sábado, março 04, 2006

Parecer estritamente pessoal sobre o parecer da QUERCUS que se refere ao Plano Sectorial da rede NATURA 2000

Começo pela minha declaração de interesses: colaborei activamente no núcleo central de elaboração do plano sectorial da Rede NATURA 2000 e fui anos a fio sócio da QUERCUS, até à data da emissão do comunicado da QUERCUS que se lhe refere.

Depois de uma introdução contraditória com o conteúdo do conjunto do comunicado, a QUERCUS inicia a discussão da substância do documento com uma mentira: a de que o documento reconhece que os conhecimentos disponíveis sobre os valores naturais, à excepção da avifauna, são incipientes.

Não é verdade que o plano em algum momento utilize a palavra incipiente para caracterizar a informação disponível e utilizada, não é verdade que o documento considere a informação da avifauna menos ou mais incipiente, não é verdade que o documento diga que a informação disponível não permite ao plano atingir os seus objectivos. Em nenhum momento, repete-se.

O que o documento faz é, em situações concretas, reconhecer as deficiências de informação que existem no país e que se reflectem no documento. O documento utiliza, e di-lo, a melhor informação disponível no país e contém as disposições necessárias para lidar com as deficiências de informação que o país tem em matéria de biodiversidade (basta dizer que não existe qualquer laboratório do Estado especificamente dedicado a esta matéria).

Mas admitindo que o importante não é o que o documento diz, mas sim a qualidade e pertinência da informação utilizada, seria normal que a violência do ataque da QUERCUS ao documento fosse suportada num mínimo de casos demonstrando a falta de qualidade da informação de base.

Ora nem a QUERCUS o faz, nem o acompanhamento do plano o demonstrou, nem a discussão pública indicia qualquer problema sério na informação de base que ponha em causa o conteúdo do plano.

A QUERCUS considera que encabeçar a lista de orientações do plano sectorial afirmando uma evidência óbvia (a de que o país precisa de investir mais no conhecimento necessário à gestão da sua biodiversidade) revela uma das maiores fragilidades do plano.

Mas o que pretende a QUERCUS? Que não exista plano nenhum até que não haja lacunas na informação necessária à gestão da biodiversidade do país?
Não pode evidentemente admitir-se esta hipótese.

Ao ler-se o que efectivamente está escrito no plano sobre as orientações de gestão percebe-se que ou a QUERCUS não leu a documentação que critica ou, o que é mais grave, leu e espera que mais ninguém leia porque entre o que afirma e o que consta do documento há um fosso intransponível.

Sobre as orientações de gestão o relatório refere que há um conjunto de orientações de gestão genéricas, aplicáveis à maioria dos valores naturais e que, por essa razão, não são cartografadas nem são elencadas nas fichas de sítios e ZPE’s.

São orientações como o reforço da fiscalização, ou a sensibilização e educação ambiental, a monitorização ou a aquisição de nova informação (entre outras). O plano, para este tipo de orientações de gestão, identifica o que é mais relevante fazer.

Começa pela aquisição de informação, como poderia começar por outra qualquer. Mas o que é relevante é que o plano lista as prioridades de aquisição de informação para o País, do ponto de vista da gestão dos valores da rede natura.
No essencial refere:

· a insuficiência de informação para os invertebrados e briófitos (aliás a quercus, há três meses, tinha afirmado o mesmo para os invertebrados);

· a necessidade de desenvolver um programa de cartografia sistemática das áreas de ocorrência das espécies da flora (espera-se que a QUERCUS saiba a diferença entre uma cartografia de habitats que existe e cobre o essencial das necessidades de informação para a definição de políticas de conservação e a incomparavelmente mais complexa cartografia de áreas de ocorrência das espécies da flora que só se justificará para algumas espécies);

· a necessidade de melhorar a cartografia de habitats, nomeadamente tendo em conta o notável avanço nesta área que o plano vem trazer com as fichas de habitats produzidas;

· alguns aspectos concretos da cartografia de fauna;

· a necessidade de avaliar mais profundamente o estado de conservação dos valores ao longo das suas áreas de distribuição e a sua representatividade em sítios e ZPE’s.

Isto é, o Plano identifica um programa avançado de aquisição de conhecimento e não lacunas básicas. A QUERCUS não leu, ou espera que ninguém leia para não perceber a má-fé das suas afirmações?

