terça-feira, junho 03, 2008

A abetarda e o alentejano

No seu blog, Pacheco Pereira diz que Ana Paula Vitorino terá perguntado o que era mais importante, uma abetarda ou um alentejano.
Não sei se a Senhora Secretária de Estado o disse ou não, não sei em que contexto se o disse e etc..
O que sei é que há muita gente a fazer perguntas deste estilo.
E isso traduz um falhanço do movimento conservacionista: ainda não conseguimos explicar que a política de conservação da natureza não se dirige às abetardas mas às pessoas. Ainda não conseguimos explicar que a perda da biodiversidade não é um problema dos elementos dessa biodiversidade mas nosso (que somos um desses elementos).
São as pessoas que perdem quando se perde biodiversidade.
henrique pereira dos santos

13 comentários:

José M. Sousa disse...

Tem toda a razão. Temos de deixar de falar sobre salvar o planeta e começarmos a falar de salvar a civilização. Ver último livro de Lester Brown

Anónimo disse...

SUGESTÃO (!!) para futuro(s) post(s)...

O que é biodiversidade? Porque é que espécies exóticas "não contam"?
Como quantificar biodiversidade? E esta quantificação será feita em relação a espécies-tipo, ou a espécies "emblemáticas" ou a espécies "raras/em risco"?
E, o que é uma espécie?, no sentido de que uma espécie de uma boga de água doce duma qualquer ribeira do Oeste se tiver estado isolada durante X mil anos, com uma dada deriva genética será uma "nova" espécie a proteger especialmente?

Anónimo disse...

O que vale a biodiversidade para a maioria dos cidadãos? ZERO! Aliás, para muitos, menos que zero, pois além de não interessar para nada (mato e ratos? por favor..), ainda pode ser um empecilho à construção de um qualquer pseudo-PIN.

Temos um país riquíssimo em biodiversidade e um povo altamente desinformado e desinteressado.
Tudo passa pela educação dos jovens, mas quando nem o respeito aos professores se consegue incutir..

Espero outros comentadores possam apresentar algumas idéias inovadoras. Sinceramente, não consigo apresentar uma solução que me convença a mim próprio.

Parabéns por ter colocado mais um dedo numa ferida.

Anónimo disse...

Pode ser amargo para todos os "ambientalistas-salvadores-da-humanidade-e-da-lusitânia -em-particular", mas como vivemos numa democracia talvez seja legítimo que populações que desfrutam de um nível de vida miserável face ao resto dos camaradas europeus entendam que os seus [privados] espaços rurais devam prioritariamente produzir riqueza que assegure os almoços e jantares dos "radiosos amanhãs" que se aproximam.

Realmente triste é que funcionários do Estado de um país cada vez mais pobre e com o interior cada vez mais esvaziado, responsáveis pelo desenvolvimento de políticas de conservação cada ano que passa mais potentes e, paradoxalmente, mais ineficazes, ainda não tenham percebido as motivações e as angústias básicas dos seus concidadãos - que são, afinal, a fonte dos seus salários mensais e a justificação para a sua existência. Os burros são os outros.

Objectivamente, quantos alentejanos se salvam com a salvação das abetardas? E a que custo?

Números precisam-se, senão nem a discussão de ideias e de políticas se salva.

BG

Anónimo disse...

"Objectivamente, quantos alentejanos se salvam com a salvação das abetardas? E a que custo?"

Pelos vistos não quis entender o post. Um dos grandes problemas é mesmo esse tipo de raciocínio dicotómico. Enquanto essa lógica persistir, podem acabar com as abetardas todas, com os linces, com os plantagos, que nenhum dos problemas do interior será resolvido. Quando se acabarem as desculpas das abetardas e afins, como irão justificar o fracasso do interior?

Ivo Rodrigues disse...

Saudações alentejanas !!!

Será tão dificil, conciliar as duas ?

Haja saúde !!!

Henrique Pereira dos Santos disse...

