Pela primeira vez desde que foi promulgada a desastrosa Lei dos Alvarás de Loteamento de 1965, uma bancada parlamentar propôs a retenção pública das mais-valias urbanísticas. Para recuperar um atraso legislativo de quatro décadas, já só faltam quatro bancadas!
O combate à corrupção tem sido uma causa que motiva um entusiasmo consensual - pelo menos em teoria. Na prática, os seus inconvenientes parecem ser tantos que as iniciativas mais acutilantes nesse sentido são cedo rechaçadas, como vimos recentemente suceder com a criação da figura criminal do "enriquecimento ilícito" proposta pelo socialista João Cravinho.
Decerto que na categoria de "enriquecimento ilícito" mereceriam ser tidas em conta certas formas de "enriquecimento sem causa" muito frequentes no urbanismo português, onde um proprietário vê o valor do seu terreno ser multiplicado por meros alvarás de loteamento, arrebatando sem qualquer mérito económico chorudas mais-valias imerecidas, neste caso urbanísticas. O loteador enriquece à custa do empobrecimento do erário público, muitas vezes graças à cumplicidade dos decisores políticos, como foi claramente denunciado pelo social-democrata Paulo Morais. O clima de suspeição é de tal forma generalizado que, justa ou injustamente, tem levado a investigação judicial a investigar actos urbanísticos ministeriais envolvendo o ambiente e o ordenamento do território, como demonstraram os casos de Benavente e de Nova Setúbal. Instituições como a Ordem dos Arquitectos já se manifestaram publicamente a favor da revisão das leis que nos trouxeram a este estado.
As mais-valias urbanísticas equivalem ao acréscimo de valor sofrido por um terreno quando uma decisão político-administrativa aumenta o seu potencial de edificação. Os alvarás valem fortunas, como se tornou claro pelos recentes casos do Cabo Raso (1.350.000 € por hectare), Marvila (duplicação do valor inicial), Gondomar (quadruplicação do valor inicial) e tantos outros. E quão desmoralizador é para os portugueses perceber que o método mais expedito de gerar uma fortuna não é aumentar a produtividade, mas sim sacar um favor político-administrativo...
É por este motivo que as políticas urbanísticas de todos os países desenvolvidos definem como uma das suas prioridades máximas garantir a retenção pública destas mais-valias, como atesta o direito comparado. Nuns países, esta retenção é efectuado por via de taxas draconianas; noutros, por interdição dos loteamentos privados. Estão em causa não somente a qualidade do urbanismo no sentido físico do termo, mas também e sobretudo o princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a Administração Pública. Desde David Ricardo e Stuart Mill que este preceito de economia política está nas bases da legislação urbanística ocidental. De facto, que justiça, que racionalidade económica podem existir num acto administrativo que descricionariamente enriquece uns cidadãos em detrimento dos outros, sem que os primeiros dêem qualquer contrapartida proporcional aos segundos? Ninguém explanou mais eloquentemente estas ideias do que Winston Churchill.
Em Portugal, é triste dizê-lo, o tema parece ser tabu nos paços municipais e nos passos perdidos de São Bento. Apesar de todos os seus resultados: a corrupção urbanística ainda por tipificar, o caos territorial, a desigualdade social, a ineficiência económica. Apesar de todos os estudos, relatórios e diagnósticos publicados por investigadores nacionais e estrangeiros. Dir-se-ia que o láudano das fortunas fáceis oferecidas pelos alvarás tem entorpecido o discernimento dos legisladores. Lembra os alvarás petrolíferos da Nigéria: maná para uns poucos cidadãos, fel para os demais.
Não estamos inteiramente sós no Ocidente. Os nossos vizinhos ibéricos, apesar de terem eregido em princípio constitucional a posse pública das mais-valias urbanísticas, estão a ter dificuldade em controlar a sua corrupção que ajuda os privados a capturá-las? Que dizer de nós outros, portugueses, cuja legislação apenas trata das mais valias urbanísticas nos seguintes termos:
"Os mecanismos de perequação compensatória a prever nos instrumentos de gestão territorial vinculativos dos particulares deverão ter em consideração os seguintes objectivos: a) Redistribuição das mais-valias atribuídas pelo plano aos proprietários" (artigo 137º do DL 380/99)
Que dizer deste articulado, quando o comparamos com a denúncia que a Transparency International faz do caso menos flagrante da legislação espanhola? Como se justifica o silêncio dos políticos portugueses, depois de se terem passado mais de quatro décadas desde a privatização das mais-valias urbanísticas?
