quarta-feira, outubro 20, 2004

O ICN numa encruzilhada

O blog da ambio introduz um ciclo de debate sobre o futuro do ICN. O pontapé de saída foi dado por um artigo da Ana Fernandes, no jornal o público, que reproduzimos num “post” anterior. O debate começa com um pequeno artigo de opinião escrito por Jorge Palmeirim, Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Em breve seguir-se-ão outros artigos. Comentários de discussão são bem vindos.


Por Jorge Palmeirim
(Professor na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa)

Pela recuperação do ICN
Existem sem dúvida modelos alternativos para o bom funcionamento de uma instituição nacional responsável pela conservação da natureza mas não vejo que o modelo do actual ICN seja globalmente inapropriado e responsável pelos problemas da instituição. Diria, portanto, que é importante evitar mais uma revolução administrativa que, sem garantias de sucesso, trará inevitáveis custos acrescidos e fragilidades de funcionamento durante uma mais ou menos longa transição. Na verdade não há modelos institucionais que substituam a boa gestão, recursos suficientes e cobertura política. Consequentemente, acredito que é bem mais importante fazer alterações cirúrgicas, explicitamente dirigidas à correcção do que tem feito falhar o ICN, do que procurar novos modelos.

Dignificar o ICN
A pequenez e insegurança que imperou em algumas fases do ICN, manifestada em frequentes desautorizações aos seus técnicos e directores de áreas protegidas, alegando ilusórias necessidades de “conciliação estratégica”, tiveram consequências nefastas. Os oponentes da conservação, públicos e privados, perderam o respeito por um opositor manifestamente menor. A maioria dos funcionários do ICN entrou em desânimo crónico, achando-se sem apoio das chefias e crendo na inutilidade dos seus esforços. Os aliados naturais do ICN na sociedade civil sentiram-se traídos, contribuindo activamente para a degradação da imagem do instituto. O ICN transformou-se numa estrutura desrespeitada, isolada e desanimada…

É fundamental inverter esta situação através de uma liderança informada, digna, inteligente e devidamente apoiada pelo ministério que a tutela. A falta deste apoio tem sido uma das maiores dificuldades do instituto. O ICN tem de se afirmar como uma instituição GRANDE, confiante na sua missão e nos princípios e critérios técnicos em que apoia as suas decisões.

Estabelecer parcerias
Há várias áreas em que o ICN ganharia muito em criar parcerias activas. Entre elas incluem-se o desenvolvimento regional, o turismo, a gestão cinegética e florestal, a agricultura e a própria gestão das áreas protegidas. Os parceiros podem incluir instituições públicas ou privadas mas é fundamental que as parcerias se traduzam em acções e projectos conjuntos. Meras comissões com objectivos difusos tendem a ser pouco úteis. Para além dos resultados directos dos projectos realizados pelas parcerias elas são importantes para retirar o ICN do seu isolamento institucional e aumentar o interesse de outras instituições na preservação do património natural.

Equilibrar as finanças
Acho uma ilusão pensar que a conservação da natureza em Portugal pode gerar receitas directas que resultem em poupanças significativas para os cofres do estado. No entanto, um território com uma natureza mais bem preservada gera maiores receitas fiscais devido ao aumento das actividades ligadas ao turismo interno e externo. Raramente os nossos governantes se lembram deste facto inquestionável. Julgo fundamental reforçar o orçamento do ICN ou, em alternativa, reduzir algumas competências periféricas. O ICN tem-se esgotado em grande parte em tarefas de desenvolvimento local à custa das mais directamente ligadas à conservação. Talvez estas tarefas possam ser minimizadas ou transferidas para parcerias. No entanto, o afastamento do ICN deste papel deverá de ser progressivo, pois existem expectativas localmente importantes.

Planear e avaliar
O ICN já teve melhores dias mas mesmo nesses sofreram-se as consequências da falta de planeamento. Sem estabelecer objectivos e planear como os atingir é difícil fazer um bom aproveitamento dos recursos, tanto nos serviços centrais como nas áreas protegidas. A falta de planos de ordenamento nestas últimas é também uma fonte de mau estar, pois o ICN acaba por vezes por ser visto como uma instituição que proíbe sem critério e sem uma visão alternativa para o território que parcialmente gere. É urgente estabelecer planos de ordenamento para todas as áreas protegidas e da Natura 2000 e planos de actividades de natureza vária para as restantes unidades do ICN. Esses planos devem também estabelecer mecanismos explícitos de avaliação.

