sábado, março 08, 2008

Os professores e a avaliação

Os professores são profissionais de avaliação. Como tal, supõe-se que conheçam a sua utilidade e espera-se que acreditem no seu significado.

Sim, ser avaliado dá trabalho. Obriga um esforço constante de preparação. Implica premiar o mais esforçado e descriminar o mais indolente.

Que argumentos de substância existem contra o processo de avaliação de professores? Que vantagens terá o País em permitir que a progressão na carreira docente não seja dependente de uma avaliação externa sobre o desempenho dos professores? Ganharão os estudantes? Ganhará a qualidade do ensino? Ganhará o País?

Há alguém que tenha a clarividência para explicar as razões destes protestos, sem entrar na lenga-lenga dos direitos adquiridos?

22 comentários:

Anónimo disse...

Viva Miguel Araújo!

Ninguém está contra a valiação, Miguel. E eu não estou no público, estou no privado e somos avaliados peloas alunos, coordenadores, directores... etc... mas o nosso processo de avaliação foi negociado entre todos os intervenientes, respeitando a lei, e começamos, pouco a pouco, este processo no ano lectivo de 2005/2006, este ano este ano estamos noutro patamar e ainda na segunda-feira fizemos reajustes ao documento da avaliação de desempenho, vamos fazer a avaliação este ano e no próximo e em 2009/2010 ele será realizado com consequências práicas, vai implicar na progressão... mas só em 2009/2010...
Acha justo que os professores tenham que o fazer tudo isto à pressa!!! Num mês discutir os parâmetros de avaliação, estabelecer objectivos..!!?? Nós estamos nisto há quase três anos, calmamente, partindo pedra, envolvendo toda gente... nada se faz à pressa. E acha bem que haja quotas"? Se eu merecer um excelente mas como já há dez excelentes eu já não osso ter? A minha Esposa trabalha na Faculdade. este ano dicidiram que não havia excelentes, colocaram a "quota" de apenas cinco muito bons, a minha esposa teve muito bom na avaliação, mas como só podia haver cinco tiveram que retirar o excesso, o critério utilizado foi o tempo de serviço, a minha esposa ficou atrás de outra colega por três dias... resultado... teve ficar com excelente.
Eu nas minhas aulas, não coloco "quotas" para a avaliação dos meus alunos: na minha disciplina só dou 3 excelentes, 4 muito bons, 6 bons... etc... Eu devo merecer a nota que realmente mereço e não aquela que me querem vender.

Já vou muito alongado... por isso eu apoio os meus colegas... não é não quererem ser avaliados.. é o modo como tudo se faz... é o caminho que foi feito... Só mais uma: como é possível começar um processo sem a comissão nacional para a avaliação de professores começar a funcionar... só foram noemados a semana passada... é o que acontece quando o carro anda à frente dos bois..

Raul Martins disse...

emendo, a minha esposa teve que ficar com bom... vai recorrer, mas não sei se adianta..

Miguel B. Araujo disse...

Obrigado, Raul Martins, pela sua serena exposição pontos de vista. Se bem entendo a sua crítica resume-se a 2 aspectos:

* a reforma ser feita à pressa

* o processo de avaliação definir quotas.

A última questão que coloca é interessante. Em princípio estaria de acordo consigo, que a avaliação do mérito deveria ser absoluta e não relativa. Se em 100 docentes, 99 fossem fantásticos, então 99 deveriam ter excelente. Na prática o que se tem verificado nas avaliações da função pública é que todos são sempre muito bons ou excelentes. O problema desta perspectiva resume-se, quanto a mim, a dois aspectos:

1. É falso que sejam todos igualmente bons na docência como ou em qualquer outra profissão. Aliás, qualquer professor sabe que quando se avaliam os alunos a notas tendem a distribuir-se segundo uma curva normal, i.e., a maior parte está no meio e alguns estão nas extremidades. Ficaria muito surpreendido que este princípio da normalidade não se verificasse na classe docente até porque já fui estudante no ensino público português e sei que a realidade está longe de ser ideal.

2. Assumindo o hipotético caso dos professores serem todos excelentes, existe necessidade de descriminação porque se queremos associar o mérito à remuneração temos de assumir o óbvio, i.e., que o orçamento é finito e só pode suportar um número limitado de progressões de carreira com base neste critério. É isto que ocorre todos os dias em muitas profissões em que só um conjunto limitado de trabalhadores aufere de aumentos de mérito cada ano. Por exemplo na minha profissão, a carreira de investigação, abre-se um número limitado de postos para categorias superiores cada ano e cada ano os profissionais no percentil superior do processo de avaliação são promovidos. Isto é normal num mundo de recursos finitos e deveria ser aceite com tranquilidade pois o contrário conduz a situações de irracionalidade na gestão de recursos escassos. Outra questão é se os mecanismos de avaliação são correctos ou estão devidamente oleados. Essa questão é interessante e estou certo que nunca todos estarão de acordo com os mecanismos de avaliação em curso e que sempre existirão casos que demonstram que o sistema não é perfeito. Não obstante, tenho algumas dúvidas que as 80,000 pessoas que se concentraram ontem no terreiro do paço tenham esta distinção na cabeça e que não queiram, pura e simplesmente, regressar a uma vida sem avaliações de mérito.


