sábado, janeiro 12, 2008

A localização do aeroporto e a discussão de alternativas

O Governo anunciou uma decisão preliminar de localização do novo aeroporto de Lisboa.
Algumas entidadas e personalidades do campo ambientalista vieram dizer que esta decisão é ilegal por não ser feita com base num processo de avaliação ambiental estratégica que permita discutir, em pé de igualdade, as diferentes alternativas de localização.
Penso que não têm razão.
Que o processo decisório é muito mau, estamos inteiramente de acordo. Que é ilegal, tenho dúvidas e as dúvidas que tenho não se fundamentam nos argumentos já citados.
As minhas dúvidas sobre a legalidade da decisão prendem-se exclusivamente com definição da natureza de uma decisão preliminar e com a abrangência de obrigatoriedade da avaliação estratégica.
Em rigor o Governo não decidiu nada: anunciou uma decisão condicionada à verificação de pressupostos que se verão mais tarde.
Esta forma razoavelmente esquizofrénica de decidir não é exclusiva deste governo, tem mesmo sido uma imagem de marca de todos os Governos em Portugal desde que são obrigados, pela legislação europeia, a cumprir requisitos legais de avaliação ambiental com os quais, em bom rigor, não concordam.
Na verdade os Governos em Portugal acham absurdo que critérios ambientais tenham o mesmo peso que outros na ponderação de interesses que as decisões deste tipo exigem.
Em consequência decidem primeiro de facto e depois fazem uns estudos ambientais para cumprir os pressupostos da decisão de jure.
O resultado é a irracionalidade de muitas decisões sobre investimentos públicos e privados (escreverei sobre a plataforma logística de Castanheira do Ribatejo muito em breve) já que no processo de decisão de jure pode acontecer verificar-se, posteriormente, que a decisão de facto é ilegal (ou tem contornos de ilegalidade).
Ora este é exactamente o risco das decisões sobre o aeroporto agora tomadas.
Imaginemos que da avaliação ambiental da localização de Alcochete/ Benavente/ Montijo se conclui que o aeroporto afecta significativamente valores protegidos pelas directivas aves e habitats.
Nessas circunstâncias legalmente o projecto só pode ser aprovado se cumprir as condições de excepção previstas na directiva habitats: primeiro, demonstração de inexistência de alternativas, segundo (e a ordem não é arbitrária) demonstração de primordial interesse público.
Na circunstância particular (mas não implausível) da afectação ser sobre valores prioritários definidos por essas directivas as razões do primordial interesse público invocáveis pelo Estado Português só podem ser ambientais, de saúde ou segurança públicas. Se quiser invocar outras, nomeadamente as de ordem sócio-económica, terá de ouvir a Comissão Europeia (embora não tenha de seguir o parecer da Comissão).
Ou seja, decidir sem avaliação estratégica de alternativas não é ilegal.
Na verdade se não houver impactos significativos sobre valores protegidos pelas directivas aves e habitats a questão das alternativas não se põe.
Mas é uma forma muito arriscada de decidir porque, como é evidente, quando no processo de avaliação forem detectados impactos significativos pode ser muito tarde ou muito caro encontrar a melhor solução para o problema (mesmo que seja manter a decisão mas com custos brutais do ponto de vista processual, de tempo de decisão e de medidas compensatórias).
Nessa altura não vale a pena desvalorizar uma plantinha, um caracol, um charco protegidos pelas directivas citadas e significativamente afectadas pelo projecto.
É por isso que nos países em que se leva a sério a integração dos factores ambientais no processo de decisão não é preciso discutir se é ilegal ou não decidir sem avaliar alternativas porque a evidência é clara: até pode ser legal, mas é estúpido.
henrique pereira dos santos

6 comentários:

Miguel B. Araujo disse...

Olá Henrique,

O que Joanaz diz é que o processo de decisão vai ao arrepio do espírito da Lei e isso parece-me ser verdade.

Uma decisão preliminar por parte de um primeiro ministro é um acto que pode ser visto como condicionador das conclusões de um EIA. Este argumento pode ser elaborado e levado a um tribunal e não é de todo impossível que o juiz conclua que existem irregularidades no processo de decisão.