Esse silêncio no hemiciclo foi quebrado nesta semana pelo Bloco de Esquerda. Qualquer pessoa que aprecie a discussão democrática, independentemente das suas inclinações ideológicas, deverá reconhecer que foi cumprida uma importantes funções de um partido minoritário: lançar a debate temas incómodos a que a maioria se procura furtar. Neste caso, furtava-se há décadas.
Sucede que o problema em questão ultrapassa em muito as tradicionais clivagens esquerda/direita e autoritarismo/liberalismo. Todos os partidos têm de propor uma solução para este gravíssimo problema. Nenhuma doutrina política moderna, seja ela socialista ou capitalista, consegue justificar que Portugal mantenha uma política de solos mais própria de uma cleptocracia terceiromundista do que de um país ocidental do século XXI.
Venham mais quatro propostas: das bancadas da CDU, do PS, do PSD, do CDS. Que não se confine à esquerda o debate que deveria alargar-se a todo o espectro. Guardar silêncio é ser cúmplice do assassinato das nossas paisagens, da nossa qualidade de vida, da nossa economia, da nossa justiça.
sábado, fevereiro 17, 2007
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13 comentários:
Caro Prof Pedro Bingre do Amaral,
Boa Noite!
Li com muito gosto o seu texto.
Muito obrigado por ele.
Já comecei a alertar as atenções das pessoas que me ouvem e que lêem de algum modo para a importância de visitarem
http://ambio.blogspot.com/2007/02/venham-mais-quatro.html
O assunto é muito sério.
Concordo que todas as pessoas responsáveis, e em particular as forças políticas na Assembleia, têm o dever de se pronunciar.
Que sim!
Que não!
O quê de alternativo?
Ninguém com seriedade deve ficar calado, nada dizer.
Se decidir calar-se, isso não só não será o melhor, como será mesmo ensurdecedor.
Cordialmente
17 Fev 2007
ant silv ângelo
Caro Pedro,
A radicalidade das tuas posições nesta matéria tem o grande mérito de questionar a raiz do problema de uma forma compreensível para qualquer pessoa.
Mas parece-me que insistes numa especificidade portuguesa (agora matizada pelo que se passa em Espanha) que não consigo ler nos textos a que fazes ligação (particularmente o texto do direito comparado está longe de suportar a ideia de especificidade portuguesa, pelo contrário, para além da especificidade da Suécia e das grandes cidades holandesas, aparentemente a discussão é mais ou menos geral e cronológicamente coerente).
Destas tuas posições não vem mal ao mundo, ainda bem que existem pessoas diferentes a pensar de maneira diferente.
Mas do ponto de vista da acção as tuas propostas têm um grave problema que gostaria que fosse possível remover para alargar o apoio à vrdadeira apropriação púbica das mais valias resultntes de actos administrativos.
De maneira geral identificas o raiz do problema na lei e concluis no fim que acabar com a corrupção pressupõe a nacionalização de grande parte do processo urbanístico.
Ora a raiz do problema é para mim económica (a excepcional valorização do terreno urbano e a excepcional desvalorização do terreno de produção de alimento e fibras que resulta do processo de industrialização, concentração de produção e globalização) e desconfio que mais que nacionalização precisamos sobretudo de transparência. É que se a capacidade de captar as mais valias for nacionalizada cresce também exponencialmente o potencial corruptor das mais valias (penso que em grande parte das autarquias do Sul de Espanha tem sido sobretudo esse o problema, mas disso saberás mais que eu).
O que te pergunto é simples: não será mais eficaz, pelo menos para já, uma larga coligação de interesses na imposição de transparência económica associada ao processo de planeamento deixando a discussão das formas de captação pública das mais valias mais aberta que a tua única proposta? A mera obrigação de associação de um quadro de antes e depois do valor dos terrenos a cada proposta de plano penso que traria ao debate outra capacidade mediática e de influência social.
