O meu curto post anterior mereceu algumas críticas, mesmo do meu companheiro bloguiano Henrique, pelo que gostaria de explicitar aqui a minha posição relativamente aos projectos em Rede Natura e, em geral, nas áreas protegidas.
Como se sabe, cerca de 8% do território português é constituído por áreas protegidas, a que se acrescenta sensivelmente mais 12% se incluirmos os sítios de Rede Natura. Isto significa que um quinto de Portugal tem um estatuto de consevação da natureza.
Ora, a conservação da natureza não deve significar que as áreas protegidas sejam colocadas em redomas de vidro, nem que se dificulte ou «expulse» as populações dessas zonas. As áreas protegidas devem ser vistas como «reservas» de interesse público e que têm vantagens intangíveis, mas que podem ser, em muitos casos, quantificáveis, não apenas nos aspectos ambientais como turísticos. Neste processo, contudo, há sempre custos a curto prazo. Ou seja, nessas áreas não se pode pretender um desenvolvimento economicistas semelhante às outras regiões, significando assim que devem existir limitações porque se assume que, a longo prazo, a sua existência tem um outro tipo de retorno (ambiental e até psicológico).
Porém, para que tenhamos áreas protegidas simultaneamente no papel e no terreno não basta classificá-las. Terá obrigatoriamente que se investir, quer em termos de medidas de pura conservação quer de concessões de apoios especiais às regiões que as integram. Já por diversas vezes defendi a necessidade de se criar uma espécie de Fundo de Equilíbrio Financeiro Verde aos concelhos que integram as áreas protegidas, cujos montantes sejam apolicados em projectos económicos que sejam compatíveis com a preservação integral dessas áreas. Uma situação semelhante ao que a União Europeia fez com o set-aside. Ao invés, aquilo que se tem visto é um desinvestimento nessas regiões (e quase todos os concelhos com áreas protegidas do interior têm perdido população, mas não se deve às limitações ambientais, porque os outros concelhos circunvizinhos também apresentam perdas demográficas...).
Contudo, como os sucessivos Governos pouco ou nada investiram nas regiões com áreas protegidas, transmite-se assim a ideia (vista no terreno)de que uma área protegida significa um entrave económico. E isso alimenta as acusações de fundamentalismo ecológico. E pior: dá a ideia de que se se deixar construir, salva-se a dita região. Puro erro!
Aquilo que defendo não é que nada se faça em áreas protegidas. Sou sim contra determinados projectos imobiliários em zonas com estatuto de protecção. E sou, acrescento, contra o exagero de áreas protegidas no papel, num país que não tem capacidade para as proteger (comportando-se como uma pessoa avarenta que quer apanhar meia dúzia de ovos com as duas mãos e acaba por os partir todos). E isto por duas razões simples:
a) Na maioiria dos casos, esses projectos poderiam ser facilmente relocalizados. Obviamente que, para o promotor, isso não interessa, porque em termos de marketing comercial e de lucro tem vantagens de «plantar» o seu projectos nas zonas mais atractivas.
b) Quase nunca, no caso dos projectos imobiliários, estamos perante operações pontuais. Não vejo nenhum incómodo em colocar, suponhamos, três ou quatro hotéis de boa qualidade na costa sudoeste, mesmo que até fosse em sítio de Rede Natura. Mas esta solução - que daria empregos e lucro - é insuficiente para os promotores enriquecerem depressa e bem. Por isso, se repararem todos os mais recentes projectos turísticos pensados em áreas protegidas têm uma componente maioritariamente urbanística (leia-se, casas de segunda habitação). Isto não apenas aumenta a pressão sobre as áreas em causa (por maior ocupação territorial e de pessoas) como não implica, a prazo, maior desenvolvimento da região (defendo que a segunda habitação apenas é lucrativa para o promotor e para a construção civil, no curto prazo, não dando emprego significativo e podendo mesmo canibalizar o sector turístico).
Mas, além disto, há uma outra questão importante. Em Portugal, a nível técnico, os estudos de delimitação das áreas de interesse ecológico foram, em parte dos casos, mal feitos, porque em vez de uma delimitação rigorosa, integraram-se grandes manchas. Ora, isto faz com que numa área protegida «convivam» zonas de enorme interesse com outras que não representam um valor relevante (não deveriam ter sido incluídas). E, portanto, na hora que a Administração Pública (que não tem dinheiro para conservar tanto território) tem de decidir sobre a viabilidade de um projecto, entra em jogo a arbitrariedade e os interesses pouco públicos. Isto leva a que se sucedam pedidos em catadupa para projectos imobiliários em áreas protegidas, «obrigando» os Governos a aprovar alguns para não dar a ideia de estar a ter uma atitude «fundamentalismo». No meio disto, claro, há erros que se pagam caro.
