quinta-feira, janeiro 17, 2008

Liberdade e justiça

Conheço um café que tinha um espaço para fumadores, já depois do dia um de Janeiro. Para já deixou de ter.
Por decisão do dono do café? A pedido dos clientes? Por incumprimento das normas legais aplicáveis?
Não é a resposta a todas a estas perguntas.
Por medo.
Antes de continuar, a minha declaração de interesses: não sou nem nunca fui fumador.
Ou seja, o Sr. Director Geral da Saúde faz um muito publicitado apelo público à ASAE para fiscalização prioritária dos restaurantes e cafés que admitem fumadores, o dono do restaurante não sabe se cumpre ou não as normas porque não são claras, conhece a forma musculada de procedimento da ASAE e prefere não correr riscos.
Até alguém fiscalizar e dizer que está bem (e o dono acha que está mas não tem meios para garantir) mantém a proibição de fumar no restaurante. Depois voltará a abrir o espaço a fumadores se entender que as normas podem ser cumpridas pelo café.
O mais curioso é forma como passamos por estes sintomas sociais como se a questão principal fosse a de obter resultados e a forma como se obtêm fosse acessória.
Perigosa ilusão. O que caracteriza uma democracia é a forma como são tomadas as decisões, independentemente do seu conteúdo.
Um director geral solicita publicamente um tratamento discricionário sobre agentes económicos apenas porque fazem uso de um direito que a lei lhes reconhece e acha-se normal? Acho que a associação dos restaurantes veio agora dizer que não é normal, mas como parte interessada directamente não é o maior penhor de apego aos valores liberais e democráticos.
Uma norma não é suficientemente clara para que as pessoas para quem se dirige possam saber se a cumprem ou não e acha-se normal?
Uma polícia tem uma actuação que inspira suficiente terror para que as pessoas prescindam de reivindicar os seus direitos porques os prejuízos económicos podem ser irreparáveis e acha-se normal?
Um agente económico desiste de discutir o seu direito de usar uma faculdade prevista na lei, remetendo para o Estado o ónus da fiscalização, apenas porque acha desproporcionado o poder da fiscalização face à sua capacidade de defesa e acha-se normal?
E que tem isto com um blog de discussão ambiental?
É que ao mesmo tempo li umas notícias sobre críticas ao poder judicial pelas decisões sobre a co-incineração. A questão não é a de que não possam ou não devam ser criticadas as decisões judiciais.
A questão é que as críticas se dirigem à credibilidade do sistema, sugerindo que a decisão judicial teve o sentido que teve por pressão do Governo.
Infelizmente esta vai ser uma constante nos próximos meses e anos, a julgar pelo passado.
Quando um tribunal canadiano deu razão à multinacional Monsanto contra a um agricultor numa questão de uso abusivo de sementes transgénicas o movimento contra os transgénicos imediatamente acusou o tribunal de estar comprado pelas multinacionais (mais tarde, e era claro para quem lesse os documentos que o tribunal disponibiliza na net sobre o processo, verificou-se que o agricultor a quem queriam fazer de vítima inocente era um trafulha consagrado apanhado com a boca na botija).
Quando das providências cautelares sistemáticas com que parte do movimento ambiental pretende ganhar pontos substituindo o combate político pela instrumentalização da litigância judicial se passar para a decisão das acções de fundo, muitos processos serão perdidos pelo movimento ambiental (e outros ganhos, com certeza).
Nessa altura veremos outra vez este tipo de críticas sobre a falta de lisura e independência do procedimento judicial.
E veremos os demagogos de serviço rir-se entre dentes: para quem detesta a liberdade e a independência dos outros nada melhor que a descredibilização do sistema judicial.
Que é mau, pode dizer-se. Que é lento? Seguramente. Que é, em Portugal, demasiado formalista e opaco? Subscrevo. Que não é imune à corrupção e etc.? É da natureza humana.
Mas que é instrumentalizável facilmente? Aí sim, vale a pena parar antes de fazer esta acusação.
Quando um ministro usou estratagemas da treta para negar direitos de construção em áreas sensiveis, juridicamente reconhecidos, o movimento ambientalista exultou sem cuidar de reparar nos métodos claramente ilegítimos, porque era o resultado que pretendia ver assegurado.
Agora lamenta que os mesmo métodos sejam usados pelas mesmas pessoas para obter os resultados contrários.
Seria bom que aprendêssemos com experiência.
Infelizmente falta a esperança para acreditar que temos suficientemente claro na cabeça que a liberdade e a justiça devem ser defendidos antes de mais no respeito pela forma como se decide e muito menos pelo que se decide.
E que saber isso é uma questão ambiental fundamental.
henrique pereira dos santos

7 comentários:

Anónimo disse...

