terça-feira, maio 24, 2005

Tais quais oliveiras, olivais...

Tenho a sensação estranha de ser o único cidadão que conheço que no essencial concorda com o despacho de Luís Nobre Guedes, e outros, na questão da Vargem Fresca.

Não tenho nenhuma ligação a Nobre Guedes, não tenho nenhuma ligação ao PP (costumava votar bastante mais à esquerda até que ultimamente a demagogia populista do Sr. Louçã me empurrou para o voto em branco), não tenho nenhuma ligação ao grupo Espírito Santo.

Feita a minha declaração de interesses passo a explicar o meu ponto de vista.
Há um Plano Director Municipal, sujeito a discussão pública, que identifica a área como sendo área turística;

A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo pronunciou-se favoravelmente ao projecto;

O projecto foi aprovado pela Câmara Municipal e pelo Sr. Secretário de Estado da Administração Local em 1993;

Ou seja, a mesma administração pública que aprova um projecto em diversas instâncias vem, no fim de tudo aprovado, dizer que afinal estava a brincar porque aprovou coisas que não se podem realizar.

Ora esta forma do Estado Português decidir, embora largamente difundida, é absolutamente inadmissível.

Uma coisa seria o Estado Português achar que se tinha enganado ou que tinha mudado de ideias, revogar todas as decisões anteriores e ressarcir os privados dos prejuízos causados, outra é o que o Estado tem estado a fazer que consiste em dizer que sim, que se mantém tudo aprovado, mas que só se pode construir daqui a trezentos anos quando os sobreiros morrerem de morte natural.

Percebo que as pessoas se oponham ao projecto, percebo que as pessoas se indignem com a forma como aquele património público passou para privados, mas nada disso tem a ver com a decisão de Nobre Guedes que é apenas o reconhecimento de que o Estado, como pessoa de bem, não pode dar com uma mão o que tira com a outra.

Não sei se houve tráfico de influências para apressar a decisão, mas acho normal que os cidadãos e as empresas (que não são associações de malfeitores) possam ter acesso aos governantes para defender os seus interesses, o que devem é fazê-lo de forma transparente, e admito que não terá sido o caso.

Admito que este tipo de decisões, por envolverem discricionaridade (que é necessária e tem de existir, mau fôra que os governos democráticos não pudessem decidir o que é de relevante interesse público) devam ter regras especiais de transparência e dilacção na execução para evitar as suspeições que agora existem e permitir que os cidadãos contestem as decisões.

Mas no essencial, parece-me que Nobre Guedes decidiu bem. E estranho esta sensação de que toda a gente acha normal que o mesmo Estado que aprova um projecto, utilizando todos os mecanismos previstos na legislação de ordenamento do território, incluindo a discussão pública, lhe imponha condições de execução que o inviabilizam.

Já agora e para finalizar: o sobreiro, como a azinheira, não são espécies raras ou ameaçadas, são espécies abundantes e em expansão, pelo que o mecanismo de reposição de um número superior de sobreiros é admissível (tendo em atenção que a função de um sobreiro novo é igual à de um sobreiro velho é razoável afectar essa reposição de um coeficiente multiplicador).

É razoável que exista legislação que proteja estas espécies dada a sua importância nos nossos sistemas naturais e na nossa economia (mais o sobreiro que a azinheira neste último aspecto), mas é razoável que essa legislação contenha a flexibilidade necessária para uma aplicação racional.

O que neste caso é mais relevante não é a demonstração de uma eventual promiscuidade da classe política com o poder económico, o que neste caso é verdadeiramente relevante é o facto de ser mais uma excelente demonstração da falência da nossa política de ordenamento do território e da demissão da administração central das suas obrigações na matéria.

Foi isto que permitiu todas as asneiras anteriores ao aprovaram empreendimentos destes para estas localizações, quando seria possível aprovar melhores projectos, isto é, projectos que compreendessem melhor o território em que se integram e respeitassem o carácter do montado, logo na sua concepção base.

E isto teria sido possível com uma política de ordenamento séria.

3 comentários:

Anónimo disse...

Henrique: para além duma visão que me parece muito simpática para o ex-Ministro sobre a forma da tomada de decisão face ao que já se conhece (mesmo a sim há o direito à dúvida - metódica...), concordo num aspecto - se soubessemos ordenar devidamente o território não era preciso usar subterfúgios para tentar corrigir verdadeiras aberrações; quando os PDMs, com mais ou menos discussão pública, têm por objectivo o financiamento das autarquias como no caso da Nova Setúbal onde 30 mil habitantes + centros comerciais contribuem para desertificar o centro histórico e financiar o futebol (ver detalhes em comunicado da Quercus), os sobreiros podem ser arma de arremesso, mas são um argumento válido numa paisagem em que não precisam de ser destruídos.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Curiosamente tanto o Pedro Vieira como o Francisco Ferreira dizem no essencial o mesmo que eu: o problema é de ordenamento do território, decorre da forma leviana como essa matéria é tratada no país e a questão dos sobreiros é uma arma de arremesso para contestar o projecto em si mesmo. E tudo isso é anterior ao despacho de Nobre Guedes.
Mas fogem como o diabo da cruz de responder à pergunta que Nobre Guedes (ou outro qualquer ministro no lugar dele) teria sempre de responder: é legítimo aprovar uma coisa e ao mesmo tempo impôr condições que a tornam inexequível? Kafka seria feliz aqui, mas eu acho que o Estado tem obrigações de respeito pelos seus cidadãos que deve cumprir. E como eu disse, e o Pedro Vierira esqueceu, tem o direito de mudar de opinião, o que não tem é o direito de o fazer sem tomar para si as consequências que impôs aos privados. Apenas um pormenor: não é o PDM que dá algum direito, é o facto do projecto concreto estar aprovado (seja por razões de subserviência do funcionalismo público, seja por outras).
henrique pereira dos santos

Miguel Rodrigues disse...

Sr. Henrique Pereira Santos

1. Câmaras Municipais, CCDR's (cargos nomeados) e Secretários de Estado… tudo gente acima de qualquer suspeita.
2. Considera o Sr. Henrique que mais vale o Estado aprovar atrocidades ao nosso património, para não cair em descrédito. Interessante. No entanto, eu diria que mais vale o Estado corrigir as más decisões passadas. Haja vontade ou coragem. Em vez disso, aplaude-se a decisão MUITO apressada de aprovar o abate da fonte de maior volume de exportações nacionais: a cortiça. Perde a diversidade biológica, perde a economia nacional mas ganham os senhores privados que, com os seus projectos, farão muito mais pelo bem comum (que, como sou lírico, continuo a creditar que deveria ser a única preocupação de um ministro).
3. Frase extraordinária: "O que neste caso é mais relevante não é a demonstração de uma eventual promiscuidade da classe política com o poder económico". Já nada me admira no país onde ser-se indiciado ou suspeito ou estar sob investigação, é quase uma condição exigida para se ganhar eleições.
4. Estamos, no entanto, de acordo quanto a execrável ou inexistência de política de planeamento do território em Portugal. Desde quando é que isso poderá servir de "areia para os olhos"?
5. A essencial pergunta de Nobre Guedes: "é legítimo aprovar uma coisa e ao mesmo tempo impor condições que a tornam inexequível?" Se calhar é mais legítimo chumba-la e explicar porquê, se considerássemos que essa "coisa" é nefasta. Em vez de usar os pobres sobreiros como defesa política, havia coragem para impedir atrocidades. Na sua opinião, em nome da coerência, liga-se a motossera!