Quanto à pressa. Creio que temos de colocar as questões no seu devido contexto. Tanto quando me recordo a reforma anda em discussão desde o final do primeiro ano de tomada de posse deste governo e está a ser aplicada este ano. Algum dia tem de ser aplicada a reforma e a primeira vez que for aplicada será sempre menos eficaz ou justa que nos anos seguintes. A diferença entre o mundo privado e o público é a eficácia dos processos de decisão. Se na privada o tempo não é um problema e uma reforma pode ser facilmente escalonada em 3 e 5 anos, no sector público é mais difícil porque existem ciclos eleitorais, mudanças de governos e poderosos lobbies que aproveitam qualquer fragilidade na cadeia de comando para fazer abortar reformas que colidem com interesses particulares. Em qualquer caso tenho de concordar consigo que o bom senso aconselharia mais tempo na implementação de uma reforma desta natureza. Mas conduziria esse tempo acrescido à consolidação da reforma, ou ao seu fracasso? Estavam as 80,000 pessoas a reclamar por mais tempo para implementar a reforma ou simplesmente, como tem sido o tom dos sindicatos desde que o governo começou a falar na reforma, o seu boicote?

Cumprimentos,
Miguel Araújo

Raul Martins disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Caro Miguel Araújo. Li com atenção o que escreveu. Concordo consigo na generalidade. Podemos continuar a trocar pontos de vista. Neste momento, apenas quero dizer:

1. É falso que sejam todos igualmente bons na docência como em qualquer outra profissão.

Completamente de acordo.
Prova disso é que na avaliação da nossa escola, da partilha que houve entre amigos – porque os resultados da avaliação (resultante da avaliação feita pelos alunos, coordenadores de departamente, coordenadores de curso, conselho executivo) são dados a conhecer individualmente a cada um pelo director, e cada um se quiser partilha com os outros, nesta fase de adaptação ao sistema -, houve 3, 4 e 5... não são todos excelentes... o que não tem interesse é dizer que só pode haver 5: 5; 10:4... eu quero saber o resultado da minha avaliação.
E já viu o que é o resultado da avaliação depender do resultado dos alunos? Este ano posso ter uma “produção” brilhante por ter alunos muito interessantes e sou bafejado por isso, e no ano seguinte tenho alunos com imensas dificuldades e até me exigiram muito mais trabalho e até gratificante mas os resultados... nicles... não foram tão brilhantes... e agora?

2. Um número limitado de progressões de carreira...

Isto é outro assunto... eu aceito que só 1, 2 ou 3, possam atingir determinado lugar, é óbvio... aí, estabelecemos as regras e joga-se com elas... mas uma coisa é a minha avaliação... se eu mereco 5, tenho que ter cinco... não pode haver quotas.. outra é o subir a determinados cargos que também têm em conta a minha avaliação....
Concordo com o seu exemplo... a carreira de investigação, abre-se um número limitado de postos para categorias superiores cada ano e cada ano os profissionais no percentil superior do processo de avaliação são promovidos...
Eu pergunto... e o perfil? Eu posso ter excelente avaliação, sou um excelente técnico mas não tenho perfil para um cargo...
Mas são duas coisas distintas... uma a avaliação e outro o número de vagas ou cargos que possam existir.
3. Só um conjunto limitado de trabalhadores aufere de aumentos de mérito cada ano. Isto é normal num mundo de recursos finitos e deveria ser aceite com tranquilidade pois o contrário conduz a situações de irracionalidade na gestão de recursos escassos.

Na minha escola a isto chamamos diferenciação positiva. Cada ano a Direcção Pedagógica diz qual o valor destinado nesse ano para a diferenciação positiva e no final, a avaliação vai conduzir também a sermos avaliados em determinados parâmetros que permitirão sermos ou não bafejados por essa quantia. Este ano o acordado foram 39.000 euros a dar áqueles que a avaliação de desempenho conduzir a uma diferenciação de uns em relação aos outros. E isto todos os anos. Veja, assim, eu não me acomodo... Imagine, este ano trabalho imenso, tenho um aumento e pronto, estou neste patamar... acomodo-me...
Assim tenho que lutar todos os anos.