"Até alguém fiscalizar e dizer que está bem (e o dono acha que está mas não tem meios para garantir) mantém a proibição de fumar no restaurante. Depois voltará a abrir o espaço a fumadores se entender que as normas podem ser cumpridas pelo café."

Como de resto se passa com o comum dos mortais nas mais diversas situações do quotidiano: compro um carro importado, mas só o posso utilizar depois de estar legalizado (até lá ando de transportes públicos, a pé ou à boleia); construo uma vivenda, mas só posso usurfruir dela após obter a licença de habitação (até lá espero, nalguns casos, meia dúzia de anos).
A postura defensiva parece-me, de facto, a mais adequada.
Lamentamos o tempo que se perde enquanto a dita inspecção não tem lugar (e nestas coisas de negócio, tempo é, de facto, dinheiro) e a eventual fidelidade de alguns clientes que desaparece.
Lamentamos a névoa que paira sobre os critérios de aprovação dos espaços para fumadores.
Lamentamos outras coisas mais, mas esquecemo-nos, convenientemente, que a lei foi promolugada a 14/08/2007 - o que resulta num periodo de transição de 3 meses e meio.
Pessoalmente, parece-me que o argumento de "não-dotar-o-espaço-das-condições-necessárias-à-sua-aprovação-como-espaço-para-fumadores" camufla na maioria das vezes uma atitude de gestão correcta, que consiste no antigo "esperar-para-ver" antes de investir.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Vinte Sete,
O dono do café já investiu. Fez tudo o que está na lei. Tem sistema de extracção, etc.
A questão é outra. É que não tem maneira de ter a certeza se está bem ou não porque não há processo de licenciamento prévio nem clareza nas suas obrigações. E como há uma clara intimidação ilegítima de um órgão do Estado, servindo-se da imagem mediática de uma polícia para dar cobertura a esse acto de intimidação, o homem de facto intimidou-se.
Por isso não há qualquer paralelismo nem com o carro nem com a casa.
De qualquer maneira esta é uma questão marginal. O meu comentário não é sobre a atitude prudencial do dono do café, mas sobre a forma arbitrária de actuação da administração, sem respeito por processos claros que garantam os direitos dos cidadãos.
henrique pereira dos santos

João Fialho disse...

Este blogue continua, com muito gosto da nossa parte, a constar das "Ligações" na barra lateral do nosso blogue colectivo.

Um óptimo fim-de-semana para todos.

http://atribulacoeslocais2.blogspot.com/

aeloy disse...

Um dia a percorrer o Alentejo e o que vejo?
Por todo o lado o sinal de fumadores. Não por aqui sermos empedernidos fumantes, mas por cultura de resistência!
Então a lei não refere quais são os instrumentos extractores...eles que venham então até cá explicar...
Isto foi o que me disseram, e certamente não estão de conluio em 7 ou 8 locais.
A lei torna-se motivo de gaudio do povo, em diversos locais toda a gente estava a fumar...estará a ASAE de férias ou a dar uma volta por casinos, bares e restaurantes de centros comerciais,restaurantes matreiros (pois se não há regulamento...madem vir os analistas!)
Fui a Espanha, onde resolveram o assunto com clareza. Vai um café e um charuto, com a bagaceira para a mesa do canto!
António Eloy

Anónimo disse...

Obrigado por este texto esclarecido que toca uma série de pontos fundamentais.

Templo do Giraldo disse...

http://templodogiraldo.blogspot.com/


Pasem por aqui e comentem. SAUDAÇÕES

Anónimo disse...

este blog é bastante interessante...
gostaria também de recomendar este:

http://designinteligente.blogspot.com/

abraços