E acho que esta seria uma proposta muito consensual, fácil e rápida de executar.
henrique pereira dos santos
Parabéns Pedro. Demorou, mas abriu-se a discussão. Um abraço,
J Casquilho
PS: hoje vou ver um filme chamado o Samsara :)
Na sua exposição de intenções, a proposta de lei com a qual revela a sua concordância afirma a determinado momento:
"A natureza especulativa deste segmento de actividade económica está na
origem do profundo caos urbanístico que impera na maioria dos nossos municípios,
onde a urbanização não procede tanto do ponto de vista da necessidade de um
ordenamento sustentável, mas mais do ponto de vista da produção de recursos
municipais. Daqui até ao favorecimento inexplicável de projectos de grande impacto
negativo para o equilíbrio urbano decorre um passo que tem dado lugar a situações de
contornos ilícitos."
Ora, pergunto eu, a reversão do valor das mais-valias para o Município não tentará, ainda mais os municípios, a gerar essas mais valias, ainda que em desfavor de um bom ordenamento do território?!... De Espanha, a este nível, podemos colher um excelente exemplo de como esta cativação das mais-valias funciona contra o urbanismo!
Isto já para não falar da grande confusão de conceitos que aqui se demonstram, designadamente, entre operações de loteamento e instrumentos de gestão territorial! Uma tamanha demonstração de falta de conhecimento destes conceitos só fragiliza a ideia de fundo que se pretende defender neste post!
Cara Ana Silva:
Obrigado pelo seu comentário.
Começo por esclarecer o seguinte: não fui o autor material da proposta de lei do BE. Admito que possa ter tido alguma influência indirecta, dado que no passado ano palestrei sobre a posse pública das mais-valias em encontros do bloco, tal e qual como o fiz em encontros do PSD e do PS, além de seminários das ordens dos Engenheiros e dos Arquitectos, e ainda da ANMP. Semeei as ideias e congratulo-me por começarem a germinar. No entanto, não escrevi nem esta proposta, nem as tomadas de posição dos bastonários das ordens (vide a entrevista que o bastonário dos Engenheiros está a dar no programa "Diga Lá Excelência" de hoje mesmo, amanhã reproduzido no jornal "Público").
Concordo com a proposta de lei do BE, e espero que o debate parlamentar a melhore com o contributo de TODOS (faço questão de enfatizar o *todos*) os partidos com assento parlamentar. Mas também reconheço verdade na observação que a Ana faz: uma das coisas que pode ser melhorada nesta proposta é, precisamente, a fraseologia que citou - está pouco clara, no sentido em que a letra da Lei não exprime bem o seu espírito.
Passando da letra ao espírito, a Ana pergunta-se se "a reversão das mais-valias para o município não tenderá a agir em desfavor do bom ordenamento do território", e cita Espanha como um exemplo de onde assim supostamente sucedeu. Ora, parece-me que a Ana não leu atentamente as reportagens de Espanha: lá, o problema é justamente o contrário: a lei não estar a municipalizar suficientemente as mais-valias! Quanto maior for a quantidade de mais-valias transferidas para o loteador privado, mais endividado fica o município e mais densamente quererá construir o promotor! Isto é o que nos ilustra à saciedade o conjunto das últimas quatro décadas!
Holanda e Dinamarca são exemplos de países onde a posse pública das mais-valias urbanísticas é praticamente total - com óptimos resultados. Espanha é um país onde as mais-valias pertencem constitucionalmente ao Estado, mas os mecanismos de cativação (convénios e contrapartidas) são ineficientes, transferem de forma encapotada as mais-valias para os particulares, com os resultados que o El Mundo tão bem explana. Portugal é o único país onde as mais-valias são explícita e legalmente entregues aos particulares, com os resultados que estão à vista.
Quanto à tentativa de me chamar de ignorante, assumindo que não sei distinguir entre "operações de loteamento" e "instrumentos de gestão territorial", deixe-me dizer-lhe o seguinte:
-sob o eufemismo "instrumentos de gestão territorial" esconde-se o mais inútil, incompetente e cínico processo de pilhagem do território, que sustenta uma indústria de pareceres jurídicos ridículos e arbitrários para legitimar as tais
-"operações de loteamento", última etapa no processo de distribuir "fortunas trazidas pelo vento" sob a forma de mais-valias urbanísticas.
Pode dizer-me que "Instrumentos de Gestão Territorial" e "Operações de Loteamento" são instituições jurídico-administrativas formalmente distintas. É verdade, nunca disse o contrário (os meus textos são públicos, diga-me em que trecho cometi esse suposto erro). O que importa, porém, é que são substantivamente uma e a mesma essência do processo de distribuição de mais-valias.