4. Quanto à pressa.
Você coloca o dedo na ferida:

no sector público é mais difícil porque existem ciclos eleitorais, mudanças de governos e poderosos lobbies que aproveitam qualquer fragilidade na cadeia de comando para fazer abortar reformas que colidem com interesses particulares.

Esta é uma questão central.
Em Educação, como na Saúde e certamente outras áreas, não se pode trabalhar por ciclos eleitorais. E isto é que tem sido fatal.
É preciso tormar consciência que as políticas de educação têm que ser

i. DURADOIRAS,
ii. SISTÉMICAS
iii. NEGOCIADAS
i.Em EDUCAÇÃO não se podem prometer resultados num ciclo eleitoral. É uma asneira. Tem que haver um pacto de políticas para 10 anos, no mínimo. Mudamos de política sem que se tenha avaliado se uma deu resultado. Vela, o sitema de Gestão de 98, que previa contratos de autonomia... só o ano passado é que se começaram a fazer os contratos de autonomia, não se sabe se resultou ou não...e já está aí outra política de Gestão das Escolas; o ano passado, no início de Janeiro, saíram orientações para os planos de recuperação, acompanhamento... eetc... revogando um despacho de 2005... agora vem outro, este ano, há pouco mais de um mês e troca-nos as voltas... andamos às avessas... nada se avalia nas políticas educativas, aparecem despachos a granel... É preciso uma política duradoira... e andamos nos ciclos eleitorais... não pode ser... por isso é que eu digo... nada de pressas... pensar bem para agir melhor...
Muitas reformas são abandonadas ou esuqecidas sem se perguntar o que dela resulta. Desmobiliza recursos e paciência por parte de actores saturados de muitas mudanças, a meio de anos lectivos... já viu o que é começarmos um ano lectivo com determinadas directrizes e chegarmos a Janeiro e mudarem as regras?
ii. Modernizar um sistema educativo é um empreendimento sistémico... tem que se apostar de uma forma sistémica em várias entradas: avaliação dos alunos, avaliação dos programas, avaliação dos professores, pedagogia diferenciada, famílias, parcerias locais, etc... e trabalhar as sinergias, não andar a retalho e veja no que estamos: Novo estatuto do aluno... vem e desaparec... autonomia das escolas... desintegrada de tudo o resto... pedagogia diferenciada: cada mês um despacho....
iv. Negociadas. As políticas de educação podem ser bem decididas e legalmente decididas, mas só serão fortes se forem também negociadas com os profissionais e utilizadores. As decisões serão tomadas, então, um pouco mais lentamente, mas os actores implicados nas negociações apoiarão, genéricamente, os compromissos acordados. É o que tem acontecido na minha escola.
Assim, as políticas de educação deixarão de ser uma fábrica de “enchidos” e poderão ser motores motores de progresso.
Já vou muito longo. Lamento não conseguir ser conciso.

Raul

Anónimo disse...

Tenho amigos da adolescência que são professores, actualmente na casa dos 50. Eles pertencem a uma das raras classes profissionais (tal como a de gestor público ou militante PS/PSD) que herdou em exclusivo os benefícios do 25 de Abril.

Actualmente qual é o vencimento médio de um professor efectivo com 25 anos de serviço? Qual é o vencimento médio (por ex.) de um bancário? Há 25-30 anos atrás, qual era o vencimento médio destes profissionais?

Um desses meus amigos terminou engenharia no técnico e foi dar aulas de matemática para um liceu. Eu fui para um banco trabalhar e passado 1 ou 2 anos já ganhava mais que ele. A juventude tem destas irreverências e ele, há quase 30 anos, claramente dizia que tinha ido dar aulas porque não gostava de trabalhar. Perguntava-lhe pelo trabalho de casa, tal como corrigir testes, e a resposta saía-lhe honesta: sabes quanto tempo é que eu demoro a corrigir um teste de um puto do (antigo?) 5º ano? Hoje este meu amigo é professor num instituto de engenheria, dá meia-dúzia de aulas por semana e o resto é "investigação", e farta-se (segundo ele) de trabalhar em casa, não fosse a voz da mulher, que também conheço desde jovem, gritar-lhe (tendo eu ouvido - estávamos a falar ao telefone): "tem mas é vergonha!".

Há mais de 20 anos que na banca (por ex.) existe avaliação de desempenho; existem quotas para excelente, muito bom, bom ...; existem promoções por mérito, ou prémios pecuniários, consoante as avaliações; existem injustiças nas avaliações; existe discordância nos critérios de avaliação; etc.... mas pior que tudo era não existir avaliação!