Seria aliás interessante que o Joanaz ou o GEOTA fizessem esse esforço adicional e levassem o caso a tribunal. Aí sim se veria se o processo de decisão vai ao arrepio da Lei ou não.

Se ganhassem estariam a contribuir para a jurisprudência em Portugal. Se perdessem manter-se-ia tudo como está.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Olá Miguel,
Penso que não tens razão. Pelo que li, e isso é o que tem sido defendido noutros processos, o Joanaz diz que a avaliação de alternativas viola a lei.
O espírito da lei não sei o que é (eu próprio já fui confrontado com pessoas que argumentavam que a intenção do legislador era esta ou aquela a propósito de partes de diplomas que eu próprio tinha escrito).
A questão de fundo é que ao argumentar que é ilegal e não contestar judicialmente ou contestar e perder está-se a desviar a atenção do essencial: legal ou ilegal a forma de decisão é irracional.
E este parece-me um aspecto a realçar antes da armadilha para que o movimento ambientalista tem sido empurrado: ao contestar depois a decisão real (porque esta, como dizes, e bem, é um mero condicionamento do processo futuro), numa fase onde tudo foi já formatado, serão sempre acusados de estar a impedir a racionalidade das decisões, como procurei demonstrar a propósito dos lobos.
É que nesta matéria Governo do momento e oposição do momento concordam numa coisa: era o que mais faltava que um caracol interferisse nas decisões do representantes eleitos dos cidadãos.
E o que é preciso dizer é que é preciso evitar chegar a esse ponto contestando a racionalidade (e não tanto a legalidade nesta altura) do processo de decisão.
henrique pereira dos santos

aeloy disse...

O relatório é um documento cheio de propostas e de alta qualidade ..., retenho todavia duas notas.
a)
Discretamente, muito discretamente, menciona-se a Portela (ou + 1) como sendo oportunidade em termos de custos benefícios, que não foi considerada por opção política.
b)
E embora o relatório favoreça Alcochete impõe uma série de condicionantes interessantes do ponto de vista da prossecução mais sustentada da obra.

E ainda não me parece evidente a opção rodo-ferroviária nem dados de base sobre a evolução do trafego aéreo.
E gostaria que não houvesse o esquecimento das autarquias que nem sequer são referidas no mesmo, como se não existissem.
António Eloy

Manuel Rocha disse...

Então e quando a aeroporto estiver construido será que as projecções de crescimento para o tráfego aéreo que hoje se fazem se verificarão ?

Não se sabe, claro...nestas coisas unem-se os pontos de um gráfico e para onde apontarem as últimas tendências diz-se que é por ali, mas como se sabe nem sempre é assim.

Além disso: alguém se apercebeu que esta discussão tivesse sido enquadrada num plano estratégico de médio-longo prazo ?

Romeu Gerardo disse...

A sua opinião não deixa de ser interessante e aliás, é importante realçar que a integração de factores ambientais em processos de decisão deve ser um factor a ter em conta e que infelizmente os nossos governantes e mesmo nós próprios ainda não assimilámos essa importância. Porém, na minha opinião, a posição já está tomada e o destino dos habitats afectados já está traçada, a realidade é pura e dura, por isso, convém pensar em alternativas as esses habitats e não em alternativas dos aeroportos, pois esse já está escolhido.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Romeu Gerardo,
É exactamente esse tipo de raciocínios que tem conduzido a ineficiências e custos inesperados em muitas obras públicas.
Odelouca foi decidida há dez anos e ainda não está construída e será construída com custos muito superiores por razões de conservação. O Baixo Sabor está há dez anos em bolandas esperando-se que a Comissão Europeia diga o seu sim um dia destes (o Governo tinha dito que era em Outubro mas não foi).
A A2 teve um processo no tribunal europeu que Portugal perdeu e que implica uma séria de decisões com custos que ainda não estão resolvidas.
O que digo é que de facto esta forma de decidir tem custos que eram evitáveis (mesmo para as mesmas soluções de projecto) se fossem tidos em atenção estes factores mais cedo e, sobretudo, mais seriamente.
Temos muito tempo no futuro para ver se não seria a minha avó que tinha razão: devagar que tenho pressa.
henrique pereira dos santos