Julho foi, do ponto de vista da gestão do fogo, fantástico. Com excepção do fim da primeira quinzena, em que houve temperaturas mais altas, o cenário foi de temperaturas baixas, aguaceiros de vez em quando, humidade atmosférica interessante, vento fraco de rumos favoráveis. Para todos os que falam de tenebrosas conjuras, de interesses escondidos, etc., parece-me uma boa demonstração de que o nosso sistema de prevenção e combate funciona em condições favoráveis (cerca de 150 fogos por dia, subindo para os 250 na tal altura mais quente, mas sempre sem algum fugisse de controlo, é apesar tudo uma boa demonstração de que somos capazes de gerir fogos com o dispositivo que temos, se as condições externas não forem muito agressivas).
Mas a previsão para a próxima sexta (4 de Agosto) e sobretudo sábado (5 de Agosto), lá fala do vento Leste. Ainda estamos em quarta feira, a previsão é ainda pouco segura (no meio de Julho houve uma previsão do mesmo tipo que não se concretizou), portanto vamos esperar para ver.
Mas se se concretizar, o cenário os fogos agravar-se-á rapidamente. Nesta altura do ano, mesmo tendo chovido abundantemente a meio de Junho, mesmo sem vento e calor em Julho, estará já a vegetação mais susceptível ao fogo. E nessas circunstâncias, se houver vento Leste, mesmo fraco, se esse vento Leste se prolongar por três dias, estou convencido de que haverá problemas (de que dimensão não faço a mínima ideia).
Mais uma previsão temerária, mas verificável. Se se verificar a chegada de um episódio de vento Leste de mais de um dia, claro.
henrique pereira dos santos
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20 comentários:
Caro Henrique,
Só podes estar a ironizar quando escreves: «Com excepção do fim da primeira quinzena, em que houve temperaturas mais altas, o cenário foi de temperaturas baixas, aguaceiros de vez em quando, humidade atmosférica interessante, vento fraco de rumos favoráveis» para a seguir acrescentares que «parece-me uma boa demonstração de que o nosso sistema de prevenção e combate funciona em condições favoráveis»...
Isto deu-me alguma vontade de rir, porque, em suma, o que defendes é que se Portugal não tivesse clima mediterrânico, enfim o nosso sistema de combate era eficaz e o país não ardia... Mas o problema é que temperaturas elevadas, ventos de leste e o diabo a quatro da meteorologia é normal ocorrer nos Verões portugueses e não se compadece com os nossos «desejos»...
Já não é mau que afinal estejamos de acordo de que o clima é um dado incontornável da discussão sobre fogos.
Se a isso juntarmos o facto de 80% da área ardida anual se concentrar numa dúzia de dias, facilmente estaremos de acordo que é preciso perceber que têm esses dias de especial para que o sistema rebente pelas costuras.
E depois então actuar sobre a transformação do sistema, para o adaptar também a esses dias em que rebenta.
Pelo contrário, se se admitir que os fogos são sobretudo a consequência da incompetência, incúria, ganância, etc., então as soluções são outras.
Mas será preciso explicar por que razão esses factores, que actuam todos os dias, só provocam desastres na tal dúzia de dias por ano.
henrique pereira dos santos
Mas porque acha o Henrique que o vento de Leste é pior do que outro vento qualquer?
Compreendo que a temperatura elevada e o vento forte são favoráveis à propagação dos fogos. Mas porque será o vento de Leste muito pior do que qualquer outro? Não será a velocidade do vento um fator muito mais importante do que a direção na qual sopra?
Luís Lavoura
O vento leste é simplesmente a "cara" mais visível de condições meteorológicas particulares: temperaturas altas, humidade atmosférica muito baixa, etc..
Não é o rumo do vento o importante em si mesmo, é o facto deste rumo do vento estar associado a um determinado contexto meteorológico particularmente favorável à ocorrência de grandes fogos (isto é, dos fogos que dificilmente se param, que é o problema mais difícil de resolver).
henrique pereira dos santos
Henrique,
Se existe uma característica meteorológico que, de uma forma evidente, condiciona a existência de fogos em Portugal é... a chuva! Basta verificar que os períodos de maior destruição se concentram após um período, regra geral, superior a duas semanas sem chuva. E que nos dias imediatos a seguir a chuvas não arde. Ora, no clima mediterrâneo, o Verão tem, mesmo com baixa pluviosidade, alguns dias de chuva intercalados por dias de temperaturas quentes. A questão do vento de leste é uma falsa questão. Claro que quando existem há uma subida das temperaturas no litoral (porque a influência climática do mar se «perde»), mas isso repito constitui uma situação que, não sendo habitual ao longo do Verão, não se pode considerar anormal, pois ocorre todos os Verões.
