sábado, dezembro 29, 2007

A conservação tem as costas largas

Aqui pode ser obtida muita informação sobre a origem dos problemas orçamentais das scuts, incluindo a A24 e seus lobos.


A partir do follow-up do próprio tribunal de contas podem sintetizar-se as conclusões:


O RELATÓRIO DO TC N.º 14/03, DE 15 DE MAIO
Sinteticamente podemos apontar as seguintes ideias-chave constantes do Relatório n.º 14/03:
A ausência de elaboração de um Comparador do Sector Público e de apuramento do value for money;
O modelo de contratação pública utilizado evidenciou graves deficiências em matéria de transparência e competitividade;
O risco de insustentabilidade financeira em termos orçamentais era elevado, para além de transformar a gestão de futuros orçamentos numa mera gestão de tesouraria dos compromissos assumidos pelos anteriores governos;
O Estado apresentava, mais uma vez, deficientes capacidades técnicas para monitorar e gerir contratos desta natureza e complexidade;
O modelo de partilha de risco subjacente a estes contratos de parceria público privada não havia sido optimizado, do ponto de vista do interesse público;



Do própria auditoria cito:



"Sublinhe-se que os projectos que fazem parte integrante da documentação do processo de concurso respeitam apenas a projectos de traçado e não a projectos de construção. O que significa que o Estado lança estes concursos sem a prévia aprovação de estudos de impacte ambiental, sem a existência de projectos aprovados e sem a realização dos processos expropriativos. Muitos destes riscos são transferidos para as concessionárias com repercussão no preço final das suas propostas para o Estado, uma vez que estes riscos originam incerteza quanto ao custo final de construção e ao traçado final das auto-estradas."



O sublinhado é do tribunal de contas, não é meu.


E para terminar o que foi dito em 2003 sobre as concessões, mais uma longa citação:


"Quanto ao custo efectivo das Concessões SCUT para o Erário Público
As concessões rodoviárias em regime SCUT já apresentam, no contexto actual, significativos desvios, em termos de encargos adicionais para Estado.

O custo efectivo destas concessões para o erário público assenta, fundamentalmente, em cinco
vertentes:
Nos encargos contratualizados, resultantes dos pagamentos iniciais e das portagens SCUT, programados em função de um sistema de bandas, que ascendem a quase 15 mil milhões de Euros (quase 3 mil milhões de contos). Parte substancial destes encargos do Estado constitui, também, o resultado do elevado custo de capital apresentado, em geral, pelas concessionárias, nomeadamente, em termos de encargos financeiros e de remunerações accionistas, algumas delas desenquadradas do perfil de risco do projecto.
Nos encargos a assumir com os processos de expropriação, que se estima serem bem superiores a 100 milhões de Euros (cerca de 20 milhões de contos). O facto de não existir uma estimativa rigorosa, por parte do Estado, quanto ao montante final a despender com os processos expropriativos, além do mais, acarreta incerteza quanto ao apuramento dos encargos reais do Estado, a assumir com estas concessões, o que não é normal nem saudável, em termos de finanças públicas.
Nos encargos estimados com reequilíbrios financeiros, nomeadamente os resultantes de alterações de projecto e de atrasos verificados nos processos expropriativos, os quais, só nas concessões SCUT Beira Interior e Norte Litoral, ascendem a 16,3 milhões de Euros (cerca de 3,2 milhões de contos). Em finais de 2002, os desvios verificados nas concessões SCUT, em relação aos pagamentos contratualizados, nomeadamente no que respeita a relevantes alterações de projecto, susceptíveis de gerarem avultados encargos para o Estado (ainda não quantificados), podem colocar sérios problemas, quer em termos de controlo orçamental, quer ao nível da sua
sustentabilidade, na medida em que só os encargos orçamentais com os pagamentos relativos a portagens SCUT se revelavam superiores a 600 milhões de Euros (cerca de 120 milhões de contos), no período compreendido entre 2007 e 2025.
Nos potenciais encargos com o futuro alargamento das vias.

Nos potenciais encargos adicionais, subjacentes à matriz de riscos do Estado, designadamente os resultantes do risco ambiental, das modificações unilaterais, dos atrasos das expropriações, da detecção de património histórico e arqueológico e da ampliação das vias. Estes, com efeito, não se encontram, em grande parte, estimados, pelo que os riscos de impossibilidade de orçamentação e de descontrolo financeiro são elevados.
Como nota final, sublinhe-se que as vantagens elencadas para a utilização destes modelos de concessão, face à opção tradicional de financiamento público, acabaram por se esbater e sub dimensionar, através da prática contratual de recurso sistemático a reequilíbrios financeiros, cujos efeitos se afiguram paralelos aos de correntes da antiga figura dos trabalhos a mais, mas porventura mais gravosos financeiramente para o Estado."

Alguém me explica o que têm os lobos com isto? Alguém me explica por que razão se pretende atirar para o fundamentalismo ambientalista a responsabilidade que cabe ao fundamentalismo obrista?

Há quem veja em cada obra pública o radioso futuro que é necessário antecipar já para amanhã, nem que seja torneando as regras básicas de prudência na gestão e, evidentemente, os empecilhos ambientais. Estes são os homens pragmáticos e defensores do desenvolvimento.

Mesmo que a cada novo futuro radioso corresponda um custo escondido para os que vierem depois.

Os lobos e todos os outros cá estarão para explicar como o plano era genial mas foi torpedeado pela cegueira ambiental do fundamentalistas.

henrique pereira dos santos

6 comentários:

Anónimo disse...

