domingo, julho 03, 2005

“Blair”, a Europa, o ambiente e a PAC

A Presidência Britânica da União Europeia, tudo indica, marcará o fim do primeiro dia do resto da construção Europeia. Seria, de certa forma, injusto atribuir à Presidência Britânica o ónus desta mudança já que os seus principais obreiros foram o povo Francês e Holandês que, com o seu rotundo “não”, convidaram a quem tem os olhos abertos a reflectir sobre o devir da união dos povos da Europa. Mas também é verdade que se a Presidência coubesse ao “Chirac”, “Juncker” ou “Schroeder” o mais provável é que continuaríamos a assistir à famosa estratégia da bicicleta que desce a ladeira de forma descontrolada e que diz: - “melhor não parar, caso contrário arriscamo-nos a cair”.

O discurso que Tony Blair proferiu no Parlamento Europeu convida a uma travagem brusca da bicicleta. Ao contrário dos amadores da política que se apressaram a dizer que o processo de ratificação do Tratado Constitucional da União Europeia tinha de continuar custasse o que custasse, Londres veio dizer que o melhor seria parar para pensar. Como não podia deixar de ser à emoção seguiu-se a razão e os mesmos que defenderam a continuação suicida do processo de consulta popular, reconheceram que era tempo de reflexão. Que mais não seja porque tudo indicava que os “nãos” seguir-se-iam como se de um processo de dominó se tratasse.


E aqui nos encontramos nós. No dito momento de reflexão. E o que é que isto tem a ver com o ambiente?

A questão do Tratado Constitucional tem contornos demasiado complexos para que possamos estabelecer pontes sólidas com a política do ambiente. Quatrocentas de páginas de texto legalista em “Europeiês” é de difícil digestão. No entanto não deixa de ser lícito perguntar porque não existia plano B? Na prática fomos colocados sob efeito de chantagem: “ou plano A ou o regresso à Europa dos egotismos nacionais que tão má memória deixou”. A verdade é que foi a elite política Francesa a impor a sua visão burocrática sobre o Tratado da União (a alternativa Britânica teria sido uma constituição de grandes princípios, uma espécie de denominador comum da Europa – numa página única – seguida de tratados legais necessários para gerir a União). Uma elite contestada não pelos eurocépticos mas pelo povo que alegadamente representavam. Um tema fascinante para os sociólogos e politicólogos.


Mas a questão crucial que importa discutir do ponto de vista do ambiente, é o modelo das duas “Europas” que Tony Blair retratou de forma tão clara no seu discurso do Parlamento Europeu e que subjaze o impasse em que se chegou na discussão sobre o orçamento da Comissão Europeia:

Queremos uma Europa que gasta 40% do seu orçamento em Política Agrícola? Uma PAC que em nome da coesão social financia os médios e grandes agricultores abastados da Europe para actividades nem sempre justificáveis (o girasol ou o linho que nunca é colhido, as vedações em terrenos de caça, etc).

Ou queremos uma Europa que investe os seus recursos escassos em sectores estratégicos como a formação profissional, tecnologia e investigação?

A realidade é que nada justifica continuar a subsidiar a vertente económica da agricultura Europeia. Ou a agricultura é viável ou, como qualquer outra actividade económica, terá de fechar portas. Na prática a inviabilidade de alguma agricultura prende-se com dois factores:

A política de subsídios, que favorece a agricultura industrial em detrimento do pequeno agricultor, conduz a uma redução artificial do preço dos produtos agrícolas. Essa redução tem como consequência a) o empobrecimento e/ou falência do pequeno agricultor e b) a inviabilidade da exportação de produtos agrícolas em Países em vias de desenvolvimento.

A velha Europa, fustigada por guerras sequenciais, encontrava-se dimensionada para a autocracia. Os Países almejavam à auto-suficiência agrícola pois os vizinhos não eram de confiança e os tempos instáveis. Em Portugal temos um exemplo triste deste paradigma que é a campanha do trigo promovida por Salazar. Com esta campanha arrotearam-se praticamente todos os solos do Alentejo quer estes tivessem aptidão agrícola ou não. O objectivo era político e consistia na ideia de que nos tínhamos de alimentar com o que era produzido no País. A agricultura nestes terrenos marginais -entretanto sujeitos a erosão acrescida pelas práticas agrícolas - não tem viabilidade, actualmente, que não seja no quadro de uma política de subsídios.

