Araújo. Mas Henrique Pereira dos Santos acautela: "No limite as áreas poderiam ser totalmente autónomas na decisão dentro de planos de actividade aprovados e desde que respeitassem a lei. No entanto, o estado de fragilidade actual da instituição, que não decorre de dificuldades de modelo mas mais de más práticas de gestão, obrigam a um período transitório de reforço institucional assente sobretudo no cumprimento de regras estabelecidas,verificadas com auditorias externas." A questão da avaliação da actividade deste instituto é sublinhada por muitos: "Porque não se cria um Observatório da Conservação da Natureza", sugere Francisco Ferreira, da Quercus. Para Pedro Silva Pereira, "não é preciso inventar a pólvora mas sim fortalecer o instituto, afirmando a política de conservação da natureza no plano administrativo, o que tem de acontecer em contraciclo porque, apesar do défice, há sectores que precisam de crescer em Portugal, como é o caso." Avaliação da acção dos responsáveis pelas práticas de conservação da natureza que se fazem no país, aposta na investigação para alicerçar as políticas a aplicar no terreno, abertura ao exterior e uma aposta nacional neste sector são as linhas fortes que ressaltam deste debate de ideias. Resta esperar por uma proposta sobre o futuro do ICN. Que não tardará. Moreira da Silva escusou-se a adiantar opiniões sobre o que poderá ser reestruturação do ICN mas deixa ficar uma promessa: "até final do ano será apresentada uma proposta para discussão pública pelos interessados." Mas vai adiantando que há questões de que não abdica: "Não haverá diluição do objectivo da conservação da natureza nem o ICN será desmembrado ou enfraquecido."

In http://jornal.publico.pt/2004/10/18/Sociedade/S01.html

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