A nova auto-estrada que vai ligar Sintra à CREL vai fazer passar um viaduto (com 6 vias!!) sobre uma quintarola onde vive um amigo meu desde que nasceu, há 70 anos (na Tala, junto à Serra da Carregueira). A habitação, onde vive com mulher, filha e netos, vai ficar a 10 metros do viaduto. Ele anda doido com a situação e até já disse que ia dar um tiro na cabeça. Amanhã vai à Quercus, em Lisboa, pedir ajuda. Sabe que não vai conseguir viver com o barulho de milhares de carros a passarem-lhe por cima da casa, dia e noite. Quando ele souber que os lobos tiveram direito a obras, no valor de milhões de euros, para não serem perturbados, então é que vai ser o bonito...
Jaime

Henrique Pereira dos Santos disse...

Volto a insistir para o caso de não ter sido claro: os lobos não tiveram direito a obras.

Havia um traçado ilegal de uma estrada que foi alterado.

Quanto ao seu amigo, se a situação é a descrita o melhor seria falar com um advogado, porque provavelmente pode exigir uma expropriação integral que lhe permita mudar de sítio.

Isto evidentemente se não existirem traçados alternativos: o projecto deve ter sido sujeito a AIA e deve ter havido oportunidade das pessoas se pronunciarem.

Estou evidentemente a pronunciar-me em tese porque não conheço o caso em concreto, nem o processo da estrada, nem a situação da pessoa afectada.

De qualquer maneira as obras de que se falaram no traçado alternativo da A24 são as mesmas que refere no seu comentário: um viaduto.

henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Por cá planeiam-se mais e mais alcatrão com a privatização das Estradas de Portugal e com anunciadas novas rodovias.

Lá fora os investimentos são outros.

Num país completamente dependente do petróleo externo, com sol quase todo o ano, com uma extensa zona costeira com potencialidades eólicas... há coisas que se entendem mal.

Bom ano... se puder ser!

Anónimo disse...

Como vai HPS? Apesar de ter prometido a mim próprio não me meter mais nestes assuntos e esperar pela revolução à antiga (com bombas, tiros e fuzilamentos) não pude deixar de prestar auxílio a um amigo de longa data que me pediu ajuda. Fui com ele hoje à Agencia Portuguesa do Ambiente e fomos simpaticamente recebidos por uma Sra..com responsabilidade na matéria. Ela deu-nos conhecimento que nesta ainda não foi dado pela Agência Portuguesa do Ambiente parecer favorável ao projecto naquele troço, do percurso da A16, e mostrou-nos um vasto dossier sobre o assunto, no qual constava, entre outras coisas, as reclamações aquando da discussão publica.

Ora o meu amigo recebeu, na véspera de Natal, uma carta de uma empresa contratada para tratar do seguinte assunto:
A 16 - Expropriação por utilidade pública com carácter de urgência - Proposta de indemnização. Nessa proposta consta os euros que estão dispostos a pagar por metro quadrado de terreno expropriado.

Conforme disse anteriormente, um viaduto com 6 faixas de rodagem vai passar-lhe sobre a casa a 10 metros, a não ser que ocorra um milagre.

O Henrique pergunta se existem alternativas ao traçado. Existem. Basta ir ao local. A casa do meu amigo confronta com centenas de hectares de "baldios" onde actualmente apenas se caça aos coelhos. No Google Earth é claro como a água do Gerês. Contudo aos interesses legítimos do meu amigo, entre outros de fracas posses, sobrepõem-se os interesses ilegítimos de pessoas com poder e dinheiro, que por certo irão conseguir que a A16 não lhes atravesse grandes quintas - nas quais estão cozinhados projectos urbanísticos e campos de golfe (meia-dúzia de furos já foram abertos).

O pior de tudo é a certeza dos senhores das expropriações quanto ao parecer da Agência Portuguesa do Ambiente, que o dão por adquirido antes de ele ter sido dado, apesar das inúmeras queixas, broncas nos jornais associadas à Sra. Edite Estrela que tudo fez para que a A16 por ali passasse, alternativas ao traçado que até os cegos vêem, etc. Fecham-se escolas, centros de saúde pública, postos da GNR etc., que fazem falta. Porque não acabam de vez com ICNs, Agências de Ambiente e outros sorvedouros de dinheiros públicos, puros cenários do teatro trágico em que se transformou a "democracia" nacional, e entregam de vez o mando desta nação a quem efectivamente manda?

Os lobos que me desculpem mas as pessoas de menos recursos também são gente.
Jaime Pinto

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Jaime,
Neste caso em concreto penso que o ICNB não é chamado. Não sei porque já não tenho responsabilidades nessa área, mas penso que não.
Em qualquer caso aconselho vivamente a ver o processo da variante a Estremoz porque o que era dado como adquirido deixou de o ser.
Nem sempre se ganha, é verdade, mas nem sempre se perde.
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Apenas se pode concluir com este episódio que os "do ambiente" viajam, por vontade própria ou obrigados, num cantinho do bolso dos que detêm poder e dinheiro. Provavelmente em Portalegre os bolsos estavam rotos.

Gostava que houvesse absoluta indignação por parte dos funcionários do ministério do ambiente ao serem confrontados com situações destas. Os Sindicatos não servem para defender a respeitabilidade dos trabalhadores? Apenas se gosta de ser palhaço quando se trabalha no circo. A Sra. que nos atendeu na Agência do Ambiente não me pareceu ser dada a artes circenses. O meu amigo, apesar dos seus 70 anos, é um osso duro de roer. Vamos ver...
Jaime