Os 800.000 deserdados, que ganham 400 euros a recibo verde, sem direito a férias, 12º mês, subsídio de férias, sem sindicato dirigido por profissionais do sindicalismo, sem direito a nada, é que ganhariam a minha simpatia caso se manifestassem. Aqueles 80 mil herdeiros da revolução de Abril que se manifestaram ontem, apenas contribuem para aumentar a minha pouca vontade de votar PS nas próximas eleições.

Ponto Verde disse...

Caro Miguel, pensava que era o único blogue que não estava com o unanimismo gerado à volta da classe docente .

Confunde-me um bocado esta razão tão toldada para o lado de uma classe profissional em que só uma meia-dúzia ao longo da vida, se tanto nos deixa aquela marca de Mestre.

Se esta meia dúzia está acima de qualquer avaliação, e certamente a não tema, dos restantes tal como aos restantes cidadãos, têm não só o direito de ser avaliados mas o dever perante a sociedade.

Anónimo disse...

Há dias deparei com um conselho de turma de um cef que "bloqueou" perante um projecto de trabalho de grupo porque " não era possível calcular o volume de uma banheira, dado tratar-se de um sólido irregular" ( sic )!

Do ct faziam parte ´professores de matemática, fisico-quimicas, geografia e ciências, entre outros.

É natural que o ct em causa tenha estado em peso na manif de sábado. Eu, pelo menos, se a ele pertencesse não teria faltado, garanto !

Desculpem não me identificar mas sou colega e nas escolas estamos de novo em tempo de PREC !

Henrique Pereira dos Santos disse...

Respondi ao Miguel na lista de discussão da ambio.
Mas face ao teor de vários comentários pergunto-me se o que se defende aqui é que se faça a reforma dos sistema educativo contra os professores.
Até à manifestação de sábado acho que responder a esta qestão era simples: contra os sindicatos sim, contra os professores não.
Acontece que com a manifestação de sábado é impossível dizer que a oposição a muitas das medidas tomadas seja uma manipulação dos sindicatos. Há de facto um sentimento generalizado de rejeição entre os professores.
Poder-se-á argumentar, e é o que tem feito a Ministra, que é má-informação e falta de entendimento do que efectivamente se está a propor.
Pondo de lado a responsabilidade de quem decide na capacidade de explicar o que decide, convenhamos que é um argumento que não cola e que se vira contra quem o uso porque as pessoas sentem que lhes estão a chamar tontinhas.
Portanto, com razão ou sem ela, há uma clara oposição generalizada a algumas medidas estruturais (como é a da avaliação, por exemplo).
É possível reformar a educação com a oposição generalizada dos professores? Mesmo dos melhores, mesmo dos que genuinamente entendem que é necessário reformar o sistema de ensino público?
Nas empresas a coisa é mais simples: se a empresa deixa de ter como foco os clientes, mesmo que contra os seus funcionários, fecha por inviabilidade.
Mas mesmo assim o processo do BCP demonstra bem os riscos de desvalorização associados à disputa permanente dentro das empresas.
Eu gostaria de lembrar que nunca em nenhum dos países tomados como modelo para a reforma do sistema de ensino se fizeram as reformas pondo de lado os professores.
Com certeza que houve conflitualidade, com certeza que houve disputa sindical, com certeza houve medidas com que muitos professores não concordavam e a elas se terão oposto.
Mas será possível reforma sem suporte de um grupo de professores minimamente consistente e prestigiado, mesmo que minoritário?
henrique pereira dos santos

Miguel B. Araujo disse...

Caro Henrique,

Prometo regressar a esta conversa logo que volte a ter possibilidade mas entretanto deixa-me que te diga o seguinte:

Para haver diálogo social tem de haver um mínimo acordo sobre os princípios. Ora desde que o governo anunciou que iria avaliar professores, criar dois escalões na carreira docente e forçar as escolas a organizar aulas de substituição caiu o carmo e a trindade. Os sindicatos, pura e simplesmente, combateram os princípios gerais das reformas e contra isso não há diálogo que valha.

Ora, o governo tem legitimidade para avançar com estas reformas pois foi eleito com um mandato claramente reformador. Uma postura razoável por parte dos sindicatos teria sido aceitar os princípios reformadores na generalidade (aliás porque são praticamente inatacáveis) e proporem-se para os discutir na especialidade.

Não aconteceu assim e chegamos a mais de metade do mandato do Governo e ou se avança com a reforma agora, com eventuais erros que se poderão corrigir no decurso posteriormente, ou se chegará à próxima legislatura sem reforma.

Este último cenário é claramente o que têm pretendido os sindicatos e muitos dos professores (mas não todos) que se manifestaram no Terreiro do Paço.