A ausência de chuva no Verão é uma constante no clima mediterrânico. Em Portugal há uma correlação razoável entre a precipitação anual (ou o índice de seca) e a área ardida anual. Mas muito mais interessante é a associação entre 80% da área ardida e menos de 15 dias extremos. Estes 15 dias extremos correspondem à situação leste, que tem primado pela ausência desde o incêndio de Barcelos (3000 ha): muito calor, e principalmente ar muito seco, com períodos de vento moderado ou forte, por vezes trovoada seca (em 2003, de acordo com o Instituto de Meteorologia, responsável por 150 000 ha ardidos). Estou só a reproduzir resultados de estudos efectuados por outros...
Claro que nenhum sistema pode responder a situações extremas, veja-se o mais bem apetrechado e militarizado de todos (os serviços florestais na Califórnia). O problema do dispositivo operacional português é que deixa de responder muito cedo, o que origina o nº impressionante de grandes incêndios que por cá temos. Esta fraca resposta tem a ver com o desempenho muito mau quando a 1ª intervenção falha ou quando tem sucesso mas há reacendimento a seguir (cuja % real está muito acima dos 4-5% de que se tem falado). Ainda por cima o nosso extremo é relativamente fraquinho quando comparado com o dos outros. É que cá não temos o vento mistral do sul de França, a tramontana da Catalunha, ou a Santa Ana da Califórnia (tudo ventos que rotineiramente andam nos 100 km/h)
Cumprimentos
Paulo Fernandes
Paulo Fernandes respondeu à questão melhor que eu o faria.
Claro que as condições meteorológicas por si sós não são suficientes para explicar o que se passa em Portugal.
O que me parece específico é a sobreposição destes extremos com as condições estruturais que temos: factores edafoclimáticos também responsáveis por sermos os maiores produtores de cortiça associados à falência do mundo rural que deixou de remover o material combustível por manifestas razões económicas.
Nestes três pilares assenta o que me parece específico.
De qualquer maneira dada a infinidade de factores em presença (hoje e ontem ao fim do dia, pelo menos em Lisboa, levantou-se um vento forte de que até o Caetano Veloso se queixou por ser difícil assobiar, e qualquer aumento da intensidade do vento favorece a propagação dos fogos) esta é uma discussão muito difícil, porque factores conjunturais tendem a mascarar constantes estruturais.
Por isso decidi, com risco da minha credibilidade, exprimir publicamente as minhas previsões de curto prazo sobre o padrão dos fogos, a partir de um elemento que penso que traduz uma situação de risco muito elevado. Veremos qual é o grau de acerto. Se falhar, pois o modelo não serve. Se não falhar, há uma hipótese de eu ter alguma razão.
Portanto, esperemos pela confirmação da previsão meteorológica (nos mapas para sábado parece não se confirmar o vento leste, mas na previsão descritiva para sexta, sábado e domingo aparece a referência ao vento leste) e, confirmando-se a presença do vento leste, esperemos para ver o padrão dos fogos ao fim de dois, três dias.
henrique pereira dos santos
Dos que conheço este é o site com as melhores e mais detalhadas previsões:
http://pages.unibas.ch/geo/mcr/3d/meteo/
Vento de leste a partir da madrugada de 6ª feira, com a humidade do ar a baixar dos 15%
O Pedro Vieira parece ignorar a importância que tem a previsão do clima e a previsão dos dias em que o risco de incêndio é maior.
Prever os dias de maior risco de incêndio é importante, tal como o é prever os dias com risco de tornado, maremoto, ou terramoto.
O HPS tem a sua teoria de que os dias de vento leste são os de maior risco para grandes incêndios. Não sei se a teoria é boa ou má, mas é, certamente, importante. Porque é importante sabermos com 2 ou 3 dias de avanço quando é que podemos esperar fogos de maior dimensão.
Luís Lavoura
É óbvio que quando está calor e há pouca humidade no ar os fogos têm maior facilidade de propagação. Se o vento for forte o problema é mais acentuado.
Também estamos de acordo que a matriz ambiental (mediterrânea e atlântica) e económica (abandono do mundo rural) favorecem os fogos.
Conclui-se assim que Portugal tem condições para arder muito.
