Do Governo ao Presidente da República, passando por comentaristas e editorialistas, há muito quem diga que os números de área ardida este ano são tão bons que não se pode tirar mérito ao Governo, tanto mais que, aparece a partir deste fim de semana, o índice meteorológico deste ano foi tão mau como de outros anos em que ardeu muito mais.
Eu acredito que sim, que o Governos tenha mérito e essas coisas todas, só ficarei espantado num destes próximos anos (mesmo considerando 2003 e 2005 (e 2004 para o Algarve) como nos excepcionais que dificilmente se repetirão com frequência) quando arder outra vez acima dos 150 000 hectares e ninguém reformar a utilização desse tal índice meteorológico: é que aqui neste blog acompanhou-se a previsão do tempo e da evolução dos fogos e não há dúvida que foi dos anos mais favoráveis para o controlo dos incêndios.
Seria um fait divers de propaganda sem importância. Mas tem uma consequência clara: o Governo, o Presidente e os comentaristas, satisfeitos com os resultados, satisfeitos ficarão com o mero aprofundar das políticas que na sua opinião tiveram tão bons resultados.
E a política agrícola (não, não é de política florestal que falo, é mesmo de política agrícola) que de facto poderia mudar estruturalmente o território a prazo, no sentido de lhe conferir menos vulnerabilidade ao fogo, continuará a aprofundar as razões profundas da profunda vulnerabilidade ao fogo do nosso território até à profunda depressão que se seguirá ao um ano mau (com os índices meteorológicos que quiserem, mas com vento leste em profundidade).
henrique pereira dos santos
segunda-feira, setembro 25, 2006
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10 comentários:
Chegámos a Setembro de 2006 sem que 70% dos concelhos tivessem chegado a apresentar o seu "Plano Municipal de Defesa da Floresta contra Incêndios". Os 30% que o fizeram sofreram reprovação, sem excepção alguma.
Se houve factores político-administrativos que reduziram o número de incêndios deste ano, por certo não foram os PMDFCI.
O que falta fazer na floresta
Manuel Carvalho
O que importa para o futuro é evitar a repetição das inércias dos últimos anos, quando todos os ministros rejubilavam na apresentação dos seus planos florestais para, de imediato, os remeterem para a gaveta do esquecimento
O Presidente da República teceu ontem rasgados elogios ao Governo pelos "resultados muito positivos" no combate aos incêndios. Olhando para as estatísticas provisórias dos serviços florestais até 15 de Setembro, é impossível não reconhecer à equipa de António Costa e de Ascenso Simões mérito nos resultados: este ano, arderam 70.231 hectares de matos e povoamentos florestais, área que corresponde a um terço da média registada entre 2000 e 2006, que ascendeu a 212 mil hectares, e a um sexto dos valores fixados para o dantesco ano de 2003 (418 mil hectares). Mesmo concedendo que a providencial chuva que baixou a temperatura e acalmou os incêndios entre 15 e 21 de Agosto tenha sido um excelente contributo para o brilharete do Governo, convém igualmente ter em atenção que o índice de severidade meteorológico, que combina os valores da temperatura e da humidade do ar, apresentou, no geral, valores mais graves do que nos verões entre 2000 e 2004. Será, no entanto, bom que António Costa não se deixe embalar pela simpatia das estatísticas e se recorde do desabafo que largou num dia da primeira quinzena de Agosto, quando, na sequência da vaga de incêndios que alastrou pelo país e fez recear a repetição das tragédias de 2003 e de 2005, lastimou o abandono e o desleixo na limpeza de parte da floresta privada. Por muito que o modelo operacional desenhado pelo Governo tenha produzido efeitos, ainda que a acção das brigadas de primeira intervenção tenha sido proveitosa, o ministro deve nesse momento ter percebido o que os técnicos florestais e os bombeiros sabem há muito: quando as matas não são limpas e as condições atmosféricas se agravam, não há esquadrilhas ou brigadas capazes de travar o avanço das chamas.