Seria desejável um maior consenso social? Com certeza que sim. Seria desejável que os professores fossem os motores da reforma mais do que pesos que se arrastam contrariados? Estamos completamente de acordo.

Acontece que nunca os professores se manifestaram no Terreiro do Paço para defender a progressão na carreira com base em critérios de mérito (quaisquer se fossem estes critérios). Também nunca vocalizaram incómodo com as muitas horas que os estudantes passam nos recreios, expostos a todo o tipo de influências perniciosas, quando os professores faltam às aulas programadas. Portanto - é com pesar que digo isto - carecem da legitimidade moral necessária para serem ouvidos sem desconfiança por parte dos restantes Potugueses que se interessam pelo processo educativo mas que não têm interesses profissionais na matéria.

Uma questão diferente é se a Ministra da Educação tem tido o tacto político para levar a reforma da forma mais conveniente. Não tenho acompanhado o processo de perto e admito que mais jeito político nos tivesse conduzido alhures. Mas tal não obsta que a reforma proposta seja, no plano dos principios, correcta, que peca por tardia e que a posição dos professores, pelo menos dos seus representantes sindicais, tem sido a de obstaculizar qualquer reforma que afecte os seu "modus vivendi".

Talvez a esta turbulência sucedam momentos de maior bom senso. Veremos. O passo óbvio seria implementar a reforma a título experimental, revê-la o ano que vem e efectivá-la dentro de 2-3 anos. Mas para que o processo fosse feito com os professores seria necessário que a classe mudasse de atitude e que mostrasse um pouco mais de abertura para as mudanças que são necessárias. Quando tal acontecer estou certo que as negociações passarão a ser mais produtivas.

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
A tua posição é a posição da generalidade das pessoas que conheço e que têm opinião mas que não tomaram contacto com os pormenores da coisa.
É uma posição que partilho em grande medida.
A questão de fundo é que a contestação inicial dos sindicatos não é a mesma que hoje existe.
O que há a perguntar é por que razão se passou de uma contestação sindical para uma contestação que arrasta os sindicatos (que evidentemente cavalgam o descontentamento dos processores).
Ora isso não é um problema de falta de jeito da ministra para a política.
O que se passa é o resultado de uma opção política claríssima do sr. primeiro ministro: diabolizar um sector qualquer (neste caso os professores, na co-incineração os ambientalistas, na justiça os juízes, na definição dos grandes investimentos o ambiente e em especial os conservacionistas e poderia continuar com inúmeros exemplos, quer da função actual desempenhada quer do tempo em que o sr. primeiro ministro desempenhou outras funções), dizia, diabolizar um sector e apresentar as reformas como sendo um combate a privilégios ilegítimos de forma a condicionar qualquer crítica apelidando-a de defesa corporativa.
Ao fazer isto se a reforma for feita de forma incompetente (ou no caso da educação contraditória misturando um discurso de rigor e exigência de excelência com o mais despudurado laxismo em relação aos alunos para rapidamente ter resultados estatísticos favoráveis em matéria de qualificação e insucesso escolar) o que acontece é um extremar de posições.
E neste caso foi o que aconteceu alienando quase completamente qualquer vestígio de apoio por parte dos professores (diga-se em abono da verdade que o mal-estar dos professores já vem de longe mas até agora o ódio ao ministério só tinha paralelo no incómodo para com os sindicatos do sector para muitos e muitos professores).
E a questão subsiste: como se pretende reformar o sector contra a generalidade das pessoas em que o sector assenta? Não é contra os sindicatos, mas contra os professores.
É por isso que o teu último parágrafo é tão irónico: é a reivindicação básica dos professores (mesmo que não seja exactamente a dos sindicatos).
henrique pereira dos santos

Anónimo disse...

Deixo as explicações para quem sabe.

Se calhar convinha ao Miguel lêr um pouco mais antes de engrenar a mudança ou então falar de Ambiente que aí ainda há mesmo muito a falar.

Anónimo disse...

Colegas, para discutir estes e outros assuntos relacionados com a educação e com os professores, visitem a Sala dos Professores em www.saladosprofessores.com!
Já somos mais de 11.000 professores registados e a participar activamente no fórum! Juntem-se a nós e registem-se! Quantos mais formos mais alto se ouvirá a nossa voz da razão!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Caro Sala dos Professores,
O seu comentário é deveras preocupante por partir do princípio de que quem discute educação é professor e por achar importante é que mais professores discutam entre si. É que isto revela de facto uma concepção corporativa da escola e da educação que me parece que joga contra os professores a prazo.
Aproveitem os espaços com outros agentes da educação (a maior parte dos quais nem estão na escola) para alargarem as pontes com a sociedade.
henrique pereira dos santos

Raul Martins disse...