A afirmação que a QUERCUS faz de que o ICN desconhece a localização dos valores a proteger é de uma arrogância que só uma vasta identificação de erros na cartografia disponibilizada poderia desculpar.

O ICN disponibiliza, para o país inteiro, de forma homogénea e consistente a cartografia de dezenas e dezenas de valores naturais. O Plano diz que é a cartografia que é possível construir a partir da melhor informação disponível no
país para cada um desses valores.

O Plano reconhece que pode ter, e terá, aqui e ali, erros, mas evidentemente isso não é o mesmo que dizer que não se sabe se tem alguma aderência à realidade ou
não.

A QUERCUS detectou erros significativos? Não sabemos. O que sabemos é que as centenas de pessoas que se debruçaram sobre essa cartografia (no ICN, incluindo áreas protegidas, nas inúmeras câmaras municipais, nas direcções regionais de agricultura, no Ministério da Economia, etc., etc., etc.) têm vindo a detectar pequenas lacunas, alguns desvios cartográficos (normalmente resultantes de abusivas ampliações de cartas acima da sua escala de referência, procedimento técnicamente incorrecto), mas até hoje não se encontrou nenhum indício de problemas significativos na qualidade da informação disponibilizada que impeçam o plano de atingir os seus objectivos.

À QUERCUS resta uma de duas saídas dignas: ou demonstra o que diz, ou pede desculpa às pessoas responsáveis pelo trabalho e à entidade visada pela inaceitável leviandade do que afirma.

O que a QUERCUS afirma sobre a cartografia do plano vai da mais absoluta falta de sentido (“A cartografia, apresentada à escala 1/100.000, tem uma validade quase nula, consistindo, na generalidade dos casos, em listagens incompletas e sem qualquer fidelidade geográfica”) pela simples razão de que não se entende o que seja uma cartografia que consiste em listagens, à mais evidente iliteracia.

Veja-se como se confunde o carácter indicativo da cartografia das orientações de gestão com a totalidade da cartografia do plano, que inclui, já não com carácter indicativo, a cartografia dos valores.

Ou veja-se a interpretação da frase “A informação de base cartográfica encontra-se disponível em diversos formatos e com escalas de levantamento variadas, pelo que a sua sistematização, tendo em conta os objectivos do Plano e a sua escala de apresentação (1/100 000), implicou simplificações e generalizações” como querendo significar que as simplificações e generalizações resultam da escolha da escala de referência (que é aliás a usada para a transmissão de dados à União Europeia) e não da conjugação dos diversos factores referidos.

Ou será que a QUERCUS consegue sistematizar e colocar numa base comum informação produzida em quadrículas (por exemplo, a que resulta dos trabalhos dos atlas das aves), com informação produzida em polígonos (por exemplo, a que resulta da cartografia de habitats), com informação produzida em pontos (por exemplo, grande parte dos levantamentos da flora), com informação produzida em linhas (por exemplo, a que se refere aos peixes) sem fazer simplificações e generalizações, qualquer que seja a escala de referência a que se pretenda trabalhar?

Será o atrevimento da ignorância, simples falta de respeito pelo trabalho de terceiros ou má-fé?

E querem essas simplificações e generalizações dizer que a cartografia resultante não tem validade para os objectivos do plano?

Pode ser que sim, mas diga a QUERCUS onde está a demonstração de que o resultado final não é válido. Aponte situações concretas suficientemente significativas e cá estarei para humildemente pedir desculpa à QUERCUS pelo que escrevo aqui.

Mas se a QUERCUS cita uma frase do plano que se refere em concreto à cartografia de habitats “na informação disponível existem discrepâncias acentuadas de qualidade e pormenor entre as diferentes áreas do país” omitindo que se refere somente a este aspecto e insinuando que a frase citada se refere a toda a informação que consta do plano, estamos conversados sobre a seriedade do parecer.

O Plano refere explicitamente que a informação a utilizar será sempre validada pelo ICN. A QUERCUS lê que essa tarefa é deixada nas mãos das autarquias. Iliteracia?

Infelizmente a QUERCUS não se informou da natureza estratégica dos planos sectoriais e confunde-os com os planos vinculativos dos particulares, de maneira que exige que o Plano Sectorial contenha disposições que legalmente não são possíveis.

