quarta-feira, julho 11, 2007

Os Verdes e o rigor

Transcrevo um take da lusa:

Setúbal, 10 Jul (Lusa) - O Partido Ecologista "Os Verdes" (PEV) anunciou hoje que vai pedir o prolongamento da consulta pública do Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Sado (PORNES) para permitir a participação da população na discussão do documento.

"Aquilo que nós exigimos é que a consulta pública seja feita num período em que os cidadãos possam, calmamente, com grande sentido de participação e de responsabilidade, olhar com tempo para um documento estruturante desta natureza", disse hoje a deputada Heloísa Apolónia, que considerou "inadmissível que o período de consulta pública coincida com o período de férias".

"O governo, como teve uma grande contestação na discussão pública do Plano de Ordenamento do Parque Natural da Arrábida [POPNA], provavelmente aquilo que quer é calar vozes relativamente à contestação neste Plano de Ordenamento da Reserva Natural do Estuário do Sado [PORNES)]", acrescentou Heloísa Apolónia, em conferência de imprensa realizada em Setúbal.

Para que o período de discussão pública do PORNES seja alargado até ao próximo mês de Outubro, o PEV promete interpelar o ministro do Ambiente na Assembleia da República, para saber da disponibilidade do governo para "prolongar o período de discussão pública até Outubro".

A versão final do documento só deverá ser aprovada no próximo dia 16 de Julho e submetida a discussão pública, durante um mês e meio, a partir do início de Agosto, mas o PEV adverte desde já que há três aspectos essenciais para a salvaguarda do estuário do Sado: "adaptação às alterações climáticas, preservação da comunidade residente de golfinhos-roazes e medidas concretas para minimizar os efeitos da poluição".

Heloísa Apolónia lembrou que um estudo publicado em Janeiro de 2006 e que incidiu justamente sobre a região do estuário Sado - Alterações Climáticas em Portugal - Cenários, Impacto e Medidas de Adaptação -, "já alertava para a necessidade de um plano de adaptação da região às alterações climáticas".

De acordo com o estudo efectuado no âmbito do projecto SIAM (Climate Change in Portugal. Scenarios, Impacts and Adaptation Measures), cerca de 75 por cento das espécies que vivem na região estão ameaçadas pelas alterações climáticas e os humanos também serão afectados com uma maior taxa de mortalidade associada ao calor, doenças respiratórias e outras.

Por outro lado, a deputada do PEV defendeu que é necessário equacionar medidas que possam contribuir para inverter o desaparecimento da comunidade residente de golfinhos do estuário do Sado, que, nos últimos 20 anos, passou de 40 para apenas 24 elementos.

Por último, Heloísa Apolónia defendeu que o PORNES deveria também estabelecer medidas concretas para minimizar os efeitos da poluição proveniente da zona industrial da península da Mitrena, "indicando os equipamentos necessários ao tratamento de efluentes que chegam ao estuário do Sado".

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Começo por fazer a minha declaração de interesses: eu sou o Presidente da Comissão Mista de Coordenação que acompanhou a elaboração deste plano. Não sou portanto um comentador isento, mas parte no processo.

E continuo reconhecendo a injustiça que vou fazer ao partido os Verdes: critico-os porque se pronunciaram, em vez de criticar todos os outros que não se pronunciam.

Feitas estas duas ressalvas comento então esta extraordinária posição política do partido os Verdes.

A senhora deputada, que não conheço mas a quem enviarei este texto, começa por afirmar, de acordo com a lusa, que é incrível que o Governo ponha à discussão pública este plano em período de férias. E logo a seguir insinua que é porque o governo ficou escaldado com a contestação ao plano da Arrábida e portanto quer calar as vozes dos contestatários o plano da RNES.

Com todo o respeito pela Sr.ª Deputada o que diz nesta passagem da notícia não tem ponta por onde se lhe pegue. A Sr.ª Deputada deverá saber, porque um dos membros do seu grupo parlamentar até esteve numa das sessões públicas da discussão do Plano de Ordenamento do Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, que este não é um plano isolado.

Desde Março já estiveram em discussão pública o PO do PNSAC (fortemente contestado, como é natural, nomeadamente pelos agentes do sector de extracção de pedra), o PO da Ria Formosa, também bastante contestado, entrará em discussão esta semana o PO do Tejo Internacional (depois de duas discussões públicas de alteração de limites) e entrarão em discussão pública proximamente, quer o PO da RNES, quer o da RNET, quer o do Sapal de Castro Marim, quer o do Parque do Litoral Norte, quer o de Montezinho, todos eles exactamente na mesma situação processual que o da RNES: foi aprovado o parecer final das comissões que os acompanham e estamos na fase de concertação.

A Sr.ª Deputada deve saber, porque foi matéria de um debate político na Assembleia da República, exactamente suscitado pelo grupo parlamentar da Sr.ª Deputada, que o Governo tem vindo a ser criticado (já agora, este e os anteriores) por haver áreas protegidas sem plano de ordenamento há anos sem fim. E que este Governo, aliás como os anteriores, têm assumido compromissos com calendários de execução desses planos.