Estou de acordo consigo, Henrique. As Escolas realmente devem fazer pontes com a sociedade e temos que lutar por isso. A sociedade também deve ir ao encontro da escola. E penso que é pertinente debater estes assuntos noutros espaços como este. Nós professores não nos podemos, realmente, fechar-nos em nós próprios. Quantos mais, poucos ou muitos, formos chamados a encontrar caminhos, todos beneficiamos.

Anónimo disse...

Do Blog Abrupto:

(...) Sou professor do Ensino Secundário de História, tenho um Mestrado e um
Doutoramento (tirados no ISCTE) em História Contemporânea, ou seja, sou
doutorado na área científica em que sou docente, mas vou ser avaliado (de
acordo com as grelhas) científico-pedagógicamente na minha área de docência
por um Licenciado em geografia (Coordenador de Departamento), e vou ser
também avaliado pelo Presidente do Conselho Executivo, neste caso um
bacharel em fim de carreira!! (...) isto para mim é humilhante…

Este jovem Dr. revoltado não admite que o Presidente do Conselho Executivo, bacharel com 30 anos de experiência a ensinar estudantes e a lidar com professores, o avalie. Pois a "prima dona", por se julgar no direito de apenas poder ser avaliado por alguém que possua mais títulos académicos que ele, caso trabalhasse numa empresa privada, a porta da rua seria a solução imediata para a sua revolta e humilhação.

Esta estranha forma de indignação apenas está ao alcance duma numenklatura com costas quentes. Caso os milhares de licenciados que procuram trabalho no privado lhes desse para exigir patrões e chefes com mestrado ou doutoramento, caso contrário não consentiriam ser avaliados no desempenho das suas funções por responsável com grau académico inferior a eles, dificilmente sairiam do desemprego. Mas estes, coitados, quem lhes dera ter um chefe com a 4ª classe e um patrão semi-analfabeto que lhes pague 750 euros por mês.

Note-se o exímio português do Dr.: pedagÓgicamente. O bacharel de há 30 anos, quando fez a 4ª classe, já não dava destes erros.

Zé Bonito disse...

Não será que a avaliação dos professores só faz sentido se for precedida da avaliação da escola? Admitindo que o objectivo é mesmo melhorar o funcionamento da instituição Escola (que mais não é do que um dos serviços, entre muitos, ao serviço da comunidade), como podem ser definidos os objectivos para os professores de cada escola em particular, sem primeiro saber quais os objectivos que a escola onde trabalha deve cumprir (tendo em conta a localidade em que se insere)? Como saber se um professor está a trabalhar bem ou mal, sem antes saber o que aquela localidade precisa da sua escola?

Se assim não for, penso que tudo irá ficar pelo "pedagogês". Pode servir para limitar entradas em escalões salariais, mas continuaremos sem saber o fundamental: a Escola (cada uma delas) está a cumpri o seu objectivo?

João Soares disse...

Caro Miguel
Respondi e intervi na lista Ambio e agora no blogue exibo também aqui o
quadro comparativo do ECD da Madeira, Açores e Continente. Por que razão há tanta discriminação e injustiça?
http://www.scribd.com/doc/2273639/ECD-MADEIRA-ACORES-E-CONTINENTE

Este modelo deve ser suspenso. Não serve. As principais razões estão muito bem resumidas aqui http://educar.wordpress.com/2007/10/07/a-avaliacao-dos-professores-erros-equivocos-efeitos-perversos-ou-o-que-queiram-chamar-lhes/
Pessoalmente e muito do que leio encontro nas palavras de António Brotas (Antigo Secretário de Estado e Director do Gabinete de Estudos e Planeamento do Ministério da Educação) o modelo do bom senso:

"O ensino português pode melhorar com simples medidas de bom senso. No caso citado , o Ministério, em vez de procurar avaliar simultâneamente 140.000 professores, tem, simplesmente, de promover a criação de orgãos especializados para avaliar a competência dos relativamente poucos professores suspeitos de
não serem competentes. A estes, devem ser dadas todas as garantias como, por exemplo, a de poderem designar dois elementos para integrarem a comissão encarregue de os avaliar.

O Ministério deve, também, criar orgãos vocacionados para detectar os muito bons professores, que são o património mais valioso de um sistema educativo, e que devem, depois, ser utilizados pelo Ministério como motores da melhoria do nosso sistema de ensino. Numa avaliação global, simultânea e esquemática, estes melhores professores correm o sério risco de não serem considerados aptos para serem professores titulares, e serem assim impedidos de influenciar o evoluir das próprias escolas. E corremos um outro risco: o de alguns dos piores professores se tornarem "especialistas em serem avaliados" sendo assim seleccionados para professores titulares e passando a influenciar fortemente o futuro do nosso ensino.