É um ponto de vista. Quanto a mim inútil, mas naturalmente não é meu objectivo discutir as opções legítimas da QUERCUS, mas apenas rebater as afirmações ilegítimas do parecer.

Depois de arrasar por completo a validade da informação de base do Plano, a QUERCUS resolve dizer que há uma grande qualidade no trabalho apresentado para as Zonas de Protecção Especial, bem como nas fichas de habitats e nas das aves (falta-me a agilidade intelectual para perceber como é possível ao mesmo tempo dizer-se tudo o que se disse atrás e simultaneamente reconhecer-se a grande qualidade de uma parte do trabalho que é feita exactamente com os mesmos pressupostos criticados).

Percebo que a QUERCUS queira salvaguardar a reputação profissional e técnica dos seus sócios e colaboradores do ICN, mas para que não ficasse qualquer dúvida de que estes elogios não são apenas a expressão corporativa de uma pressão sobre o Estado para que adjudique trabalhos a quem garante pareceres favoráveis das ONGA’s, é preciso que a QUERCUS explicite com toda a clareza quais as razões pelas quais faz estas afirmações.

Não tenho dúvidas, e ninguém terá, em subscrever a opinião de que o notável trabalho feito pela Associação Lusitana de Fitossociologia (em articulação com o ICN) sobre as fichas de habitats é uma das grandes conquistas deste plano sectorial, sobretudo por se ter chegado a uma enorme base comum reconhecida por quase toda a comunidade científica sobre os critérios de definição e identificação dos habitats em Portugal. Mas gostaria de perceber melhor a referência ao trabalho sobre as aves, vê-la fundamentada com base em comparações concretas de conteúdo de diferentes fichas de valores.

Diz ainda a QUERCUS, para justificar a sua proposta de profunda reformulação do Plano antes da sua aprovação:

“Tendo em conta as debilidades identificadas nesta proposta de Plano Sectorial para a Rede Natura 2000 e assumindo-se que, na prática, este plano, após a sua aprovação, entrará de imediato em revisão (não esquecer que a lista de orientações de gestão de âmbito genérico é encabeçada com a “necessidade de informação para a gestão da Rede Natura 2000”, dando um prazo de cinco anos para que isso aconteça”.

Fui verificar. Verifiquei que o prazo de cinco anos não tem nada a ver com a orientação de gestão que se refere à necessidade de aquisição de informação para a gestão da rede natura, mas sim, no capítulo do acompanhamento, avaliação e revisão do plano, com o compromisso de actualizar a informação de base no quadro desse acompanhamento, óbviamente para preparar a sua revisão que ordinariamente se deverá fazer num prazo superior a cinco anos e inferior a dez.
Como calculo que os dirigentes da QUERCUS tenham todos mais que a quarta classe e saibam ler o mínimo, infelizmente só posso mesmo concluir que é má-fé, má-fé, má-fé.

A QUERCUS, que durante todo o processo de elaboração do Plano se recusou a participar e acompanhar o seu desenvolvimento (as ONGA’s faltaram sistematicamente às reuniões de acompanhamento do plano onde tinham assento, e depois de pública e conhecida a informação de base, há mais de um ano disponível na internet, não fizeram uma única sugestão de correcção) vem agora dizer que quer colaborar, na medida das suas possibilidades, na reformulação do Plano.

Quando eu andava na primária a isto chamava-se sonsice, mas foi há tanto tempo que se calhar agora já tem outro nome.

O título do comunicado da QUERCUS encerra um juízo sobre o Plano e outro sobre o ICN: o plano não cumpre objectivos mínimos e evidencia a degradação do ICN.

Infelizmente a QUERCUS diz pouco sobre o que seriam os objectivos mínimos do plano e assenta o juízo sobre o ICN em mentiras, leituras erradas e preguiça na análise dos documentos.

Triste comunicado, triste movimento ambientalista, triste apoio à consolidação da Rede Natura.

Os interesses que se opõe à política de conservação da natureza, se ligassem aos comunicados de um movimento ambientalista cada vez mais agonizante e socialmente irrelevante, estariam a sorrir embevecidos.

henrique pereira dos santos

4 comentários:

Anónimo disse...

bom dia

acho que o PAV, não tem a ver com nenhum visual vosso.
Terá concerteza a ver com "maior" movimento no âmbio.

bom, mas do que quero falar è do FIRE PARADOX.

Eu julgo entender a inglesada do " projecto".