Por tudo isto, eu preferia que Portugal tivesse apenas - suponhamos - 5% do seu território com estatuto de conservação, mas efectivamente protegidos (e conservados, o que significa com investimento compatível), onde os promotores soubessem de antemão que nem valia a pena estar a elaborar um projecto porque nunca seria aprovado. Como isso não acontece, temos nos papel 20% de território com estatuto de protecção, mas quase não há sítio onde se possa dizer que jamais se irá construir o que quer que seja.
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15 comentários:
Já não é mau que estejamos de acordo no que diz respeito aos projectos em rede natura: afinal não são um tabu, depende dos projectos e dos valores que lá estão. Óptimo.
O resto do post daria uma longa discussão:
Não é verdade que quase todos os concelhos em áreas protegidas percam população (pelo menos não é verdade que a percam de forma mais acentuada que concelhos com as mesmas características mas fora da rede natura. Aljezur, um dos campeões dessa queixa sob a forma de "não somos reservas de índios", sistematicamente repetida pelos jornalistas preguiçosos que não verificam os dados, aumentou a população entre 1991 e 2001, aumentou o poder de compra, etc.);
não é verdade que 5% do território fosse suficiente para cumprir as obrigações decorrentes das directivas aves e habitats e que tenha sentido dizer que era preferível ter menos mais restritivo (curiosamente aqui Pedro Vieira tem exactamente a mesma argumentação que os promotores para criticar a rede natura) porque isso depende dos valores que lá estão: as áreas de aves estepárias, ou as áreas de lobo são necessáriamente áreas extensas de baixa condicionalidade, as áreas com habitats ou espécies da flora raros e de distribuição restrita devem ser áreas pequenas de elevada condicionalidade;
não é verdade que as decisões sobre projectos concretos seja feita com base na informação genérica de gestão global da rede natura, pelo contrário têm detalhadíssimos estudos a escalas que permitem a verificação no território com erros de meia dúzia de metros (às vezes nem tanto);
não é verdade que existe desinvestimento nas áreas protegidas, embora se possa discutir se é o investimento adequado na dimensão e na sua natureza;
existem fundos para financiar as políticas de conservação, aconselho aliás a leitura do estudo que está no site do ICN,relaizado pelo professor Lima Santos e que de uma forma ou de outra, irá influenciar o desenho das medidas de financiamento do mundo rural, portanto o tal fundo verde existe;
Resumindo, seria preciso discutir com mais profundidade alguns dos pressupostos das posições do Pedro Vieira antes de prosseguirmos na discussão do melhor modelo de áreas classificadas.
Mas em qualquer caso acho contra-producente a simplificação que fez no tal post pequenino, acabando aquele tipo de discurso por prejudicar a conservação (bem como este tipo de discurso, completamente falho de fundamento, de que está tudo mal delimitado e estudado).
henrique pereira dos santos
Caro Henrique,
Os posts nos blogs são necessariamente sintéticos. Quando referi os projectos aprovados em sítios de Rede Natura como algo de mau, estava subjacente a ideia de serem os projectos «mediáticos», i.e., os imobiliários ou os parques eólicos. E o problema é este: ou existem outros projectos interessantíssimos, compatíveis com os valores ambientais, e eu ando distraído (porque quase não conheço nenhum...) ou então, de facto, só surgem projectos imobiliários e pouco mais. Mas sobre isto não tenho agora tempo para me alongar mais.
Em relação ao 5%, o valor (como referi ao escrever «suponhamos») era hipotético. Apenas pretendia dizer que mais valia ter menos AP e protegê-las bem do que ter muitas AP e protege-las mal. O teu discurso sobre o rigor dos trabalhos do ICN cai por terra: aliás,por exemplo, o caso da Herdade dos Pinheirinhos é disso um caso paradigmático (escrevi há uns anos para a Grande Reportagem sobre isso...).
Por fim, pegaste no caso de Aljezur (que é verdadeiro), mas é uma situação claramente minoritaria. Além disso, quando se analisa o impacte das AP a nível demográfico deve usar-se uma escala de freguesia. Em todo o caso, É surpreendente verificar que o crescimento populacional em Aljezur da ordem das 282 pessoas numa década se fez à custa da construção de mais 855 habitações. Destas 70% são de segunda habitação. E é esta a velha questão do Algarve: constrói em demasia, num sector (segunda habitação) que canibaliza o sector turístico e alarga a mancha de construção. Mas isto dava pano para mangas e não me apetece estar a repetir o que escrevi há anos no Estrago da Nação.