No primeiro caso, a abolição de subsídios irá ajudar a racionalizar a actividade. Quem tem unhas continuará a praticar a agricultura, diversificando os produtos, aumentando a qualidade, ou aumentando de forma generalizada os preços dos produtos agrícolas. Todos os agricultores com quem tenho falado, sem excepção, queixam-se que o problema da agricultura é o reduzido valor dos produtos agrícolas no mercado. Nenhum deles defende a política de subsídios.

Um aumento dos preços dos produtos agrícolas terá efeitos duplamente benéficos: para os agricultores Europeus porque permitirá que vivam da sua actividade sem depender dos jogos de interesse travados em Bruxelas. Os benefícios estendem-se aos agricultores dos Países em vias de desenvolvimento pois estes estarão em condições de subir os preços de exportação sem comprometer a viabilidade social e económica das suas explorações. Esta política terá efeitos mais interessantes do que a política de subsídios aos países em vias de desenvolvimento já que, como regra, é preferível apostar na viabilidade das economias que sustentá-las de forma artificial através de subsídios sempre dependentes da boa vontade dos doadores.

Para o cidadão comum Europeu a medida também é positiva pois apesar de vir as ser obrigado a gastar mais dinheiro no seu cabaz de compras beneficiará políticas de investimento público conducentes à criação de emprego e manutenção da competitividade da economia Europeia. As gerações futuras agradecerão.

O abandono da tradicional política proteccionista da agricultura Europeia pode dar origem a todo o tipo de políticas nacionais. Na realidade o que se defende é a repatriação da política agrícola para os centros de decisão nacionais.

Tal implicaria abolir o principio, por exemplo, das quotas de produção. Se Portugal tiver condições e mercados para escoar um aumento da sua produção de azeite ou vinho, porque haveria de ser incentivado a não o fazer? Se os pescadores Portugueses conseguirem escoar o resultado da sua pescaria porque hão se ser financiados para o atirar ao mar?

Da mesma forma, se os Franceses valorizarem um tipo de paisagem associado a uma actividade económica inviável, poderão recriar mecanismos de protecção à actividade agrícola com financiamentos nacionais.

Qual o papel de regulação da Comunidade Europeia no quadro de uma nova PAC mais descentralizada e barata? Em primeiro lugar, há a questão dos “stocks”, por exemplo, no sector das pescas. É importante que a Comunidade Europeia assuma a gestão global dos recursos piscícolas do espaço Europeu. A gestão destes “stocks” só pode ser feita de forma racional no quadro de um mar sem fronteiras.

O mesmo principio pode ser aplicado às práticas agrícolas. Devem ser impostos critérios de sustentabilidade das práticas agrícolas que poderão conduzir a uma limitação de culturas em áreas que exigem elevado "input" energético, limitação de cabeças de gado por hectare em função da produtividade dos terrenos, limitação no usos de pesticidas e aditivos ao solo, etc.

À coesão social da agricultura deve suceder-se um conceito de coesão ambiental. A Comissão Europeia pode e deve ser o garante dessa coesão recorrendo para isso a um aumento dos fundos na área do ambiente, parte possibilitados pela redução do peso da PAC.

A abolição ou redução dos subsídios terá como consequência inevitável o abandono de solo actualmente sujeito a actividade agrícola. Estou convicto que este abandono pode trazer oportunidades de conservação assinaláveis se for bem aproveitado. Por exemplo dando origem à regeneração de paisagens silvestres e agregação de áreas importantes para a conservação, por exemplo, de grandes mamíferos que se encontram actualmente fragmentadas.


Pensemos nestes termos. Tenhamos um plano B para a PAC já que a conjuntura Europeia, com Tony Blair ou sem Tony Blair, evoluirá para uma alteração profunda da sua matriz. Se continuarmos agarrados ao plano A que consistia em apostar numa PAC cara de forma a drenar uma migalhas para o ambiente, as nossas políticas estarão votadas ao fracasso.

2 comentários:

Anónimo disse...