Só que, ...

o fogo controlado está mais do que testado, o fogo controlado em portugal não precisa de técnicos americanos,ou franceses ou até iranianos.

Senhores, ONG´S?
será que também aqui vamos apanhar com a wwf?

PRA QUÊ?
P(R)ORQUÊ?

Quantos quer para substitur esses especialistas?
Ficando mais barato...
Sendo de imediato eficientes, produtivos e
... conhecedores?

Claro que vocês não têm nada a ver com a decisão, mas, PENSEM que isto é verdade.
Há 30 anos, que tudo está "visto".
Os sucessivos crâneos que têm comandado a não estratégia florestal nacional, só têm arranjado bons e rotativos empregos.
E... um destes dias, vou chamar os bois pelos nomes.

Acreditem...

Depois,ou melhor, Ainda não consegui entender que tudo se faça à revelia, também, da experiência do prof Xavier, o tal da dinâmica, de Coimbra.

É que assim, é só "gastar" cacau para afilhados, é deitar fora o que se sabe há décadas, o que foi experimentado, manter desempregados, estoirar viagens de estudo, viagens de avião,colóquios inconsequentes e que SÓ
dão ajudas de custo, que retiram os técnicos (?) do seu objectivo fundamental, que seria PROCUZIR e GERIR.

É mais uma... grande aldrabice.
Cara.Desnecessária.
Que estupidifica o potencial nacional.
POR isso, estamos a perder floresta, riqueza, nais valia, rendimento.

Anónimo disse...

2a. questão

Sesimbra/wwf

uma vêz mais, porquê?

saberá, se não tenho de explicar, que a wwf é a maior "exploradora" dos chamados bens naturais a proteger.

Porquê ?
porque minam, minam, minam, e... os exploram.
Sabia?
Se não, eu direi...
mais tarde, quando entender o funcionamento
deste blog.
Que é menos claro, menos objectivo e entendível e pouco prático.
Aí, também o PAV poderá dar uma ajuda.

João disse...

..o PSRN 2000 é uma mais valia no seu todo,... Serra da Estrela, projectos e mais projectos: asfalto,canhões de neve, crescimento urbano absolutamente selvagem, "Turistrelizar"...Quercus, associações ambientalistas? nuca ouvi a sua voz por aqui pela Montanha...

Anónimo disse...

(como este assunto ainda não morreu e conseguimos arranjar algum tempo no meio de outras prioridades aqui enviamos mais umas considerações sobre os comentários do HPS à posição da Quercus relativamente ao Plano Sectorial)

Limites

Entre impropérios, HPS diz que a Quercus teve como objectivo pressionar o ICN para que adjudique trabalhos aos amigos, afirma que agiu de "má-fé", que pecou por "sonsice", "mentira" e "preguiça".

As instituições são feitas por pessoas, não são entidades abstractas, e Henrique Pereira dos Santos não deixa de ser um dirigente do ICN, mesmo dizendo que a sua opinião só a ele vincula. Foi vice-presidente, é Chefe de Divisão e, a avaliarmos
pelo que escreve, foi o principal executor do Plano Sectorial. Enquanto vice-presidente, foi o responsável pela implementação da Rede Natura em Portugal.

Ao colocar a discussão nos limites do insulto, presta ao ICN, e a si próprio, o pior serviço que pode. E só não perdeu a razão porque já não a tinha.

A Quercus não pediu ao estado português para expor o Plano Sectorial à apreciação do público. Foi o governo que assim o decidiu (e ainda bem), e foi neste âmbito que a Quercus se pronunciou. Por isso, esta polémica poderia ficar pelo reconhecimento da falta de compostura, mas os dois textos de Henrique Pereira dos Santos têm um motivo de interesse suplementar. Se forem indicativos da atitude de outros dirigentes do ICN, fornecem uma explicação sólida para a degradação que esta entidade vive.

Alheamento

Ressalta dos textos produzidos por HPS que, em matéria de conservação da natureza, não compreende a natureza da informação de base, desconhece as atribuições do ICN e
desconhece as competências deste instituto, dos centros de investigação e das associações de defesa do ambiente.

HPS salienta que muitos nviestigadores se negam a fornecer informação relevante ao ICN. Desconhecemos a veracidade desta afirmação, mas se isso acontece, esses investigadores têm obviamente a nossa reprovação. Porém, aduzido à discussão, este
argumento revela o desconhecimento do que se faz em matéria de investigação científica nas universidades portuguesas.