O ministro pode, por uns meses, ostentar a sua pequena coroa de glória pelo mais baixo índice de devastação na floresta dos últimos anos e dedicar-se a melhorar processos e a afinar a máquina operacional, até porque, em 2006, continuou a haver incêndios a dizimar de uma assentada sete mil hectares. Mas, se houver uma ponta de coerência, quem deve assumir o protagonismo até ao Verão é o ministro Jaime Silva. Porque é sob a sua tutela que estão os serviços com maior competência e responsabilidade na resolução do problema profundo da floresta nacional: o seu abandono e o seu desordenamento.
O trabalho que está pela frente é difícil e levará décadas a concretizar-se. Resultado, em boa medida, de anos e anos de reflexão e estudo, o país já sabe qual é a estratégia florestal conveniente para preservar o seu mais importante recurso natural renovável. O que importa para o futuro é evitar a repetição das inércias dos últimos anos, quando todos os ministros rejubilavam na apresentação dos seus planos para, de imediato, os remeterem para a gaveta do esquecimento. As alterações climáticas, o agravamento da desertificação do interior, as doenças e, obviamente, os incêndios exigem trabalho duro que se prolonga muito além do ciclo eleitoral. Mas é esse que importa fazer. Porque se é razoavelmente fácil comprar aviões e montar brigadas de ataque às chamas, muito mais difícil é induzir mudanças num sector pulverizado em pequenas parcelas abandonadas e condenadas a extinguirem-se na próxima catástrofe. Se o Governo for por aí, então sim, merecerá por inteiro os elogios do presidente e do país.
O que gostaria de acentuar é que não se trata de uma questão de estratégia florestal como insistentemente se refere, mas de uma questão de estratégia agrícola.
henrique pereira dos santos
Um post (in)utilmente técnico: o índice de severidade meteorológica com que a DGRF confronta as áreas ardidas e o nº de fogos deriva directamente de um índice de perigo de incêndio (FWI) comprovadamente eficiente quanto à descrição das condições piro-meteorológicas em Portugal. Ao contrário do que alguns pensam esse índice reflecte não só a temperatura e humidade do ar, como também o vento e a chuva. O que é de contestar é a forma como o índice é usado, porque desvaloriza os dias meteorologicamente desfavoráveis à propagação do fogo, o que depois se presta a comparações favoráveis com outros anos em que ardeu muito mais com uma severidade meteorológica apenas aparentemente idêntica.
E a satisfação não é só da inconsciência, é também da ignorância/incompreensão. Estratégias florestais/agrícolas à parte, os resultados consistentes a curto prazo no combate a incêndios fazem-se com mudanças reais no sistema de combate, não com paliativos. Por muito eficientes que os grupos de intervenção da GNR sejam, quando abandonam o "teatro de operações" são substituídos pela tropa fandanga do costume. Vejamos se esta satisfação se mantém para o ano...
Paulo Fernandes
Caro Paulo,
Tenho alguma dificuldade em perceber as (in)utilidades técnicas, como as descreveste.
Se o índice é eficiente na descrição das condições piro-meteorológicas,então isso significaria que a valores semelhantes do índice corresponderiam condições de fogo semelhantes.
Talvez com exemplos eu perceba melhor: sabes dizer-me se os valores do índice foram semelhantes no fim de Maio, no meio de Julho e a na segunda semana de Agosto?
Quanto à tua questão das melhorias de curto prazo como sabes é matéria de que não percebo nada e portanto acredito no que me parecer lógico. Só que melhorias de curto prazo, sem alteração das condições estruturais que favorecem a acumulação de combustíveis, tenderão a acelerarar essa acumulação, criando mais depressa condições de vulnerabilidade.
Como se resolve este paradoxo?
henrique pereira dos santos
A resposta é talvez obscura: O uso do índice de severidade meteo é incorrecto porque a comparação é na base do seu valor acmulado com o o valor acumulado de área ardida. Como o índice é proporcional ao quadrado do índice real (o FWI, sendo que a intensidade do fogo aumenta com o quadrado do FWI), os valores de maior perigo contribuem muitissimo para o valor acumulado, o que pode dar uma impressão de discrepância entre perigo e meteorológico e fogos. Os dias de menor perigo, que quebram a sequência de dias com fogos grandes intensos, são por sua vez pouco relectidos no valor acumulado. Seria melhor recorrer apenas ao FWI e confrontá-lo directamente com o que arde em cada dia, semana ou mês.