Não percebo onde cai por terra o rigor de avaliação no caso dos pinheirinhos: se escreveste há anos sobre o assunto, quando não estavam feitos os estudos detalhados que hoje existem, e eu falo com base na análise concreta de projectos concretos sobre dados concretos e detalhados, de que lado estará o rigor? Pode para além disso pode ter-se a opinião de que não é esse o investimento que interessa, mas como sabes o ICN não se pronuncia sobre isso, pronuncia-se sobre afectação de valores concretos, objectivos e definidos na lei.
Suponho que sabes que Portugal tem a decorrer uma dura discussão com a união europeia que entende que Portugal deve designar novas áreas para valores concretos. Portanto essa tua opinião é respeitável, mas tem o pequeno problema de não ser exequível à luz do direito comunitário.
Confesso que fico perplexo com esse discurso acerca do despovoamento e das áreas protegidas vindo de ti. Dei o exemplo de Aljezur por ser um concelho campeão nessa demagogia, mas tanto tu como eu sabemos que os mecanismos de povoamento do território são muito mais complexos que a mera decisão administrativa de criar ou não áreas protegidas.
Já em determinada altura publiquei aí uns mapas que relacionam a rede natura com o poder de compra.
henrique pereira dos santos
Bom, esta agradável discussão já está a resultar em mal-entendidos e algumas confusões. Eu não defendi que as AP causam despovoamento e no meu post explicito isso bem. Dei o caso de Aljezur para reiterar um outro aspecto: a construção civil é vista erradamente como a única salvação para as regiões onde estão inseridas as AP.
Em relação à Herdade dos Pinheirinhos, o ICN meteu água ao ter, há anos atrás, autorizado a construção de uma ETAR para o futuro empreedimento (que lá está, visível do lado direito para quem vai para o parque de campismo da Galé) e de ter autorizado a desafectação da REN para os espaços verdes...
Um outro aspecto que mostra como existe flexibilidade, mas dos técnicos, passa-se também neste caso. Em finais de 2001, José Sócrates chumba o projecto, com base em pareceres técnicos; em 2006, o projecto é aprovado com base em pareceres técnicos. Incluindo o argumento de que se não se constrói lá nada haverá incêndios...
O anónimo anterior sou eu
Caro Pedro,
Como sabes a aprovação do projecto não é feita pelo ICN.
O ICN diz, e bem, que o projecto afecta valores protegidos.
A legislação (a europeia, a directiva ela mesma, para não se pensar que é uma especificidade portuguesa) define com razoável clareza as condições de excepção em que podem ser aprovados projectos que afectam negativamente valores de conservação.
E define muito bem na medida em que a conservação não é um valor absoluto e deve ser ponderado face a outros valores de interesse público.
Essa ponderação, e bem, é da esfera política, não é uma opção técnica e está balizada juridicamente (emboa tenha componentes técnicas), visto que se trata de avaliar diferentes interesses públicos igualmente legítimos.
Há pessoas que discordam e recorrem aos instrumentos jurídicos de que dispõem para defender o que entendem ser os interesses públicos.
Portanto... deixemos actuar o sistema judicial (incluindo o comunitário) e no fim veremos a que conclusões se chega e, sobretudo, com que fundamentação.
Só nessa altura se poderá verdadeiramente avaliar se o trabalho dos técnicos que participaram no processo foi bem ou mal feito.
Aguardemos então.
henrique pereira dos santos
Para PAV...sobre Aljezur
"Em todo o caso, É surpreendente verificar que o crescimento populacional em Aljezur da ordem das 282 pessoas numa década..."
Por favor veja qual foi a evolução do indice de envelhecimento...
É que já D Sancho, "O Povoador", sabia que os velhos não dinamizam o povoamento
A defesa do fundamental passa por evitar discussões fratricidas. Passa por se fazer uso das mesmas armas que o adversário não tem pudor em utilizar. Mesmo que ilegítimas e imorais. Se é por uma boa causa (e acreditamos nela) copiemos e ultrapassemos o adversário, usando todos os meios e mais alguns. Não interessa ética e correcção nas acções. Um por todos, todos por um na defesa dos valores que defendemos. Deixem-se de mesquinhices! Deixem-se de tiros no pé! Por cada linha que se escreve a contestar-se detalhes dos nossos, um qualquer arquitecto rabisca um novo projecto a implementar numa AP, pago por um empresário amigo do peito de um autarca. Que se responda às pedradas com tiros de revolver, isso sim!