Na verdade, com raras excepções, os trabalhos de investigação não visam a cartografia dos valores naturais ameaçados, sejam habitats ou espécies. Esta informação pode ser recolhida, mas tem sempre carácter acessório, pontual e não
sistemático. Em condições de bom funcionamento da autoridade administrativa em matéria de conservação da natureza, não deveria contribuir de forma maioritária para a base de conhecimento.

Este facto, aliás, foi reconhecido pelo ICN e, por esta razão, há cerca de uma década, encomendou aos centros de investigação um trabalho específico de cartografia
da flora e dos habitats naturais.

HPS queixa-se que, nem a Quercus, nem a LPN, fizeram chegar ao ICN, atempadamente, a informação que possuem. No que respeita à Quercus disponibilizamo-nos, de novo, para colaborar com o ICN no sentido de dotar o Instituto da informação mínima que lhe permita gerir o património natural. Mas é bom que não se espere que associações
baseadas no voluntariado possam substituir um instituto público, dispensando-o de cumprir as suas obrigações.

Noutra passagem, critica a Quercus por não avaliar a percentagem de erros da cartografia. É um sintoma claro de que desconhece a natureza da informação geográfica de que necessita. Que quantidade de erro deveríamos atribuir a uma localização que está deslocada em vários quilómetros ? Que quantidade de erro deveríamos atribuir uma área de eucaliptal identificada como matos termomediterrânicos? e, mesmo que isso fosse possível, como poderíamos comparar os dois valores ?

Em resposta a um pedido seu, a Quercus deu alguns exemplos de falhas e erros graves que constam da cartografia integrada no Plano Sectorial. Utilizámos para isso a
informação relativa a três dos Sítios que melhor conhecemos: Sicó/Alvaiázere, Serras de Aires e Candeeiros e Azubuxo/Leiria. No que respeita à flora, foi abordada a informação relativa a cinco das sete espécies de flora do anexo I existentes nos Sítios de Sicó/Alvaiázere e das Serras de Aires e Candeeiros. Mas todas elas têm erros graves. Vejamos, em síntese, alguns dos seus respostas:

a.. À chamada de atenção de que cartografia da lontra está incorrecta, responde
que há-de ser feita uma correcção pontual;
b.. Ao facto de a ictiofauna ter muita informação incorrecta, quer em
Sicó/Alvaiázere, quer nas Serras de Aires e Candeeiros, diz que "já explicou que
há um problema com a cartografia das linhas de água nas zonas calcárias" e remete
a resolução do problema para planos subsequentes.
a.. Ao facto de localização de Arabis sadina estar desactualizada porque o núcleo
na serra de Alvaiázere foi destruído por um aterro e ter sido descoberto um núcleo
na serra de Sicó, diz que o plano refere que a cartografia da flora está
desactualizada;
b.. Ao facto de Iberis procumbens subsp. microcarpa ser assinalada apenas em
alguns locais, quando é relativamente frequente no Sítio, diz que não percebe
"onde se quer chegar";
c.. Ao facto de as manchas de habitats do Anexo I da Directiva parecem estar
definidas em excesso para compensar futuros desvios na transposição para a escala
1/25.000, diz que não sabe o que isso quer dizer, mas, em todo o caso, "parece-lhe
um rotundo disparate";
d.. À constatação de que Juncus valvatus não tem representação cartográfica embora
o ICN conheça a sua localização, Henrique Pereira dos Santos argumenta que o
trabalho que a Quercus refere foi publicado após o encerramento da cartografia.

Este assunto é irrelevante, mas o argumento denuncia o seu profundo alheamento acerca das características do património natural. Qualquer técnico de ambiente saberia que a informação geográfica sobre Juncus valvatus estava no ICN pelo menos
desde a Maio ou Junho, muito antes da publicação do Plano Sectorial, simplesmente porque a generalidade das plantas, e também esta espécie, floresce na Primavera.
e.. Ao facto de Pseudahenaterum pallens não constar da cartografia, responde que
passará a constar, quando a Quercus indicar a localização. Saliente-se que o ICN
conhece também a sua presença.

Estes dois últimos exemplos são sintomáticos, não do desconhecimento da informação
no terreno por parte do ICN, mas pela forma atabalhoada e desarticulada como internamente essa informação circula.

