Conheço um café que tinha um espaço para fumadores, já depois do dia um de Janeiro. Para já deixou de ter.
Por decisão do dono do café? A pedido dos clientes? Por incumprimento das normas legais aplicáveis?
Não é a resposta a todas a estas perguntas.
Por medo.
Antes de continuar, a minha declaração de interesses: não sou nem nunca fui fumador.
Ou seja, o Sr. Director Geral da Saúde faz um muito publicitado apelo público à ASAE para fiscalização prioritária dos restaurantes e cafés que admitem fumadores, o dono do restaurante não sabe se cumpre ou não as normas porque não são claras, conhece a forma musculada de procedimento da ASAE e prefere não correr riscos.
Até alguém fiscalizar e dizer que está bem (e o dono acha que está mas não tem meios para garantir) mantém a proibição de fumar no restaurante. Depois voltará a abrir o espaço a fumadores se entender que as normas podem ser cumpridas pelo café.
O mais curioso é forma como passamos por estes sintomas sociais como se a questão principal fosse a de obter resultados e a forma como se obtêm fosse acessória.
Perigosa ilusão. O que caracteriza uma democracia é a forma como são tomadas as decisões, independentemente do seu conteúdo.
Um director geral solicita publicamente um tratamento discricionário sobre agentes económicos apenas porque fazem uso de um direito que a lei lhes reconhece e acha-se normal? Acho que a associação dos restaurantes veio agora dizer que não é normal, mas como parte interessada directamente não é o maior penhor de apego aos valores liberais e democráticos.
Uma norma não é suficientemente clara para que as pessoas para quem se dirige possam saber se a cumprem ou não e acha-se normal?
Uma polícia tem uma actuação que inspira suficiente terror para que as pessoas prescindam de reivindicar os seus direitos porques os prejuízos económicos podem ser irreparáveis e acha-se normal?
Um agente económico desiste de discutir o seu direito de usar uma faculdade prevista na lei, remetendo para o Estado o ónus da fiscalização, apenas porque acha desproporcionado o poder da fiscalização face à sua capacidade de defesa e acha-se normal?
E que tem isto com um blog de discussão ambiental?
É que ao mesmo tempo li umas notícias sobre críticas ao poder judicial pelas decisões sobre a co-incineração. A questão não é a de que não possam ou não devam ser criticadas as decisões judiciais.
A questão é que as críticas se dirigem à credibilidade do sistema, sugerindo que a decisão judicial teve o sentido que teve por pressão do Governo.
Infelizmente esta vai ser uma constante nos próximos meses e anos, a julgar pelo passado.
Quando um tribunal canadiano deu razão à multinacional Monsanto contra a um agricultor numa questão de uso abusivo de sementes transgénicas o movimento contra os transgénicos imediatamente acusou o tribunal de estar comprado pelas multinacionais (mais tarde, e era claro para quem lesse os documentos que o tribunal disponibiliza na net sobre o processo, verificou-se que o agricultor a quem queriam fazer de vítima inocente era um trafulha consagrado apanhado com a boca na botija).
Quando das providências cautelares sistemáticas com que parte do movimento ambiental pretende ganhar pontos substituindo o combate político pela instrumentalização da litigância judicial se passar para a decisão das acções de fundo, muitos processos serão perdidos pelo movimento ambiental (e outros ganhos, com certeza).
Nessa altura veremos outra vez este tipo de críticas sobre a falta de lisura e independência do procedimento judicial.
E veremos os demagogos de serviço rir-se entre dentes: para quem detesta a liberdade e a independência dos outros nada melhor que a descredibilização do sistema judicial.
Que é mau, pode dizer-se. Que é lento? Seguramente. Que é, em Portugal, demasiado formalista e opaco? Subscrevo. Que não é imune à corrupção e etc.? É da natureza humana.
Mas que é instrumentalizável facilmente? Aí sim, vale a pena parar antes de fazer esta acusação.
Quando um ministro usou estratagemas da treta para negar direitos de construção em áreas sensiveis, juridicamente reconhecidos, o movimento ambientalista exultou sem cuidar de reparar nos métodos claramente ilegítimos, porque era o resultado que pretendia ver assegurado.