António Brotas

Um bom fim de semana

Miguel B. Araujo disse...

João,
Agradeço a sua intervenção pois tendo o Henrique Pereira dos Santos como defensor da causa dos professores dá a falsa impressão que o bom senso está do lado dos sindicatos dos professores e a falta dele do lado dos que propõem a reforma.

A proposta que faz é bem ilustrativa do nível de corporativismo e falta de bom senso da posição maioritária dos professores:

“Em vez de procurar avaliar simultâneamente 140.000 professores, tem, simplesmente, de promover a criação de orgãos especializados para avaliar a competência dos relativamente poucos professores suspeitos de não serem competentes.”

Pergunto o seguinte:
1. Como se sabe se um professor é pouco competente antes de o mesmo ser avaliado?
2. Que diferença existe entre a carreira docente pré-universitária e a universitária? Por outras palavras, porque razão na primeira se justificaria ausência de avaliação e escalões profissionais e na segunda se justificaria a sua presença?
3. Está a propor o mesmo sistema – só avaliar os maus – também como processo de avaliação dos alunos ou defende que a ausência de avaliação seria apenas para os professores?
4. Porque têm os professores do secundário medo de serem avaliados?

Miguel

Henrique Pereira dos Santos disse...

Miguel,
Tenho ideia de que não disse em lado nenhum que o bom senso está do lado dos sindicatos dos professores e a falta deles do lado de quem propõe as reformas.
Mas se o disse tento corrigir.
O que disse é que quando a larga maioria dos professores está contra as reformas e não apenas os sindicatos é preciso pensar se esse é o caminho sensato para fazer reformas na educação.
Em rigor não existe um lado dos professores, existem muitos, com posições muito distantes e até contraditórias.
Sendo assim por que razão esta reforma em concreto conseguiu federar quase todos na sua oposição?
Este é a minha pergunta central.
E tenho duas respostas que se potenciam negativamente: por um lado houve uma deliberada política de diabolização dos professores comos responsáveis pelos maus resultados do sistema de ensino em Portugal e por outro as reformas têm vindo a ser propostas e executadas de forma inconcebível, incluindo a contradição entre o suposto rigor exigido aos professores e o laxismo necessário à rápida melhoria das estatísticas de abandono e insucesso escolar.
Quem é o responsável pelo sistema de ensino é o Governo.
Nesse sistema coexistem muitos actores, muitas vezes com interesses contraditórios e mesmo que todas as políticas se centrem nos interesses dos alunos e das famílias (o que no essencial eu defendo) é preciso contar com os interesses legítimos de terceiros, separando-os dos interesses ilegítimos que também existem.
Ora, nunca tendo eu negado a pulsão corporativa da classe dos professores (potenciada irracionalmente nas posições dos sindicatos) a verdade é que as opções base do sistema são sempre dos governos.
Por exemplo, contra a posição dos sindicatos, o governo poderia ter dado toda a autonomia às escolas, permitindo-lhes não só avaliar os professores como entendessem como contratá-los acabando com os concursos nacionais.
E depois criar um sistema de avaliação das escolas (como existe, por exemplo, para os centros de investigação) associado ao seu financiamento.
Dir-me-ás que essa era uma opção e a do governo foi, legitimamente, outra. E que mais vale uma reforma que reforma nenhuma. Não tenho a certeza de ser verdade mas o que o governo não pode é dizer que a responsabilidade dos resultados é dos professores (que também é, à sua escala).
Pelo contrário, o Governo deve ser responsabilizado por não conseguir mobilizar os professores para a reforma do sistema de ensino.
E se conseguir obter resultados no sistema de ensino contra os professores terei de lhe dar razão.
Mas não acredito que isso seja possível.
É difícil mobilizar uma classe tão corporativa para esta reforma (ou para outra qualquer)?
Sim, claro que é, mas ninguém disse que governar é fácil.
henrique pereira dos santos

João Soares disse...

Caro Miguel

1. Como se sabe se um professor é pouco competente antes de o mesmo ser avaliado?

Isto nem respondo. O Miguel sabe que infelizmente os governantes do nosso País não discutem a Europa, mas sim, trabalham para as estatísticas e então criou-se esta imagem (que persiste) que professor é alguém que não conseguiu ser advogado, médico...

2. Que diferença existe entre a carreira docente pré-universitária e a universitária? Por outras palavras, porque razão na primeira se justificaria ausência de avaliação e escalões profissionais e na segunda se justificaria a sua presença?

Já fazíamos a avaliação. Contudo a menção de "Bom" e de "Muito Bom" era muito raro obter-se por razões burocráticas (e financeiras). Falta fazer a avaliação do antigo modelo de avaliação.