De acordo com a sua lei orgânica, são atribuições e competências do ICN:

a.. Elaborar estudos e propor medidas visando a preservação do património genético, a gestão racional da flora e da fauna selvagens e a protecção das
espécies (alínea c do Art.º 1.º);
b.. Proceder à recolha de informação de base referente às espécies da flora e da fauna para a identificação das espécies raras e ameaçadas de extinção, a fim de
assegurar a conservação da diversidade biológica (...) (alínea a do Art.º 4.º);
c.. Realizar ou fomentar a realização de estudos de base ecológicos no sentido de
promover o conhecimento das espécies e ecossistemas (...) (alínea d do Art.º 4.º);
d.. Realizar ou promover a identificação, delimitação e caracterização dos habitats naturais e seminaturais, dos Sítios de interesse natural e zonas de protecção especial, em articulação com outras entidades (...) (alínea b do Art.º 5.º).

Não foi para dar trabalho aos amigos, nem por sonsice, nem por má-fé, que o legislador incluiu isto na lei. Foi porque o conhecimento do património natural é a base óbvia para a sua gestão.

Confrontado com estas obrigações, a atitude de Henrique Pereira dos Santos está patente nos textos que produziu e pode resumir-se na resposta mais popular entre os
adolescentes: "já vai".

O toucinho

Henrique Pereira dos Santos acha que a Quercus "diz do Plano Sectorial o que Maomé não disse do toucinho". Escolheu uma imagem particularmente feliz, porque, de facto, este plano tem muita gordura e pouca carne.

Na nossa profunda ignorância em matéria de teologia islâmica, desconhecemos os tais versículos do toucinho, mas desconfiamos que aquela história da montanha vir ter com o Profeta peca por algum exagero. Receamos mesmo que, se Henrique Pereira dos Santos
ficar sentado à espera, se não sair do gabinete, nem ninguém por ele, se não for à procura dos valores naturais, não serão as serras a entrar-lhe pela sala.

Henrique Pereira dos Santos argumenta que as orientações do Plano aplicam-se aos valores, onde quer que estejam. Que pensaríamos nós de um engenheiro civil que, sem
saber onde está nem como é o rio, fizesse um esboço de uma ponte e declarasse: "esta ponte serve em qualquer rio, onde quer que ele esteja"?

Inovação

Quando foi apresentado, o Plano Sectorial trazia já a novidade de reconhecer a sua própria falta de fundamentação técnica. Outra, ocorrida durante a discussão pública, foi ter conseguido pôr a falar em uníssono sectores da sociedade portuguesa habituados a discordar entre si e ter incluído no coro de críticas entidades
governamentais que, à partida, estariam obrigadas a prestar solidariedade política ao ICN. Vejamos alguns exemplos:

" Mas a urgência de tal Plano não pode justificar o atropelo da realidade a coberto de dados técnicos e científicos de rigor duvidoso: desde sempre que os Municípios têm vindo a identificar situações que revelam um total desconhecimento do terreno
por parte da entidade responsável pela elaboração do Plano."

(Extracto do Parecer da Associação Nacional de Municípios Portugueses)

" Assim, relativamente ao rigor técnico e científico da informação, o ICN reconhece
a escassez de informação que está na base do Plano Sectorial, mas afirma que, sendo a única disponível, foi com base nela que o plano foi elaborado. Para logo
desvalorizar tal situação ao considerar que, aquando da sua transposição para os PDM, o Instituto procederá às necessárias correcções, com deslocações ao local para aferir do rigor da informação.

Ou seja, o ICN está a propor, reconhece-o, um plano errado."

Extracto da Posição da Associação Nacional de Municípios portugueses (página on-line da ANMP)

" O Plano Sectorial proposto apresenta graves lacunas de informação, aliás reconhecidas no próprio documento, sendo que as orientações de gestão propostas são
frequentemente vagas e por vezes mesmo de ambígua interpretação. Mais uma vez, a sociedade civil é confrontada com um Plano que não apresenta qualquer calendarização
ou orçamentação das acções apresentadas, o que pode conduzir por si só a uma incapacidade de real execução das medidas propostas em tempo útil.

A cartografia é apresentada a uma escala muito grande - 1/100.000 - o que diminui a confiança na qualidade dos dados apresentados, e dificulta a sua aplicação prática.

