sexta-feira, outubro 12, 2007

Novo paradigma de conservação?

É lugar comum afirmar que a conservação da natureza não está dissociada da conservação das paisagens rurais. Se pensa assim, pense outra vez. Imagine que o abandono do meio rural deixasse de ser visto como uma fatalidade deletéria para o ambiente e conservação da biodiversidade. Imagine que as oportunidades criadas por este abandono fossem usadas para recriar ecossistemas naturais, na Europa, compostos por cadeias tróficas complexas onde teriam cabimento bufalos asiáticos, elefantes, hienas, leopardos e leões.

Estas ideias têm sido discutidas com entusiasmo nos EUA e o debate começa a estender-se à Europa. Um artigo recente de Jens Christian Svenning, da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, dá o pontapé de saída num artigo que será publicado na "Newsletter" da Sociedade Internacional de Biogeografia e que foi publicado hoje no blog desta sociedade. Um debate muito interessante que já foi, em tempos, alvo de uma troca acesa de impressões na lista AMBIO.


Paisagem do tardo-Pleistoceno em Madrid, com lobos, veados, cavalos selvagens, auroques e mamutes (ilustração de Mauricio Antón).

4 comentários:

Zé Bonito disse...

Admitindo que conseguíamos uma situação "ideal", em que a libertação de espaços pela agricultura não seria aproveitada pelos homens do "betão", ficam por responder algumas perguntes:
1º) Onde e como seria feita a reintegração da população que deixava a agricultura?
2º) Que nova distribuição geográfica se propõe para a actividade agrícola e que consequências daí decorrem para a qualidade da nossa alimentação?

Miguel B. Araujo disse...

As respostas são mais ou menos simples:

Pergunta 1) Onde e como seria feita a reintegração da população que deixava a agricultura?

Em nenhuma parte. A ideia não é expulsar população, é aproveitar oportunidades que decorrem do abandono natural dos campos.

2º) Que nova distribuição geográfica se propõe para a actividade agrícola e que consequências daí decorrem para a qualidade da nossa alimentação?

A resposta é parcialmente a mesma de cima. O abandono dos campos é um facto e ocorre primordialmente em áreas cujos solos possuem qualidade agrícola marginal. Podem usar-se subsídios agro-ambientais para manter actividades agrícolas não pela produção de alimentos mas para conservação de espécies associadas à agricultura, ou pode-se aproveitar o abandono dos campos para recriar novas paisagens.

Cumprimentos,

Miguel

Zé Bonito disse...

Reconhecerá que o problema é um pouco mais complexo. Em primeiro lugar, não é exacto dizer-se que o abandono da agricultura se verificou apenas “em áreas cujos solos possuem qualidade agrícola marginal”. Basta conhecer, por exemplo, o vale do Lis, saber o que foi e analisar o que é, para percebermos que o abandono da agricultura teve muito que ver com a especulação imobiliária. Por outro lado, tenha em conta que o conceito de “rentabilidade” aplicado à agricultura, está muito limitado pelas exigências da produção intensiva que, essa sim, não faz mais sentido.
Mas o que diz, pode-se efectivamente aplicar a grande parte do território nacional. No entanto, a reintegração das pessoas está muito longe de ser conseguida. Não basta que elas saiam das suas terras, para que possamos dizer que o problema desapareceu. Na verdade, a nossa “reforma agrária” está a ser feita à força, aproveitando os limites da resistência (e da vida!) das pessoas. Nenhuma alternativa foi encontrada, a não ser o chamado Rendimento Social de Inserção, o desemprego e... a morte. Não há “abandono natural dos campos”, acredite. Há a imposição de um modelo intensivo de agricultura, completamente limitado aos ditames da PAC e cujo resultado final iremos ver com os incentivos ligados aos biocombustíveis e à generalização dos transgénicos.
A ideia de estimular a recomposição da paisagem, aproveitando a redução da área agrícola, de modo a permitir o reaparecimento de espécies indígenas, muitas delas já extintas- quase um “começar de novo”- é simpática. Mas também concordará que tem uma forte doze de ingenuidade. O território (solo) tem sido entre nós a forma mais fácil de obtenção de mais-valias. Embora não queira fazer publicidade, mas para abreviar, digo-lhe que encontra no meu blogue abundante documentação sobre o assunto. Ora, o “novo paradigma da conservação” pressupõe que se declare grande parte do território como reserva, precisamente o contrário do que os nossos “agentes económicos” têm reivindicado e os poderes (locais e central) têm feito.
Claro que podemos usar a ideia como meta e pressionar nesse sentido os diversos poderes. Só que, para não se limitar a ser uma bela utopia, falta gente para lhe dar força. E falta gente porque os que podiam ser mobilizados já lá não estão. Saíram com o êxodo rural. Ou então, são receptivos à venda das terras ao primeiro que apareça a querer comprá-las, desesperados que estão e necessitados de rentabilizar o que resta.
A ideia é interessante e merece ser estudada. Mas terá que ser feita com pessoas, mantidas nas suas terras através da reconversão da agricultura e não da sua extinção.
As minhas desculpas pelo tamanho da resposta.

Miguel B. Araujo disse...

Caro José Bonito,

Tem toda a razão quando diz que: "não é exacto dizer-se que o abandono da agricultura se verificou apenas “em áreas cujos solos possuem qualidade agrícola marginal”."

Por isso eu não usei a palavra "apenas" mas sim "primordialmente". Mas se descontarmos os aspectos de semântica a verdade é que o abandono agrícola que me referia não era, obviamente, o que decorre da pressão imobiliária. Estamos a falar dos milhares de hectares do interior do País onde, devido ao exôdo natural das populações, só com muito investimento do Estado se conseguem fixar populações.

Nessa áreas, a criação de grandes áreas naturais é uma alternativa. Tanto mais que poderiam oferecer condições para o desenvolvimento de actividades económicas alternativas ligadas ao eco-turismo.

Existe uma tese de doutoramento feita em Portugal, por Ana Luisa Gomes do IGP (Instituto Geográfico Português), e que tive o prazer de orientar, que explora as oportunidades geográficas para o estabelecimento de tais áreas de conservação. É um trabalho preliminar mas que demonstra a existência de área suficiente para equacionar a criação de grandes áreas de conservação sem actividade humana.

Em todo o caso, o artigo de Jens Christian Svenning não fala de Portugal mas sim da Europa e é bem possível que seja mais realista começar por recriar estes ambientes do Pleistoceno em zonas da Lapónia, Siberia e/ou Turquia e Espanha.

Assim houvesse vontade para isso. A vontade seria o primeiro passo. O segundo passo seria o estudo da viabilidade prática de tais ideias.

Cumprimentos,

Miguel