quarta-feira, fevereiro 06, 2008

A roleta

Li hoje no público que uma equipa da BBC veio ver como Portugal conseguia chegar às suas ambiciosas metas para a produção de energias renováveis.
O que prendeu a minha atenção foi uma nota marginal: um dos motivos de espanto da equipa inglesa era a rapidez de decisão em coisas sérias como barragens. Já há anos, com uma equipa de um parque nacional inglês, esta questão tinha irrompido na conversa pela sua surpresa com os tempos tão curtos entre a ideia de fazer alguma coisa e a construir em Portugal (naquele caso o centro de alto rendimento desportivo em Rio Maior).
É curiosa afirmação de que em Inglaterra esse tipo de decisões são muito morosas, o que toda a gente aceita porque parte do princípio de que o escrutínio público é um processo lento e caro, mas imprescindível para decisões deste tipo.
Imprescindível, direi eu, não por uma questão ideológica mas porque o risco associado a decisões erradas é demasiado elevado.
Ora em Portugal há uma enorme tradição da decidir políticas públicas como quem joga na roleta, querendo retornos rápidos, sem grande trabalho e com o mínimo de interferência de terceiros nos objectivos definidos.
São muitos anos de habituação ao respeitinho pelo Estado e pelo Chefe.
Por isso preferimos a rapidez da decisão à sua qualidade.
Dois exemplos recentes de projectos que se prolongam por vários governos sempre com o mesmo tipo de preocupações: mostrar capacidade de decisão e obra é mais importante que avaliar em toda a extensão as consequências das decisões e as margens de incerteza.
A decisão sobre a barragem do Sabor arrasta-se há anos (a primeira causa de vários anos de atraso foi fazer apenas a avaliação ambiental daquela barragem sem discutir seriamente alternativas) e hoje o processo segue o seu curso. Tudo indica que a Comissão Europeia vá arquivar a queixa do movimento ambientalista sobre a decisão de construir a barragem.
Curiosamente no debate público esta decisão da Comissão aparece como a decisão final a partir da qual se acabaram as discussões.
Mas a coisa não é assim tão linear. Ainda podem ser usados alguns mecanismos jurídicos que podem inclusivamente pôr em causa a decisão da Comissão Europeia.
O que me interessa agora não é discutir quem tem razão nesta disputa é apenas vincar que forçar a decisão na Comissão Europeia parece boa ideia mas se esse forcing aumentar o risco dos tribunais pararem o processo a meio, valerá a pena?
Aparentemente esta hipótese pura e simplesmente não entra na ponderação que necessariamente todos os decisores fazem dos diferentes interesses em presença antes de tomar uma decisão.
Segundo exemplo, o novo aeroporto de Lisboa.
Li com atenção os documentos em discussão pública. Neles é claro que não existe informação suficiente para dizer com um mínimo de probabilidade se há ou não afectação significativa de valores protegidos pela legislação comunitária e nacional.
A opção parece ser avançar com uma decisão de localização e depois então aprofundar os estudos para despistar esta hipótese. Parece uma boa opção para ganhar tempo. Se de facto se verificar que os estudos mais pormenorizados concluem pela não afectação significativa de valores protegidos pela legislação comunitária e nacional terá sido uma decisão acertada.
Mas se pelo contrário se verificar que o aprofundamento dos estudos conclui pela afectação significativa de valores naturais, então a questão das alternativas volta à estaca zero (legalmente, politicamente é outra discussão).
Nessa altura, porque entretanto se cristalizaram compromissos e opções, encontrar uma saída será sempre difícil e, provavelmente, muito caro.
É por isso que nos países com bons modelos de decisão estas decisões são muito demoradas, o que é apesar de tudo muito mais barato que jogar na roleta.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

LM disse...

Parabéns pelo Blog!
Visite o meu...
http://geopensar.blogspot.com/

Lídia Mendes

Anónimo disse...

Isto em PT c/ PIN's pode-se tudo...

Acho é muito mal que o PM, que até foi um bom ministro do ambiente, faça coisas destas...mas enfim, tal como dizem eles: "São as pressões!!!"