terça-feira, julho 12, 2005

Entrevista ao DN sobre alterações climáticas

DN - Gostaria de saber quais os sinais que indicam que as alterações climáticas estão (ou vão) afectar a flora e a fauna do sul da Europa, mais concretamente da Península Ibérica e de Portugal?

Há duas formas complementares para analisar o impacte das alterações climáticas sobre a biodiversidade. A primeira consiste na observação directa; a segunda na modelação. Cada uma destas abordagens tem vantagens e desvantagens. A observação directa permite a constatação de factos reais. Por exemplo a extinção local de uma espécie ou a migração para outros locais. O problema das observações é que pode ser difícil tomar "a árvore pela floresta". Ou seja, perceber em que medida é que observações realizadas num dado contexto, raramente controlado, representam um padrão geral ou constituem uma realidade particular. Mesmo quando as observações são fiáveis e representam padrões de carácter geral nem sempre é fácil atribuir uma causa inequívoca ao que é observado.

A modelação tem características diferentes. Partem-se frequentemente de cenários do tipo "o que aconteceria se?" e exploram-se os possíveis resultados dos cenários traçados. Por comparação dos modelos com a realidade vão-se ou excluindo hipóteses menos plausíveis e apoiando hipóteses mais realistas.

Esta introdução ao procedimento científico é importante pois o cidadão comum tem geralmente uma ideia ténue sobre o processo de construção de conhecimento nesta área.

Assim e respondendo concretamente à sua pergunta devo dizer que, tanto quanto conheço, não existem estudos, em Portugal ou Espanha, que, de forma sistemática, procurem acompanhar a dinâmica das populações de animais e plantas no território. Desta forma é difícil identificar sinais de resposta da biodiversidade a fenómenos de alteração ambiental quer sejam eles de origem climática, de evolução do uso do solo, ou outros. As informações que existem são pontuais e fragmentadas. Por exemplo, sabe-se que as Cegonhas brancas, há cerca de 20 anos, restringiam a sua presença no território nacional ao período de reprodução, sendo que agora existem populações residentes que ficam cá durante o inverno. Será este um sinal de resposta às alterações climáticas? É possível.

Existem estudos, realizados a nível Europeu, que avançam com observações claros de movimentos migratórios de espécies de animais e plantas que se dirigem para norte e para altitudes mais elevadas. O que se conhece menos é o impacte das alterações climáticas no extremo sul da Europa, ou seja nas regiões mais quentes e secas.

DN - Que espécies estão ameaçadas? Os anfíbios também estão em causa?

Na ausência de observações sistemáticas no terreno, a resposta a essa pergunta tem de ser baseada no resultado de estudos que utilizam modelos. A equipa com a qual tenho trabalhado, primeiro em França e Portugal e depois no Reino Unido (Oxford) efectuou o primeiro estudo alargado do impacte das alterações climáticas sobre a biodiversidade na Europa. Para o efeito foram realizados mais de 245.000 modelos para a totalidade da fauna de vertebrados terrestres e cerca de 20% da flora Europeia. Devido à grande incerteza associada às projecções climáticas realizamos modelos tendo em conta 7 cenários climáticos futuros que tomam em linha de conta com diferentes cenários de emissão de gases de estufa.

A análise dos resultados deste estudo, financiado pela Comissão Europeia (projectos ATEAM e ALARM), continuam em curso mas já extraímos alguma informação relativamente às plantas, répteis e anfíbios.

Relativamente às plantas a tendência mais significativa é a vulnerabilidade acrescida das áreas montanhosas do sul da Europa assim como das zonas mais húmidas do sul o que incluí, por exemplo, a região lusitana, ou seja o norte de Portugal e noroeste de Espanha.

Relativamente aos répteis e anfíbios destaca-se a vulnerabilidade da Península Ibérica, no seu conjunto, assim como de área da região central de França. Esta tendência contrasta, em quase todos os modelos efectuados, com uma tendência inversa projectada para o sudeste, centro e norte da Europa onde os modelos indicam uma possível expansão de distribuições para norte sem, no entanto, se verificarem perdas assinaláveis nas distribuições do sul. A razão para esta tendência prende-se com o aumento de aridez prevista para a Península Ibérica que, a verificar-se, poderá atingir condições semelhantes ao que existe actualmente em algumas zonas do norte de África onde persistem poucas espécies de anfíbios.