(...) Para além disso, não foram ainda efectuados levantamentos sistemáticos de muitas espécies da fauna e da flora.

Um aspecto particularmente grave refere-se à responsabilidade deixada ao poder local e regional no que respeita à apreciação e validação da informação sobre a presença dos valores naturais e eventual inserção das orientações de gestão nos instrumentos
de ordenamento do território. O Ministério do Ambiente e, em particular, o Instituto
da Conservação da Natureza, não podem abandonar esta responsabilidade (...)"

(Extractos do Parecer da Liga para a Protecção da Natureza)

"Do Plano Sectorial não resultará informação objectiva, aplicável aos Planos Municipais de Ordenamento do Território e Planos Especiais de Ordenamento do
Território, cabendo ao ICN uma avaliação casuística da forma de transposição para outras escalas de trabalho."

(Extracto do Parecer da Comissão Mista de Coordenação. Contribuição do Ministério da Economia e da Inovação / Direcção Geral do Turismo)

" A escala do Plano é considerada de difícil transposição para a escala de trabalho dos projectos. Foram identificadas algumas dificuldades associadas à interpretação / implementação das orientações de gestão propostas."

(Extracto do Parecer da Comissão Mista de Coordenação. Contribuição do Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações)

" Necessidade de clareza das medidas orientadoras do Plano Sectorial, visando a compatibilização com outros instrumentos de gestão territorial."

(Extracto do Parecer da Comissão Mista de Coordenação. Contribuição do Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional de Lisboa e Vale do Tejo)

Disse Goethe que, se tanta gente teme o diabo, ele há-de ser coisa que se veja.

Antecedentes

O Plano reconhece que foi adoptada a escala 1/100 000, simplesmente, porque não existia cartografia à escala 1/25 000. Mas importa perguntar porque que é que não
existia? Quem foram os responsáveis pela decisão de se optar pelo 1/100 000 aquando
da adjudicação dos levantamentos das espécies e habitats que serviram de suporte à publicação das listas nacionais dos Sítios? Não foi esta tarefa realizada antes de se iniciarem os trabalhos de elaboração do Plano.

Recorde-se que a cartografia de habitats e espécies foi paga e bem paga pelo dinheiro dos contribuintes e, pelos vistos, o ICN não zelou para que o mesmo fosse entregue com a qualidade que se exigia.

Ao ler os textos de Henrique Pereira temos a sensação que existe um ICN antes do
Plano Sectorial e outro, transfigurado para muito melhor, depois de se iniciar a sua
elaboração. Para que não fiquem dúvidas e para não se varra nada para debaixo do tapete, quando questionamos o que é que o ICN andou a fazer nos seus 30 anos de
existência (por sinal comemorados com pompa e circunstância), estamos a referir-nos também ao que não foi feito antes de se iniciar a elaboração do Plano.

Aplicabilidade

De uma leitura feita nas entrelinhas, interpreta-se que, no fundo, HPS tem a percepção, ou desconfia, que as orientações de gestão vão ter pouca aplicabilidade.
Vejamos porquê.

Se não são vinculativas dos particulares e servem de "mero indicativo à definição de
tais classes de espaço", será que os PDM´s se constituem como o instrumento adequado à gestão da Rede Natura?

Se o DL 49/2005 refere que nem todos os Sítios e ZPE serão sujeitos a plano de gestão e o ICN considera que "o Plano Sectorial não é e a figura adequada à gestão
da Rede Natura", em que ficamos. Quem assegura a gestão quando não existem planos de gestão? O ICN como até agora tem acontecido, ou outro organismo entretanto criado,
que venha a mostrar uma atitude menos passiva?

Para quem lê o Plano, não fica claro quem será responsável pela implementação de grande parte das orientações de gestão. Seria expectável que o Plano explicasse ao menos isto. Dizer que as ONGA's não perceberam nem "as características verdadeiramente novas e sem quadro de referência precedente", nem o alcance do
indicativo das orientações de gestão, não prova, por si só, se são úteis e aplicáveis. Mais, esta suposta inovação em nada muda a actual discricionariedade que
existe, deixando margem tanto para a protecção cega, como para a permissividade total. A descoberta do "mero suporte indicativo", consubstanciada na presunção que
os valores estão lá (ou até podem não estar, mas em teoria estão protegidos à mesma) em que é que melhora o nosso discernimento crítico sobre o que está escrito no DL 49/2005?