No quadro dessas orientações políticas o ICN apresentou calendários de execução há já meses. Os últimos desses calendários foram da minha responsabilidade directa enquanto director de serviços que tutelava essa área no ICN (com a reestruturação do ICN deixei de ter essa responsabilidade). Os compromissos que eu assumi perante as minhas chefias, e as minhas chefias perante a tutela com base na minha garantia, era o que de que todos os planos dos parques, com excepção de Montezinho e Litoral Norte por razões específicas, estariam tecnicamente terminados (isto é, prontos para entrar em discussão pública) até ao fim de 2006 e os restantes (todas as outras áreas protegidas, incluindo as reservas e paisagens protegidas), excluindo a Paisagem Protegida da Serra do Açor, até ao fim de Março.

Não cumprimos nós, os serviços que dependiam de mim, estes calendários. A responsabilidade é portanto minha.

Eu não faço parte do Governo, não sou funcionário do Governo, não tenho nenhum cargo de confiança política, portanto não faz sentido nenhum responsabilizar o Governo por este incumprimento de prazos (o que em teoria se poderia admitir que se fizesse na medida em que a tutela é em última análise responsável por tudo o que se passa, mas nesse caso era preciso demonstrar que a tutela não fez tudo o que podia para que fossem cumpridos estes prazos), mas sobretudo atribuir-lhe uma intenção com base num falhanço dos serviços que não cumpriram aquilo a que se comprometeram.

Mas o mais curioso é que grande parte destes prazos deslizaram exactamente porque face aos prazos draconianos impostos para o desenvolvimento dos planos, foi necessário alargar prazos para emissão de pareceres de entidades terceiras, aumentar a interacção com os parceiros públicos e privados envolvidos, etc.. Ou seja, a derrapagem de prazos resulta de processos mais participados e negociados e não da vontade de calar vozes discordantes, que aliás foram convidadas a participar nos processos (como no caso da RNES, em que nas reuniões da CMC participaram grande parte dos interesses envolvidos na gestão do estuário, incluindo os representantes dos sectores potencialmente mais contestatários, talvez com a excepção da náutica de recreio, e da SONAE que ontem se queixou de ter sido provavelmente o único proprietário de áreas significativas da RNES a não ser convidado).

A mera consulta das actas de acompanhamento dos planos permitiria verificar que de facto os atrasos foram surgindo dos percalços do processo e alheios à vontade dos serviços e sem qualçquer intervenção, como é óbvio, do Governo.

Mas passemos das partes processuais para as questões de substância.

Os verdes criticam o plano por não conter as medidas necessárias à conservação dos golfinhos, por não incorporarem os resultados dos estudos de alterações climáticas e medidas concretas para minimizar a poluição.

Quanto ao último aspecto nem percebo o que se pretende: um plano de ordenamento é um regulamento administrativo e dificilmente poderá actuar sobre as medidas concretas para minimização da poluição a não ser pelo zonamento do espaço. Como esta questão na RNES não se põe (grande parte das fontes poluidoras estão muito para lá dos limites da RNES e a questão não é a das novas instalações mas a gestão das que existem) talvez fosse útil que os Verdes explicassem em concreto o que gostariam de ver no plano.

A história das alterações climáticas é ainda mais estranha: critica-se um plano que pode ser revisto dentro de três anos, mas cuja duração típica será entre cinco a dez anos, por não incorporar as conclusões (fortemente afectadas pela incerteza) de um estudo que estima o que se poderá verificar daqui a noventa anos. Mais uma vez, seria bom que se explicasse o que se pretende em concreto ver consagrado no plano.

Quanto as golfinhos, a questão é aburda, na forma como é posta. Tanto quanto se sabe, as principais ameaças à população de golfinhos são a poluição, matéria já tratada, e a perturbação causada pela náutica de recreio, com especial destaque para as motas de água.

Ora o plano prevê medidas para disciplinar o uso do plano de água, medidas essas que serão provavelmente o ponto mais contestado do plano. O que pretende então o partido os Verdes? Outras medidas? Quais? Se não pretende novas medidas e está de acordo com estas, está disponível para manifestar publicamente e com destaque o seu apoio a estas medidas impopulares?

Todas as críticas são úteis, eu sei que os deputados portugueses têm pouco apoio técnico (e as possibilidades que têm gastam-nas a contratar assessores políticos em vez de as usar para contratar apoio técnico especializado) mas que diabo, é fácil contactar os serviços, qualquer pessoa que telefone para o sítio onde trabalho obtém o meu telemóvel, será assim tão difícil elevar o debate político dando-lhe um bocadinho mais de consistência técnica?

henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Sobre essa senhora, que também é membro da Assembleia Municipal da Moita, era bom perceber que na CDU (da qual faz parte o PEV) há o príncipio das múltiplas verdades.

O que é válido e verdadeiro quando são os "outros" os visados é uma coisa e torna-se logo inválido quando os visados são os "nossos".

Sobre essa matéria basta visitar O Plano, vêr como o PDM foi discutido em tempo de férias e pré-eleitoral no mínimo tempo que a Lei permitia e como foi aprovado e lêr também a extraordinária posição da mesma senhora e o que ela realmente faz pela "natureza" quando tem o poder de o fazer (original aqui, pp. 12 e seguintes) e o que ela faz quando sabe que nada vai acontecer.

De demagogias baratas já andamos cheios.

Até mais.

Anónimo disse...

O outro comentário anterior pode ficar sem efeito. Transferi para aqui o comentário e mais umas coisinhas, já agora.

Obrigado.