Resta saber se estes factores, por si só ou combinados, explicam a desproporção da taxa ardida em Portugal por comparação a outros Países do sul da Europa e norte de África.
Tenho algumas dúvidas que assim seja.
Para concluir aquilo que o Henrique quer, implicitamente, que concluamos (que Portugal arde mais do que os outros devido a estas especificidades), é preciso mais do que constatar que os ventos de leste facilitam a propagação de grandes incêndios.
Infelizmente faltam-nos dados para prosseguir esta conversa de forma útil.
Falta-nos uma análise comparada do número e tamanho dos fogos, por regiões climáticas, em diferentes partes do mundo, entrando em linha de conta com a biomassa disponível para arder e os factores meteorológicos associados a cada fogo.
Sem ter esses dados não conseguimos sair da pequena especulação.
No entanto, sabendo o que sabemos, é possível avançar com sugestões concretas para resolver o problema. E aqui, penso que vai existindo algum consenso sobre alguns factores que podem (e acentuo o “podem”) reduzir a probabilidade de propagação de grandes incêndios.
Ao contrário do que penso que pensa o Miguel eu não quero que se pense que há uma especificidade intransponível, o que quero mesmo é que nos concentremos nos verdadeiros problemas em detrimento dos falsos problemas.
Isto é, quero que esqueçamos os fogos postos, as incompetências generalizadas, as permanentes mudanças estruturais até ao próximo Verão desastroso e nos concentremos em três coisas:
Estruturalmente a política para o mundo rural deve ser uma política que integra o problema do abandono como estratégico, sob pena de não atuarmos no vector da gestão de combustìveis e da compartimentação do espaço, que resulta de processos sócio-económicos, cuja sustentabilidade económica deve ser assegurada na lógica do pagamento do serviço de gestão de combustíveis;
Do ponto de vista da criação do nosso sistema de prevenção e vigilância ele deve ser estruturado com a máxima flexibilidade possível para permitir integrar esta previsão de curto prazo, se ela estiver certa como suponho;
Do ponto de vista do combate, matéria de que percebo pouco, parece-me que um sistema de avaliação de resultados que não seja contaminado com os fantasmas das ideias de que somos tão maus que precisa de ser tudo revisto de alto a baixo é fundamental. A gritaria que se segue a cada novo desastre sufoca qualquer possibilidade de uma política séria e de longo prazo.
E sobretudo acho que devemos interiorizar que em condições extremas, durante pelo menos os próximos dez anos, é impossível responder à catástrofe, pelo que deve sobretudo investir-se na mitigação dos efeitos (um pouco à semelhança do que defende o Miguel em relação às alterações climáticas).
henrique pereira dos santos
Eu não defendo, pelo contrário, que a previsão meteorológica não seja importante. E parece-me mesmo óbvio - e já o disse em comentário anterior - que os ventos de leste «retiram»a influência marítima e propiciam o risco de incêndio.
A questão essencial é que o problema dos incêndios em Portugal nunca se deveu à falta de previsão (meteorológica e de risco), mas sim à incapacidade de preparar uma estrutura de combate.
Eu tenho pena, sinceramente, estar a discutir estes temas sem que a esmagadora maioria das pessoas tenha tido oportunidade de ler as análises que fiz no meu livro. Lá mostra-se de uma forma evidente as diferenças abissais ao nível da primeira intervenção (em fogos nascentes, portanto) entre as diversas regiões do país. E também a incapacidade de debelar os incêndios sempre que eles atingem uma dimensão média (a partir de 10 hectares).
Discutir a importância das condições meteorológicas é uma discussão académica, interesante mas sem qualquer sentido prático se não se conseguir evitar os grandes incêndios nos poucos dias de situações extremas. Enquanto virmos os incêndios como uma catástrofe inevitável por causa de condições meteorológicas adversas, o país continuará a arder. Por uma simples razão: as condições adversas existem e existirão sempre em clima mediterrânico...
As condições edafo-climáticas adversas sempre existiram (aliás eram consideradas condições favoráveis quando a dominância era da vegetação pristina porque eram essas condições que permitiam abrir clareiras e arrotear terras mais facilmente), o que não existia, nem é forçoso que exista, é a opção por um uso do solo que potencia essas condições adversas (especialização e abandono agrícola, aposta excessiva na produção florestal, abandono da pastorícia, abandono da estrumação de solos, alteração dos combustíveis utilizados pela larga maioria da população, etc.) na convicção de que o fogo, nos tais dias extremos, é controlável.
Não, não é. Nem aqui, nem em lado nenhum se consegue parar um fogo de grandes dimensões empurrado por ventos fortes e secos para cima de toneladas de combustível.