O paradoxo sucesso do combate = incêndios futuros mais graves não se resolve... a não ser atacando também o outro factor da equação, ou seja a acumulação de combustível. Havia quem pensasse que esta equação era exclusiva dos EUA, onde já é reconhecida desde o final da década de 60. Mas os incêndios da Galiza deste ano mostram bem que se trata de uma equação universal.
Outro tópico: regresso de 2 dias de trabaho de campo, repartido pelas serras do Soajo, Gerês e Cabreira, em 3 incêndios distintos deste verão. Mais uma vez comprovei a capacidade das folhosas higrófilas (com destaque para o vidoeiro) para impedir a progressão do fogo. Mas também do medronheiro, que não é propriamente higrófilo: um bosquete maduro com cerca de 8 m de altura travou um incêndio em apenas 5 m.
Mas o caso mais interessante foi o de uma ilha com cerca de 400 m de comprimento por 50 de largura no alto da Cabreira: uma 1ª faixa de giesta (menos combustível que os matos envolventes de carqueja e urze) reduziu a intensidade do fogo. Sucedeu-lhe o efeito do pinheiro silvestre, também de redução da intensidade. Depois, em resinosas exóticas do O dos EUA (Chamaecyparis lawsoniana) uma redução adicional de intensidade. Finalmente, no vidoal junto a um ribeiro, a auto-extinção do fogo (a uma distância de 5 a 10 m da água). E este não é o 1º incêndio a incidir no bosquete, já que as espécies de árvores com casca mais fina e na sua periferia apresentavam cicatrizes de pelo menos um fogo.
O ultimo paragrafo do comentario do Paulo e' deveras interessante.
Quando viajei pela Baja California (Mexico), disseram-me que os incendios na "garrigue" local eram de pequenas dimensoes, auto-extinguindo-se naturalmente. Em contrapartida, os incendios na "garrigue" da California (EUA) poderiam ser de enormes dimensoes, necessitando de um caro aparato de bombeiros profissionais para serem extintos.
A diferenca entre a "garrigue" do Mexico e dos EUA e' que a primeira praticamente que nao e' gerida e a segunda e' gerida intensamente... com pastoreio.
Ora o pastoreio tem como resultado uma simplificacao do mosaico de vegetacao, favorecendo a dominancia de especies ruderais, i.e., especies que beneficiam de pressao externa.
As garrigues do Mexico sao mais diversificadas, estruturadas em mosaico devido ao padrao dos fogos, e possuem mais especies de sistemas maduros que ardem menos bem.
Penso que seria interessante analisar esta situacao com mais atencao pois pode dar-nos ensinamentos para a situacao Europeia.
O problema e' que pode ser extremamente dificil criar, artificialmente, mosaicos do tipo daquele que existe na Baja California mantendo simultaneamente uma gestao activa dos matos.
Por exemplo, se levassemos a cabo o que o Henrique anda a propagar ha' alguns anos, teriamos as serranias cheias de cabras e ovelhas. Uma das consequencias desta politica poderia ser a simplificacao do mosaico vegetal com o consequente aumento da propensidade para incendios.
Na realidade o que se esta' a passar agora e' de certa forma o resultado deste fenomeno: aumento de biomassa em sistemas simples replectos de especies ruderais aumenta a facilidadede propagacao de fogos.
Pode-se resolver o problema intensificando o pastoreio, o que pode levar a' exaustao dos solos (por via da erosao) e continuacao de processsos de simplificacao da paisagem.
Ou, avancar com um processo de gestao intensiva (restauro) da paisagem por forma a criar uma matriz menos permeavel ao fogo.
Imagino que esta segunda opcao seja mais dificil de implementar do ponto de vista tecnico e quase impossivel de implementar do ponto de vista politico ja' que estamos a lidar com terrenos privados onde e' dificil impor medidas drasticas de gestao do coberto.