Não nos tranquiliza saber que o ICN valida a informação. De quem é a responsabilidade de produzir informação? É do ICN? Dos Municípios? O mesmo ICN que não conseguiu produzir levantamentos fidedignos ou validar o que quer que seja à escala 1/25 000, vai agora realizar essa tarefa ou vai entregá-la a terceiros a expensas dos contribuintes? Terá capacidade para validar a informação recolhida na escala adequada nos 180 municípios nos próximos seis anos?

O mesmo ICN que não conseguiu validar em dez anos a cartografia que apresenta, vai agora validar cartografia muito mais detalhada a que vai ser produzida nos próximos
seis. Alguém acredita? Só se for alguém que não seja de cá...

Para que serve este Plano Sectorial

Na opinião de Henrique Pereira dos Santos, o plano é útil porque constitui uma obrigação legal, porque permite conhecer melhor os Sítios e as ZPE's, porque a
informação é suficiente, porque permite a amena cavaqueira sobre o plano e porque (pasmem-se os mais incrédulos!...) cria uma "pressão adicional sobre o Governo" para
que obrigue o ICN a cumprir as suas obrigações legais.

Destes cinco argumentos vale a pena falar sobre um, já que os outros, embora curiosos, só servem para enfeitar a falta de argumentos.

A alegação de que a informação é suficiente é simplesmente espantosa. Não faltam exemplos de como desconhecimento do património natural é manifesto, como
demonstrámos. No limite, a estratégia de conservação constante do Plano Sectorial é
tão vaga que, bastaria que o ICN marcasse um Sítio e discriminasse na lei as actividades que são interditas.

O que se pretendia com este Plano é que em função da presença de valores naturais se condicionasse determinadas actividades e se promovessem outras. Ora, com esta
avaliação dos habitats, da fauna e da flora, o Plano não transmite quaisquer garantias. Como a informação é incipiente, simplesmente podemos estar a condicionar actividades à toa, a ser injustificadamente permissivos com outras ou a não promover
as orientações de gestão activa que seriam necessárias.

A quem interessa a ausência de informação cartográfica

O licenciamento de projectos em Rede Natura, e em particular processos de construção, é complexo e implica a realização de estudos que avaliem os impactes
ambientais sobre os valores constantes dos anexos I e II da Directiva Habitats. Em
caso de se verificar a afectação de habitats ou espécies destes anexos, o licenciamento carece do reconhecimento de utilidade pública, de comprovativo de que
não existem alternativas, e de autorização do Governo. No caso de serem afectados habitats ou espécies considerados de conservação prioritária, o licenciamento carece ainda de parecer favorável da Comissão Europeia.

No âmbito do processo de licenciamento, cumpre ao promotor do projecto apresentar um
estudo de impactes ou de incidências ambientais, no qual deverá avaliar se os valores protegidos pela Directiva Habitats são ou não afectados. Neste âmbito, o argumento de que determinado projecto não afecta qualquer valor da Directiva, ou
que, pelo menos, não afecta valores prioritários é a solução mais simples.

Quem compreender este quadro legal não poderá deixar de questionar-se. Na ausência de informação cartografia fidedigna como pode o ICN avaliar os impactes dos
projectos? Com base nos estudos pagos pelos promotores? Por muito imparciais que sejam os técnicos que elaboram estes estudos, os valores naturais protegidos podem
ser omitidos, porque grande parte só pode ser detectada durante um curto período do ano.

Vejamos um caso concreto. Se o ICN tivesse informação geográfica suficiente, saberia que os projectos imobiliários dos Pinheirinhos e Costa Terra afectarão habitats e espécies prioritárias, os processos de licenciamento teriam sido travados, a Quercus não se estaria a preparar para apresentar queixa nos tribunais nacionais e
comunitários e o Sr. Ministro do Ambiente escusava de vir dizer à comunicação social que, no local, não existem valores prioritários. O epílogo desta história será a perda de património natural e o provável pagamento, por parte do Estado Português, de uma pesada coima.

O desconhecimento da localização geográfica dos valores naturais é meio caminho para o licenciamento dos projectos imobiliários e interessa, sobretudo, aos promotores.

Admitimos que Henrique Pereira dos Santos nunca tenha pensado nisto. Ainda está a tempo.

Hélder Spínola