Scolari defendeu Figo a propósito do encosto de testa ao jogador holandês. Também defendeu Costinha da sua grande infantilidade que ia deitando tudo a perder. Todos unidos e utilizando sem receio as mesmas tácticas do "inimigo" consegue-se vencer e convencer. Quando numa equipa se exacerba pequenas falhas dos companheiros e se começa a discutir, é derrota mais que certa. No futebol e na vida.
O problema dos projectos em Rede Natura foi criado pelo Estado.
todas as ADT (Areas de Desenvolivmento Turisticos) existentes foram criadas antes da existencia da Rede Natura.
Quando se demarcou os sitios da Rede Natura, em vez de os presidentes das camaras, o ICN, a DGT se sentarem todos a mesma mesa e chegarem a um entendimento, não. ignorou-se o problema e chegou-se a esta situacao .
Ao contrario do que voces pensam os promotores nao se importam de mudar os projectos de sitio. o problema é como e quanto tempo demora.
vamos imaginar que se iria mudar de localizacao um dos projectos dos litoral alentejano que ao contrario do que é dito nao sao a menos de 800 m da praia, excepto o Soltroia e o Troia Resort da Sonae.
A primeira dificuldade e mudar para onde ? os promotores teriam que comprar um outro terreno para implentar o novo projecto o que iria aumentar os custos. Depois teria que se fazer um acordo para um novo plano de pormenor e um novo AIA. Tudo isto iria trazer mais
custos e atrasaria os projectos varios anos.
Se uma operacao destas pudesse ser feita num ano e se os promotores fossem compensados pelos maiores custos atraves do aumento da area de contrucao do projecto, duvido que algum dissesse que nao.
Mas alguem conhece algum projecto em Portugal que cumpra todos os prazos legais e regulamentares
?
Os dois comentários anteriores (anónimos) fazem todo o sentido, de facto. No entanto, foi isso que se fez no caso da troca do Meco pela mata de Sesimbra (a meu ver, desncessária, porque não era clara a existência de direitos adquiridos, devido ao facto do então rpomotor alemão não deter a totalidade da área). A questão está sempre na localização. E mais do que isso na exagerada construção: em Portugal não se consegue pensar nunca em turismo de qualidade; só se pensa em casas de segunda habitação...
Parabéns pelo belo blog! Eu ainda não conheço Portugal, sou do Brasil, apesar de não ser fronteirista...rs... acredito que precisamos unir forças e agir urgentemente na conscientização ecológica. Desejo sucesso na iniciativa......e um ótimo domingo...bjs
Solange (Soso)
www.soso.omeu.com.br
Por falar em ADT e Rede Natura 2000...
Porque não avançou o Governo (este, o anterior e o anterior) com a revisão do PROTALI? Talvez lá fosse um bom local para resolver esse tipo de incompatiobilidades e pesar os diferentes interesses (públicos, privados, etc.).
Sem PROTALI (ou algo do género) é mais fácil decidir casuisticamente, sem pensar no todo.
Rever o PROTALI ? Entao o existente esta mal feito ?
Esse é outro problema do ordenamento do territorio
faz-se um plano de ordenamento regional, altera-se o pdm de acordo com o plano de ordenamento regional, elabora-se um plano de pormenore de acordo com ambos os planos. Mas como entretanto passaram 10 anos, aparece um governo que resolve rever o plano regional e aqui del rei que o projecto é ilegal pois nao esta de acordo com o plano regional.
Um plano de ordenamento regional como um plano estrategico de uma emprea deve ter tempo de vida util de 10 a 20 anos, e nao ser revisto de acordo com os humores de cada ministro ou secretario de estado que passa pelo ministerio do ordenamento.
O grande problema já o Henrique Santos tocou na ferida e é a ausência de discussão pública e acrescento falta de hábitos de mão-pesada dos juízes em situações de atentados graves ao ambiente (falta de cultura judicial) e depois existe uma enferma Estratégia para o Desenvolvimento Sustentável.
E caro Pedro Almeida Vieira será que a sua proposta de 5% é um sinal que já vai baixar os braços, depois de tantas lutas sofridas por técnicos e investigadores para a conquista dos 20% de area protegida no nosso País???
Saudações
Rever o PROTALI?
É isso mesmo, ele já tem mais de 10 anos, vai a caminho dos 15. Acresce ainda que:
- Os estudos que estiveram na base são certamente mais antigos.
- Entretanto foi declarado um interesse público para parte da zona - Rede Natura 2000
- A propria figura dos PROT mudou, deixando de ser vinculativos sobre particulares
- Os próprios modelos de turismo mudaram.
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