Um comeco possivel seria avancar com este tipo de gestao em areas protegidas.
A linguagem é uma fonte de mal entendidos, disse a raposa ao principezinho.
O Miguel diz que se se fizesse o que ando a propagar há anos teríamos as serras cheias de cabras e ovelhas e parte para um raciocínio sobre isso que conclui que há uma alternativa de não gestão, que dá melhores resultados na baja california.
A quantidade de mal-entendidos por parágrafo é apreciável.
Já tivemos as serras cheias de cabras e ovelhas, mais ou menos até aos anos 50 e 60, portanto o processo de simplificação (e de perda de solo) já se deu, não estamos a partir de uma situação estável.
A não gestão é o que hoje se passa em grande parte do nosso território, por abandono. O resultado é uma alteração significativa do padrão de fogo, mais inaceitável do ponto de vista social, mas bastante mais favorável do ponto de vista da conservação dos sistemas que o padrão anterior (o tal que estava associado à gestão intensiva com pastoreio, e que ardia tudo, mas baixinho e muitas vezes).
Portanto o qe está em discussão não é bem a opção entre gestão com pastoreio e não gestão, mas a gestão do processo de transição entre a situação inicial da primeira metade do século vinte e a futura recomposição de sistemas.
Ora o que tenho vindo a propagar é que não há grandes problemas de conservação no actual padrão de fogo, mas há problemas sérios de conservação em muitas das medidas defendidas para o tornar mais aceitável socialmente (para além de uma afectação de recursos pouco interessante socialmente).
E concluo, portanto, que a gestão dessa transição ganha em incorporar o pastoreio como ferramenta de gestão de combustíveis, não sendo imcompatível, mas complementar, das áreas de não gestão.
A opção de não gestão é pura e simplesmente insistentável socialmente, sobretudo nas áreas protegidas, como demonstra a histeria à volta do incêndio no Ramiscal, portanto a proposta até pode ser boa, mas precisa de ser socialmente vendável, o que demora anos a conseguir.
No fim, com fogo ou sem fogo, se a intensidade de uso do mundo rural se mantiver (o que acontecerá enquanto o petróleo for tão barato, suponho eu) teremos sistemas muito mais resilientes ao fogo, porque os sistemas autóctones estão numa recuperação fantástica.
Já agora, só um aspecto marginal da dificuldade de sustentação social da proposta do Miguel: transitoriamente, e em alguns casos definitivamente, a proposta de não gestão pode implicar perdas de biodiversidade (com ganhos também, mas toda a gente sabe que a recuperação de uma espécie é uma notícia muito menos interessante que a perda, e portanto menos mobilizadora socialmente), o que levanta sérias dificuldades à sua adopção nas áreas classificadas.
henrique pereira dos santos
De facto a linguagem e' fonte de mal entendidos, sobretudo quando nao se lhe da' a devida atencao.
Eu nao defendi a "nao gestao" como forma de solucionar o problema dos fogos. Pelo contrario, as minhas palavras foram:
"avancar com um processo de gestao intensiva (restauro) da paisagem"
O que eu tb disse e' que podemos aprender com o caso da Baja California pois a gestao intensiva de que falo (i.e., restauro) visa a recuperacao de dinamicas de fogo mais proximas daquelas que seriam esperadas em ambientes Mediterraneos antes de termos transformado as matas primaverais em monoculturas de especies pirofitas.
Estamos de acordo (mais do que poderia parecer).
Já fiz até um post a falar desse restauro a partir das zonas de acumulação de solo (onde estão actualmente a desenvolver-se matas muito interessantes, com a grande vantagem de serem estruturas lineares e portanto com grande superfície de interacção com a envolvente), simplesmente para mim não me parece que existam recursos, nem tenho a certeza de que seja a maneira mais inteligente do o fazer, para prescindir do pastoreio na gestão do fogo que é uma condicionante incontornável da gestão do território neste longo período que vamos ter de transição entre o que houve e o que haverá.
henrique pereira dos santos
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