É preciso notar que estas projecções têm incertezas elevadas e que a interpretação destes resultados deve ser acompanhada de um conhecimento aturado do terreno e das espécies estudadas. É minha convicção que os
répteis estarão em condições bastante mais favoráveis que os anfíbios para adaptar-se às alterações climáticas que estão projectadas para a Península Ibérica pois a sua tolerância à aridez é superior. Os anfíbios estão completamente dependentes da água, por exemplo, para completar o seu ciclo reprodutor. Não só precisam de água como precisam de água em momentos concretos do ano e em condições muito específicas. Por exemplo a maior parte das albufeiras não oferece condições adequadas à reprodução de anfíbios devido ao efeito da predação por parte de peixes. O habitat ideal destas espécies são as pequenas charcas e ribeiras temporárias que são as mais vulneráveis a uma redução de precipitação, especialmente no inverno e na primavera.


De entre os anfíbios constatamos uma tendência de maior vulnerabilidade entre salamandras e tritões o que, tendo em conta que estes organismos contam entre as mais aquáticos de entre os anfíbios, é consistente com a observação de que a escassez de água, mais do que o aumento da temperatura, pode constituir o factor crucial para a persistência de espécies animais e vegetais na Península Ibérica.

DN - A seca está a dar um contributo a esse processo ou é um fenómeno que não tem implicações?

É sabido que nas regiões frias do norte da Europa o factor que limita a distribuição das espécies é a energia. No sul da Europa, onde a energia é abundante, o factor limitante é a água. Há menos espécies adaptadas a climas quentes e secos do que espécies adaptadas a climas quentes e húmidos pelo que um aumento da aridez terá um efeito quase inevitável de perda de número de espécies no Mediterrâneo.

Por outro lado é importante notar que além de uma tendência média para aumento da aridez os modelos prevêem um aumento das oscilações na temperatura e precipitação. Este é um factor que não estudámos ainda mas que tem potencial para aumentar a gravidade do impacte das alterações climáticas sobre a biodiversidade.

DN - Está alguma coisa a ser feita para inverter esta situação, ou seja, no sentido de proteger as espécies?

Em Portugal as políticas sobre alterações climáticas têm-se restringido quase exclusivamente à questão da "mitigação". Ou seja, a preconização de políticas de redução de concentração de gases de efeito de estufa. Estas medidas decorrem das nossas obrigações no âmbito do Protocolo de Quioto.

No entanto, se formos sérios relativamente ao objectivo de conservação da biodiversidade, muito mais terá de ser feito ao nível da adaptação. Por exemplo, os resultados dos nossos modelos indicam que os impactes das alterações climáticas sobre a biodiversidade, para o período anterior a 2050, seriam pouco afectados pelos diferentes níveis de emissão de gases de estufa. Só a partir deste período é que os modelos indicam impactes diferenciados em função de diferentes níveis de implementação de Quioto.

Infelizmente, no que diz respeito a biodiversidade, não tenho conhecimento de que tenham sido medidas práticas para permitir uma mais fácil adaptação às alterações climáticas.

DN - O desaparecimento é um processo para demorar quanto tempo?

Sim nada será imediato até porque o território não é homogéneo e a paisagem oferece micro refúgios que podem permitir que algumas espécies persistam em horizontes temporais diferenciados e em baixas densidades em alguns locais estratégicos. O impacte destes micro refúgios infere-se pelo conhecimento que se tem de alterações climáticas no passado mas não têm sido incorporados nos estudos que procuram projectar os impactes para o futuro. É uma linha de investigação que nos começa a interessar agora.

DN - E que impacto vai ter nos habitats e na paisagem?

Paisagem é um conceito no qual a sociedade humana não pode ser excluída. Sendo assim é uma questão difícil de responder pois a "resposta" da sociedade às alterações climáticas é uma área de estudo - que não é a
minha - e sobre a qual pairam incertezas ainda maiores do que aquelas que temos vindo a abordar.


No entanto é natural que havendo uma tendência para a aridez se espere um aumento da área ocupada por espécies vegetais típicas de climas áridos - geralmente jovens do ponto de vista evolutivo - em detrimento de espécies que requerem maiores níveis de humidade - mais antigas do ponto de vista evolutivo. Essa alteração terá, necessariamente, efeitos em "cascada" sobre outras espécies dependentes da vegetação.

2 comentários:

Ponto Verde disse...

Excelente trabalho sobre um assunto muito sério. Não é Sr Bush?

Anónimo disse...

A noticia saiu tb aqui:

http://dn.sapo.pt/2005/07/11/sociedade/clima_ameaca_anfibios.html