3. Está a propor o mesmo sistema – só avaliar os maus – também como processo de avaliação dos alunos ou defende que a ausência de avaliação seria apenas para os professores?

Este modelo é impraticável.Só isso.


4. Porque têm os professores do secundário medo de serem avaliados?

Este modelo é impraticável.Só isso.

P.S. Se a classe docente fosse tão "corporativa" não sei como há tantos alunos portugueses distinguidos no plano nacional e internacional...
P.S.2 Se a classe docente fosse tão "corporativa" então como explicar o crescimento de movimentos cívicos de Professores, fenómeno louvavel em Democracia.
A Democracia vive do confronto de ideias e ideiais.

P.S.3 "Um amigo não pensa como eu, mas pensa contigo"

Um abraço

Miguel B. Araujo disse...

Caro João,

Eu disse:
"1. Como se sabe se um professor é pouco competente antes de o mesmo ser avaliado?"

João responde:
"Isto nem respondo."

Pois é pena que não responda pois continuo sem perceber a lógica de só avaliar os maus professores sem que haja uma avaliação global que determine quem é mau ou bom.

Eu disse:
2. Que diferença existe entre a carreira docente pré-universitária e a universitária? Por outras palavras, porque razão na primeira se justificaria ausência de avaliação e escalões profissionais e na segunda se justificaria a sua presença?"

João responde:
"Já fazíamos a avaliação. Contudo a menção de "Bom" e de "Muito Bom" era muito raro obter-se por razões burocráticas (e financeiras). Falta fazer a avaliação do antigo modelo de avaliação."

Nas universidades a avaliação faz parte do sistema de progressão da carreira. No ensino secundário a progressão fazia-se por antiguidade. Essa é a questão de fundo. Continuo sem entender porque haverão os professores do ensino secundário, ou os seus representantes, ser contra um sistema de progressão profissional que tenha por base os principios de meritocracia.

Eu disse:
"3. Está a propor o mesmo sistema –só avaliar os maus – também como processo de avaliação dos alunos ou defende que a ausência de avaliação seria apenas para os professores?"

João responde:
"Este modelo é impraticável.Só isso."

Pode ser que seja. Não sei se será. O que sei é que os representantes dos professores criticaram a reforma, desde o ínicio, com base em argumentos de fundo e não com argumentos de detalhe. Se tivessem aceite os principios gerais da reforma (e.g. necessidade de aulas de substitução, progressão da carreira com base em mérito) teriam ganho credibilidade numa discussão de pormenor que é a que fez e continua a fazer falta. Agora, no final da legislatura, suavizam o discurso e dizem que não os principios gerais da reforma que estão em causa mas sim os detalhes (depois de ter criado um diálogo de surdos com o Ministério durante anos). Creio que esta posição não é honesta pois sabem que nesta fase ou se aborta a reforma e se espera por um novo governo, ou se implementa a reforma tal e qual está podendo fazer adaptações mais tarde. Tendo em conta o percurso das posições dos professores é dificil acreditar que estão interessados numa reforma melhorada. Simplesmente são contra esta e qualquer reforma que modifique (peço desculpa pela dureza das palavras) a situação de regalia que ainda vivem face a outras profissões.

Eu disse:
"4. Porque têm os professores do secundário medo de serem avaliados?"

João responde:
"Este modelo é impraticável.Só isso."

Faria falta a demonstração. Sem que o modelo seja implementado ficamos cada qual com a sua posição de fé.

João disse:
P.S. Se a classe docente fosse tão "corporativa" não sei como há tantos alunos portugueses distinguidos no plano nacional e internacional...

Porque os que são realmente bons alunos (ou que sendo alunos médios têm outras qualidades que os distingam) podem sobreviver mesmo a um mau sistema de ensino. A História está cheia de exemplos. Por outro, ninguém diz que não hajam boas escolas e bons professores. O que está em causa é criar mecanismos de avaliação que permitam descriminar os bons dos maus. É isso que acontece por todo o mundo civilizado.

João disse:
P.S.2 Se a classe docente fosse tão "corporativa" então como explicar o crescimento de movimentos cívicos de Professores, fenómeno louvavel em Democracia.
A Democracia vive do confronto de ideias e ideiais."

Com certeza que é louvável mas não vejo onde bate a borta com a perdigota. O corporativismo é um dos resultados das democracias. Os sindicatos, expressão das democracias saudáveis, surgem para defender os interesses das classes que representam. Mas numa democracia saudável os governos, legitimamente eleitos, também têm o dever de governar para o bem comum e não para o bem específico de cada corporação.

Miguel Araújo