Nas muitas vezes que já interpelei autarcas a propósito das revisões ou suspensões de PDMs, e sempre que os confrontei com a entrega de mais-valias que isso suporia, responderam-me "que não, que não, que isso só se concretiza com o alvará de loteamento e por via das pressões do mercado fundiário". Ora que sofismas pueris! Como se a revisão não estivesse sendo feita justamente para permitir o loteamento!
Cumprimentos do
Pedro Bingre.
Cara Ana Silva:
Relendo agora o seu comentário e a resposta que a ele lhe dei, dou-me conta de que provavelmente confundi o alvo da sua perplexidade. Numa segunda leitura parece-me que a Ana critica somente a má redacção da proposta, e não tanto o "post" que eu havia feito ou sequer o a ideia de fundo (o "espírito") subsjacente à lei.
Se for esse o caso, lamento alguma defensividade extemporânea da minha parte.
Cumprimentos do
PB
Caro Henrique:
Obrigado pelo teu comentário.
Concordo inteiramente contigo quando dizes que uma forma consensual de começarmos a destrinçar o problema será exigir a publicação das contas públicas e privadas associadas a cada acto urbanístico da administração pública. Sempre que um plano de ordenamento do território é publicado, já se sabe, uns terrenos valorizam-se, outros mantêm o valor, outros perdem-no; o Estado e as Autarquias recebem encargos perpétuos de manutenção de infraestruturas... e no entanto, a Lei não obriga os "planeadores" a apresentarem as contas dos impactos económicos dos seus planos! Ou seja, os POT fazem a fortuna a uns e a desventura a outros, sem nunca clarificarem os números e os nomes envolvidos.
Enquanto a nossa legislação urbanística não se alterar, a única forma de impor transparência económica ao nosso ordenamento do território é os cidadãos exigirem aos autarcas que publiquem uma lista dos prédios rústicos requalificados, o orçamento da variação de valor de cada um, e nome dos respectivos proprietários. E nesta apreciação do valor inicial versus valor final não se pode deixar de ter em conta que um solo agro-florestal não pode estar cotado muito acima dos 10.000 € por hectare (tendo em conta uma taxa de juro de 3.5%; se a taxa subir, o valor desce). [Os terrenos de Marvila e de Gondomar apenas duplicaram/quadruplicaram o seu valor porque partiam de um valor inicial já de si especulativo, muito superior ao seu valor agrícol].
Agora mudando ligeiramente de assunto: não proponho que as mais-valias sejam "nacionalizadas", porque nacionalizar é um acto político muito diferente.
Nacionalizar é chamar à posse pública um capital que se encontra à partida em mãos privadas.
Ora, as mais-valias urbanísticas não se encontram à partida nas mãos dos particulares; elas são *transferidas* para as mãos dos particulares por via dos alvarás de loteamento (os quais são precedidos pela [re]classificação dos usos em sede de POT). Por isso, em todo o rigor não se pode falar *nacionalização* das mais-valias: o Estado não vai tirar nada ao proprietário, vai apenas abster-se de lhe dar um rendimento que ele à partida não tinha nem posteriormente fez por merecer.
Repara: as mais-valias urbanísticas são criadas pela valorização do local onde se encontra o terreno; essa valorização resulta do alvará e dos planos. Quando o Estado retém as mais-valias está a tratar de igual modo, como manda a Constituição, o proprietário dos terrenos agrícolas sem alvará e o proprietário dos terrenos agrícolas que receberam alvará: nem um nem outro recebem mais-valias. Triunfa a equidade. Em contrapartida, se ambos quiserem continuar a praticar a agricultura, podem fazê-lo: tão-pouco o Estado os vai expropriar.
Lamento ser maçadonho nesta ênfase: a *retenção pública das mais-valias urbanísticas* nada que ver com uma suposta *nacionalização da propriedade*.
Um abraço do
Pedro.