A única hipótese é reconhecer isto e concentrar esforços na alteração da gestão do mundo rural. Pelo meio podemos melhorar a eficiência do combate para controlar danos, mas é um paliativo importante, não é uma solução.
Uma de duas opções são possíveis:
abandonar o mundo rural ao fogo e, a prazos dilatados, ele recompor-se-á e defender-se-á do fogo pela recuperação das matas pristinas, deixando dezenas de anos pelo caminho com fogos considerados socialmente inaceitáveis;
ou procurar gerir a transição entre a situação anterior de sobre uso e depauperação de solos para a situação que provavelmente existirá no futuro, com amplas áreas com matas pristinas recompostas, o que implica gerir os combustíveis para compartimentar e segmentar os fogos nas tais condições extremas que sempre existiram e existirão.
Por mim prefiro a segunda, que é difícil e consome recursos, mas temo que a ideia dramática de que o fogo é controlável com as actuais tendências sócio-económicas do mundo rural acabe por nos levar pelo primeiro caminho, menos interessante socialmente e muito mais caro.
O fogo não parece ser tanto causa de degradação e depauperamento, mas sim sintoma de recuperação do sistema exausto de centenas de anos de sobre-uso.
henrique pereira dos santos
Creio que tanto o Henrique como o Pedro têm razão, ou sintetizando, o combate e a prevenção (via controlo do combustível) são complementares e inúteis isolados. Esta discussão é algo similar a um debate na comunidade científica que já tem uns anos (e que continua) e que questiona qual a importância relativa do clima/meteorologia e da vegetação no regime de fogo.
A observação do Miguel é inteiramente justificada. Análises comparativas que levem em conta os factores mais determinantes são possíveis (eu próprio tentei uma entre a Galiza e Portugal) mas iremediavelmente contaminadas por um menor ou maior grau de subjectividade.
Cumprimentos
Paulo Fernandes
Tenho poucas dúvidas de que há com certeza razão em todos os lados.
Qual é então a razão que me faz insistir tanto na mesma tecla?
É que quando um jornal com o estatuto do expresso diz (já não sei em que Verão) que ardeu um nono do país no título do destaque com chamada de primeira página e ninguém corrige o erro (na verdade era um noventa avos) isto significa que a histeria colectiva à volta do assunto é de tal maneira grande que impede a discussão racional sem cedência à tentação de crucificar toda a gente que não alinhe no coro de protestos contra a nossa atávica incompetência.
Mas ao mesmo tempo adoptamos um programa nacional estratégico para o mundo rural, que afecta o grosso das verbas do próximo quadro comunitário disponíveis para o mundo rural ao modelo de gestão do mundo rural que acentua o desastre, sem que a questão seja seriamente discutida.
Daí a minha ênfase nos aspectos estruturais do fogo, e também na nossa especificidade edafo-climática que nos faz campeões do fogos e da produção da cortiça, não para negar os outros aspectos, mas para recentrar a discussão e para baixar expectativas em relação aos resultados que podem ser obtidos com actuações apenas ao nível do combate ou do apoio pontual à remoção de combustíveis como será o caso das centrais de biomassa.
E sim, acho que provavelmente há doses de razão em todo o lado, mas nem todos os lados têm a mesma visibilidade na hora de tomar decisões. Basta ver que o problema continua a ser tratado como se de um problema de gestão florestal se tratasse.
henrique pereira dos santos
Apenas para lembrar que o vento Leste tem nome: Suão (ou Soão).
Sempre assim foi conhecido nos meios rurais.
Ainda alguém pode pensar que o vento Leste se trata de um sopro maléfico dos moribundos comunistas...
durante anos também pensei que assim fosse, que vento Leste e Suão fosse a mesma coisa.
Perante a objecção de alguém de que Suão viria do Sul, seria portanto um vento de Sul, fui confirmar em vários dicionários e enciclopédias e de facto Suão aparece como sendo um vento de sul, quente e frequentemente associado a trovoadas.
Na dúvida deixei de associar o nome Suão ao vento Leste.
henrique pereira dos santos
soão - diz-se do vento de leste e do nordeste.
suão - diz-se do vento Sul e do Sudoeste.
Soão - diz-se do vento que sopra donde nasce o SOL (Leste)
obrigado pelos esclarecimentos, que vou agora procurar confirmar (a primeira confirmação imediata dá razão aos comentários feitos) noutras fontes.
henrique pereira dos santos
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