Agora lamenta que os mesmo métodos sejam usados pelas mesmas pessoas para obter os resultados contrários.
Seria bom que aprendêssemos com experiência.
Infelizmente falta a esperança para acreditar que temos suficientemente claro na cabeça que a liberdade e a justiça devem ser defendidos antes de mais no respeito pela forma como se decide e muito menos pelo que se decide.
E que saber isso é uma questão ambiental fundamental.
henrique pereira dos santos
quinta-feira, janeiro 17, 2008
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7 comentários:
"Até alguém fiscalizar e dizer que está bem (e o dono acha que está mas não tem meios para garantir) mantém a proibição de fumar no restaurante. Depois voltará a abrir o espaço a fumadores se entender que as normas podem ser cumpridas pelo café."
Como de resto se passa com o comum dos mortais nas mais diversas situações do quotidiano: compro um carro importado, mas só o posso utilizar depois de estar legalizado (até lá ando de transportes públicos, a pé ou à boleia); construo uma vivenda, mas só posso usurfruir dela após obter a licença de habitação (até lá espero, nalguns casos, meia dúzia de anos).
A postura defensiva parece-me, de facto, a mais adequada.
Lamentamos o tempo que se perde enquanto a dita inspecção não tem lugar (e nestas coisas de negócio, tempo é, de facto, dinheiro) e a eventual fidelidade de alguns clientes que desaparece.
Lamentamos a névoa que paira sobre os critérios de aprovação dos espaços para fumadores.
Lamentamos outras coisas mais, mas esquecemo-nos, convenientemente, que a lei foi promolugada a 14/08/2007 - o que resulta num periodo de transição de 3 meses e meio.
Pessoalmente, parece-me que o argumento de "não-dotar-o-espaço-das-condições-necessárias-à-sua-aprovação-como-espaço-para-fumadores" camufla na maioria das vezes uma atitude de gestão correcta, que consiste no antigo "esperar-para-ver" antes de investir.
Caro Vinte Sete,
O dono do café já investiu. Fez tudo o que está na lei. Tem sistema de extracção, etc.
A questão é outra. É que não tem maneira de ter a certeza se está bem ou não porque não há processo de licenciamento prévio nem clareza nas suas obrigações. E como há uma clara intimidação ilegítima de um órgão do Estado, servindo-se da imagem mediática de uma polícia para dar cobertura a esse acto de intimidação, o homem de facto intimidou-se.
Por isso não há qualquer paralelismo nem com o carro nem com a casa.
De qualquer maneira esta é uma questão marginal. O meu comentário não é sobre a atitude prudencial do dono do café, mas sobre a forma arbitrária de actuação da administração, sem respeito por processos claros que garantam os direitos dos cidadãos.
henrique pereira dos santos
Este blogue continua, com muito gosto da nossa parte, a constar das "Ligações" na barra lateral do nosso blogue colectivo.
Um óptimo fim-de-semana para todos.
http://atribulacoeslocais2.blogspot.com/
Um dia a percorrer o Alentejo e o que vejo?
Por todo o lado o sinal de fumadores. Não por aqui sermos empedernidos fumantes, mas por cultura de resistência!
Então a lei não refere quais são os instrumentos extractores...eles que venham então até cá explicar...
Isto foi o que me disseram, e certamente não estão de conluio em 7 ou 8 locais.
A lei torna-se motivo de gaudio do povo, em diversos locais toda a gente estava a fumar...estará a ASAE de férias ou a dar uma volta por casinos, bares e restaurantes de centros comerciais,restaurantes matreiros (pois se não há regulamento...madem vir os analistas!)
Fui a Espanha, onde resolveram o assunto com clareza. Vai um café e um charuto, com a bagaceira para a mesa do canto!
António Eloy
Obrigado por este texto esclarecido que toca uma série de pontos fundamentais.
http://templodogiraldo.blogspot.com/
Pasem por aqui e comentem. SAUDAÇÕES
este blog é bastante interessante...
gostaria também de recomendar este:
http://designinteligente.blogspot.com/
abraços
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