Descentralizar sim, mas com responsabilidade
É decerto mais fácil desmembrar o ICN e transferir as suas principais responsabilidades para autoridades regionais que fazer a sua reorganização. No entanto, não vejo como é que isso serviria os interesses da conservação ou da redução dos gastos públicos… Só nas áreas protegidas de âmbito regional o papel do ICN deve ser periférico. Nas de estatuto nacional ou europeu o ICN deve manter um papel central, ainda que aumente as parcerias com outros actores locais. No entanto, para que esses actores surjam ou se desenvolvam é necessário que o ICN activamente os procure e apoie. Assim se criarão condições para progressivamente aumentar a descentralização.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns ao blog e ao Jorge Palmeirim pela excelente análise. Sobretud porque também prefiro ver um ICN bem gerido e a funcionar bem do que ir pela solução, porventura mais fácil, de desmembrar, regionalizar, extinguir ou regionalizar.

Eu poria à frente de todos os problemas o da falta de planificação e de gestão. Hoje em dia sabemos que há regras de gestão básicas que devem ser seguidas: ouvir todos os parceiros e interessados, definir uma missão e um slogan para a instituição, definir um plano estratégico e financeiro a longo prazo, publicitá-lo e defendê-lo, formar e criar um manual de trabalho para os funcionários, formar os dirigentes em gestão, estratégia, legislação e recursos humanos, publicar regras para tratamento de pareceres, análise de indicadores, etc.

O grande problema é quando as nomeações para dirigentes são políticas e as pessoas escolhidas não têm formação nem noções sólidas de gestão. A maioria é claramente incapaz de dialogar, de gerir recursos humanos e financeiros ou mesmo de pensar em objectivos para serem atingidos.

Este é um problema maior do que a falta de dinheiro. Mas ele também falta, e a dependência das várias Áreas Protegidas do processamento da contabilidade e da tesouraria dos serviços centrais do ICN em Lisboa é paralisante para a instituição. Será assim tão difícil abrir uma conta no banco para cada Parque ou Reserva e responsabilizar os seus dirigentes pela sua gestão?

Por agora é o que me ocorre, e parabéns mais uma vez pelo bom começo do debate.

Luís Costa
(e não anónimo, mas não tinha password de registo...)

Anónimo disse...

Do meu ponto de vista há que incluir nesta questão uma prespectiva nacional do que é a política de ambiente em Portugal. É que esta sintomatologia que temos vindo a descrever é, provavelmente, semelhante ao que se passa com outros institutos e, se virmos bem, com a situação actual do País.
Perdeu-se o Norte, ou melhor, este ter-se-á vindo a dissolver num nevoeeiro denso de interesses pessoais e pesado como o poder, fenómeno que se inicia quase imediatamente após o nascimento mais-ou-menos revolucionário de um novo estado da Nação.
Neste momento penso que há que modernizar, elevar os nosso padrões de qualidade e excelência, assumir-mos uma postura europeia com visão internacional, ganharmos capacidade de diálogo e liderança, sermos exigentes, a todos os níveis. Esta mudança de mentalidade e forma de ser cidadão tem que começar quer pela classe política quer pelo cidadão comum. Temos que ter uma visão para o país e fazer actuar todos os mecanismos políticos e democráticos nesse sentido. É também uma mudança movida por valores, mais que por políticas, pois são já as bases da nossa identidade e verticalidade que estão em questão.Temos que ser melhores pessoas, mais altruístas se quizerem, até para não virmos a padecer do mesmo mal que se instalou na sociedade actual.
Mas o doente (a conservação da natureza, o país, tanto faz) está moribundo nas urgências e há que agir eficazmente. Temos que definir rapidamente dois ou três pontos vitais deste problema, cuja alteração rápida e cirúrgica seja viável e marque a mudança.
No que se refere à conservação da natureza (CN) sinto que andamos em círculos e a pensar pequenino. Já houve alturas em que a minha opção pessoal foi definir objectivos próprios, que segui e defendi, à falta de orientações superiores. Talvez o que a CN precise, para já, é de um flautista mágico, que faça o mesmo pelo ICN. E não se queixe com a falta de meios antes de repensar o que se tem mesmo que fazer, como, quem, quando e quanto, bem como do que se não pode abdicar para que o plano funcione. Tal como LC disse, é essencial ter bons gestores. É também importante ter bons políticos mas não politizar a CN, pois o sucesso desta não deve depender de quaisquer padrões a não ser dos que a sustentam.

emilia silva
(bióloga)