A urgência da cativação pública das mais valias urbanísticas cresce proporcionalmente com o desajuste e ineficácia dos planos de ordenamento, que se encontram actualmente em vigor no território nacional. Ou porque persistem conflitos de interesses entre o público e o privado ou simplesmente porque o interesse público é, manifestamente, instrumento do interesses privado. Aqui reside algum do descrédito por uma medida deste tipo se não aprofundada devidamente. Reconheçamos, sem receios, que as autarquias deste país estão hoje com as suas receitas cativas dos processos de urbanização, directa ou indirectamente, e totalmente incapazes de se assumirem como alternativa aos poderes administrativos que o governo central pretende, a todo o custo, transferir para a administração local (depois do fiasco da Regionalização), ou seja, a Administração nunca poderá ser entendida como una (veja-se a reacção recente de muitos autarcas ao QREN…). Logo, quem seriam os beneficiários da colecta dessas mais valias? As autarquias? Seriam os seus cofres ainda mais dependentes das receitas decorrentes do fenómeno da sobre-urbanização? Seriam as suas débeis máquinas administrativas capazes de garantir a prevalência do interesse público? Então porque não o são hoje?... Não me parece de todo sustentável. Talvez nos Países Baixos e Escandinavos este simples procedimento funcione, entre muitos outros, pois a sua organização político-administrativa amadureceu quanto aos objectivos consensuais de desenvolvimento. Em Portugal?... Creio que a cativação pública só poderia ter sucesso se vertida directamente para os fundos do Ministério do Ambiente e redistribuída pelos municípios segundo critérios bem definidos de sustentabilidade.
Caro Pedro,
Como sabes separa-nos uma questão de fundo sobre a natureza do problema.
Tu dizes que o problema é decorrente da lei e que o território é um factor de produção especial, eu acho que a raiz do problema é económica e que o território é um factor de produção como os outros.
Ou seja, eu entendo que o que confere valor aos terrenos urbanos é o mercado. Basta pensar que na ausência de qualquer regulamentação os terrenos do centro das grandes cidades seriam, em qualquer caso, muito mais caros que os dos confins do mundo.
O que os planos fazem é intervir na formação do preço restringido a oferta (ao colocar restrições à edificabilidade), com isso eventualmente fazendo subir o preço dos terrenos urbanos onde é permitida a edificabilidade e desvalorizando os terrenos onde não é permitida a edificabilidade.
Reter para o Estado as mais valias assim distorcidas pode ter sentido, procurar anular o mercado nivelando todos os preços é ineficiente.
A razão de ser da legislação dos anos sessenta (e que o teu link sobre o direito comparado demonstra ter sido um problema generalizado após a segunda guerra) é exactamente a ineficiência do Estado na disponibilização de áreas urbanas ao ritmo que o mercado exigia.
As condições particulares do após guerra, que permitiram algumas soluções de forte intervencionismo estatal, têm virtudes e defeitos, como qualquer solução, mas não impedem que 9 das 10 maiores fortunas espanholas estejam ligadas ao imobiliário e que mais ou menos em todo lado se fale da bolha especulativa imobiliária que estará a suportar várias economias (incluindo a americana).
Portanto mais que aprofundarmos esta divergência de fundo que nos separa, e que separará muita gente nesta discussão, retomo a ideia de nos centrarmos na transparência: mesmo não sabendo os nomes e exactamente os limites do cadastro (a velha desculpa para não se avaliar) nada impede que os planos sejam todos obrigados a ter uma carta que explicita para cada mancha de zonamento as alterações de valor introduzidas pelo plano nesses terrenos.
É relativamente fácil, é relativamente consensual e é a base para qualquer discussão futura que pretenda envolver as pessoas.
Centremo-nos portanto nesta proposta, que pode ser largamente consensual, em vez da discussão moral sobre a legitimidade ou ilegitimidade das mais valias.
henrique pereira dos santos
Mais um destes casos denunciado no a-sul, creio que é do conhecimento do Dr. Pereira dos Santos.