Editorial do DN de 3 de Julho de 2005

A Europa, Portugal e a competitividade

A.J.M. de morais cabral

última Cimeira Europeia foi extremamente importante para avaliarmos o comportamento dos chefes de Estado e de Governo perante a realidade económica e financeira da União. A percepção que os media tentaram passar, à excepção de um excelente editorial de José Manuel Fernandes no Público, foi a da teimosia britânica, que, com a exigência do seu cheque, puseram em "cheque" a gestão do dossier das perspectivas financeiras 2007-2013, proposto e negociado pela presidência luxemburguesa. Nada de mais falso e nada de mais errado. Vejamos os números que interessam a esta "estória", retirados do Público e que constituem a versão Luxemburgo IV 2007-2013. Coesão (Fundos Estruturais) com 306,508 milhões de euros, Política Agrícola Comum com 377,800 milhões de euros e Competitividade (Estratégia de Lisboa) com 70,010 milhões de euros. Acrescia a proposta de congelar o cheque britânico ao nível dos 4,6 mil milhões de euros anuais, no mesmo período.

Esta realidade económica mostra bem que os equívocos orçamentais traduzem um sério e muito grave equívoco político no elencar das prioridades e que se alguma despesa orçamental da UE tem de ser reduzida é a das subvenções agrícolas. Não vale a pena fugir à realidade e seguir uma política de avestruz liderada por Chirac e o seu impedido Juncker.

Tenhamos a opinião que tivermos sobre a Estratégia de Lisboa, os seus objectivos e meios, parece- -nos mais importante o investimento em software e qualificação que traduza aumentos de competitividade do que gastar milhões de euros na existência dos 235 queijos a que De Gaulle se referia, quando questionava a governabilidade de França.

As cortinas da desinformação lançadas sobre o cheque britânico e Tony Blair, as corruptelas dos brown envelopes de Juncker mostram à saciedade que a velha Europa não quer perceber a importância das reformas, algumas contidas na Agenda de Lisboa e outras no Hartz IV, e da sua urgência.

Evitá-las ou adiá-las é manter o definhamento europeu. Tenho esperanças que a provável mudança de liderança na Alemanha leve Angela Merkel a perceber esta realidade. Citando Miguel Monjardino, "o verdadeiro problema é que se o mais forte dos líderes políticos europeus não conseguir apoio junto dos seus eleitores para reformar as suas economias, de maneira a criar riqueza e empregos, e começar a pensar em soluções para o colapso demográfico que aí vem, a actual doença europeia poderá transformar-se em progressiva marginalização internacional..."

A situação portuguesa tem condicionantes várias e a principal, em minha opinião, passa pela nova Europa. Uma Europa que volte a ser uma área de crescimento económico e não uma zona deprimida, sem objectivos e sem liderança. Como dizia na SIC Notícias Pedro Ferraz da Costa, a propósito dos pouco originais comentários do Presidente da República sobre a banca, não é falta de liquidez que temos globalmente - aliás é essa liquidez que tem suportado o nível astronómico e preocupante do nosso desequilíbrio externo, que atinge 9% do PIB - é sim a confusão tradicional, na esquerda e quejandos, entre a fidúcia a que a banca é obrigada e o financiamento sem regras aos mais disparatados projectos de investimento.

Existem equity funds dirigidos a projectos de inovação com elevada rendibilidade e "schumpeterianos" q.b. Deixemos, pois, Sr. Presidente, a banca fazer o trabalho para que está vocacionada. Comecemos por louvar as nossas equipas, profissionais e competentes, de funcionários públicos que negociaram as perspectivas financeiras 2007-2013 nos últimos anos e nos últimos Governos. Bem o merecem. Passemos, agora, às opções que o Governo português tem nos próximos 18 meses. O Reino Unido, na apresentação que Tony Blair fez ao Parlamento Europeu, quer liderar a mudança e as reformas do Orçamento da UE. Quer incentivar a Agenda de Lisboa; quer devolver a iniciativa aos cidadãos da União; quer uma Europa com uma economia em plena modernização, com uma segurança reforçada, aberta à globalização e ao alargamento à Turquia. Um parceiro forte e estável dos Estados Unidos. Tony Blair concluiu manifestando as novas opções "... um euro num projecto de investigação versus dois euros numa vaca francesa...", na minha adaptação livre das suas palavras.

Portugal tem de optar, agora e já, se apoia as iniciativas britânicas na modernização europeia, primeiro e último passo para retomar a competitividade e o crescimento baseado nas exportações, ou se prefere ficar colado aos "velhos do Sena" que, normalmente, nos tomam por parvos. É óbvio, para mim, que esta opção tem de estar integrada numa estratégia nacional, que ultrapassa, em muito, o espaço europeu. Só que enquanto o pau...

É este o caminho da verdade que podemos e devemos seguir.

jmmcabral@iol.pt

Anónimo disse...

Blair retactou duas Europas, ou retratou-as? Não se percebe bem.