A apropriação pública das mais valias urbanísticas em pouco ou nada interferiria nas práticas correntes no domínio do urbanismo, e por uma razão muito simples, o imobiliário, como pilar fundamental que suporta a economia nacional, pelo seu próprio funcionamento especulativo, facilmente estaria a salvo da mão colectora do aparelho de Estado, tal como já acontece. O enriquecimento ilícito continuaria encoberto por declarações falsas, avaliações deficitárias, agentes da Administração Central e Local corruptos ou simplesmente coniventes por incompetência, maus planos, maus instrumentos de gestão, etc. Não é possível fugir ao tema, o planeamento faz-se com planos e respectiva regulamentação ou orientação estratégica. Um plano não é simplesmente aquilo a que nos habituámos a ver nas fotocópias das plantas de localização das Câmaras Municipais e agora em alguns sites, como manchas, em tramas ou coloridas, que correspondem a determinados parâmetros de edificabilidade, é tanto, ou mais, como a complexidade dos factores que pretende abarcar e influenciar, seja a qualidade de vida e os direitos constitucionais das pessoas, seja o ambiente, a economia, a identidade cultural, o desenvolvimento do tecido empresarial, etc. A verdade é que se continua a fazer letra morta dos objectivos estratégicos da Lei de bases do Ordenamento do Território, e seus decretos-leis subsidiários, em detrimento da liquidez e da impetuosidade em mostrar obra feita por parte das autarquias locais, não dispensando, em caso algum, a movimentação de grandes campanhas propagandísticas através dos seus órgãos preferenciais de comunicação. A transparência? A transparência atrai forçosamente a discussão pública, o debate, o conflito, o fomentar e o reavivar das oposições, dos interesses dos aparelhos partidários e suas facções, dilui a vantagem competitiva dos intervenientes económicos. A discussão pública atrasa, ou põe em causa, a realização de acções ou decisões e as respectivas verbas que lhes estão directamente associadas, logo é algo que não importa, de todo, promover. Este comportamento por parte dos municípios portugueses, e sob a capa protectora das associações de municípios, tem sido uma constante, agravado ainda mais pela redução das transferências do Orçamento de Estado, pelo fim do 3º Quadro Comunitário de Apoio e pelo crescimento desmesurado dos respectivos quadros de pessoal, quando em época de “vacas gordas”. A dependência das autarquias em relação ao investimento privado no imobiliário, quer em receitas, taxas, ou contrapartidas em equipamentos e infraestruturas, destrói a fundamentação democrática pela qual os executivos foram eleitos, levando-os mesmo a contrariar os seus próprios programas eleitorais, não agindo como representantes do interesse colectivo mas sim como meros agentes económicos em busca de liquidez. O problema não está, de facto, no funcionamento do mercado, pois todos sabem quais os objectivos dos seus actores, o problema reside sim numa máquina administrativa que fomenta o vício, o desperdício, o imediatismo, a propaganda e o exercício da hipocrisia política. Até quando?...
Caro Prof Pedro Bingre do Amaral,
O meu nome é Daniela Seabra e venho por este meio solicitar um link no site.
O meu site (http://www.globalwarming-awareness2007online.com/) é sobre o Aquecimento Global e considero que seria bastante interessante ter um link do seu blog para o meu site, visto que tem comentários muito bons relacionados com o tema em causa. E é claro que teria muito prazer e gosto de colocar um link para o seu blog.
Caso esteja interessado, deixo-lhe o meu contacto: daniela.seabra@searchmarketing.pt
Muito obrigada.
Daniela Seabra
Tenho dois comentários a fazer.
1) Tanto quanto percebo do projeto de lei do Bloco de Esquerda, não pode haver corrupção decorrente da apropriação pública das mais-valias, dado que essas mais-valias não vão para o município que as produziu ao autorizar um determinado loteamento, mas sim para um Fundo Social Municipal (que eu não sei o que seja) e são posteriormente divididas a partir dele por todos os municípios do país.
Ou seja, se, por exemplo, a Câmara de Lisboa aprovar um determinado loteamento, a mais-valia assim criada não iria beneficiar diretamente o município de Lisboa, e sim beneficiar, através do tal Fundo Social Municipal, todos os 300 municípios do país.
2) Concordando com o HPS em que a raiz do problema é a economia e o mercado, faço notar que o valor de mercado de um terreno é altamente oscilante, e não é nada de bem definido. Hoje em dia já há em Portugal tantos terrenos urbanizáveis e tanto excesso de casas que os terrenos urbanizáveis se estão a desvalorizar, e não a valorizar-se, de ano para ano. Se um determinado município, por alteração do seu PDM, reclassificar como urbanizáveis muitos terrenos, não estará necessariamente a acrescentar muitas mais-valias - pois que o mercado se re-equilibrará, tendo em conta o superavit de terrenos urbanizáveis assim criado.
Não é, pois, fácil de levar à prática a proposta do HPS de "orçamentação" de todas as mais- e menos-valias. Um terreno urbanizável que agora vale X passará a valer X-Y se muitos terrenos à sua volta forem reclassificados como urbanizáveis. O mercado está-se sempre a alterar, e a procura de casas e de terrenos urbanizáveis já não é, em Portugal, aquilo que foi há poucos anos atrás.
Luís Lavoura
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