Meus caros,
Só é possível concilar as duas quando não se desvaloriza nenhuma à partida.
E mesmo assim às vezes é preciso fazer escolher entre opções inconciliáveis.
Gostaria de lembrar que se a primeira guerra mundial matou 25milhões em quatro anos a pneumónica matou outros 25 milhões em quatro meses de 1918.
Gostaria de lembrar que quando a filoxera chegou à europa recorremos às variedade americanas para continuar a produzir vinho.
Gostaria de lembrar que a aspirina foi sintetizada a partir da casca do salgueiro.
Que muita da investigação de novos princípios activos em medicina se faz sobre a informação genética existente na natureza.
Conservar a biodiversidade é conservar informação que nos permite ter mais hipóteses de encontrar soluções para novas formas de vírus e bactérias em constante mutação.
Quer as que nos atacam directamente, quer as que atacam os organimos de que dependemos, como as seis ou sete espécies de plantas usadas na esmagadora maioria da alimentação do mundo (com cada vez menos variedades, ou seja, com cada vez mais risco de afectação por uma nova praga).
henrique pereira dos santos

José M. Sousa disse...

biodiversidade e alimentação, um artigo muito a propósito.

Anónimo disse...

Meu caro HPS:
Vale a pena interrogarmo-nos sobre a razão de ser do falhanço. Que, a meu ver, é o fruto da desconfiança com que muitas pessoas encaram as medidas de protecção da biodiversidade que na noção geral está longe de ser sentida como antropocêntrica.
Creio bem que a frase da Secretária de Estado, se dita - e ao que parece foi mesmo dita - tenha mais eco do que todos os bem intencionados propósitos de quem chamou a atenção para a destruição dos habitats das abetardas, dos sisões e dos peneireiros.
E julgo mais. Se não houver a noção de que algo tem de ser feito para que se perceba a importâncias das medidas (já nem sequer falo em políticas...) conservacionistas, receio bem que daqui as uns tempos as decisões não resistirão ao preconceito sobre quem as defende ou por elas dá a cara.

ljma disse...

Avaliando o enorme progresso e desenvolvimento que as grandes obras nos têm trazido, não sei porque é que a Senhora Secretária não pergunta antes "O que é mais importante, um alentejano ou um TGV?".

Talvez a Senhora Secretária de Estado tivesse em mente a pergunta "O que é mais importante, uma abetarda ou um accionista de alguma das empresas que vão construir esta obra?"

Ou será que a pergunta que ela tinha mesmo em mente era antes "O que é mais importante, um alentejano (leia-se aqui contribuinte genérico) ou um accionista de alguma das empresas que vão construir esta obra?"

Não estou a discutir nada, estou apenas a fazer um exercício de demagogia. Mas não fui eu quem começou.

Anónimo disse...

Caro HPS,

Coloquei em discussão neste fórum um problema magno que (perdoe-me!) parece ter merecido uma resposta própria para atrasados mentais.

Ninguém contesta a necessidade de garantir a conservação de recursos naturais para as gerações vindouras, pelo que não precisa de me convencer: no meu caso o sistema de ensino português foi eficiente a ensinar a ladainha e, para além disso, acredito nela e pratico-a todos os dias.

Vou então reformular a minha questão, tentando (re)lançar o debate:

1. No actual quadro socio-económico do país, qual a dimensão dos recursos financeiros que Portugal pode devotar a actividades que não apresentam uma remuneração imediata (ou num horizonte aceitável para o regime de propriedade privada, que domina esmagadoramente nas áreas de conservação)?

2. Portugal pode investir na conservação da natureza (senso stricto) a mesma proporção de recursos financeiros públicos e privados que os restantes países da Europa ocidental, designadamente os que vão vinte anos à frente em termos de desenvolvimento?

Não vale argumentar que "temos mais biodiversidade que os outros todos juntos" ou que "Bruxelas é que manda e se não o fizermos levamos tau-tau", porque a legislação europeia de conservação também é feita por peritos portugueses destacados em Bruxelas e a rede Natura que temos é aquela que o ICN quis e meteu à frente do poder político para aprovação.

Sem o valor da factura à frente, como mandava (manda) a Directiva Habitats.

Saudações

BG

Victor Alves disse...

Querem fazer-me acreditar que a culpa do atraso desenvolvimento do país, bem como do despovoamento do interior é da legislação ambiental e da existência de tantas áreas protegidas, quando estes problemas já são anteriores aos tempos em que o tema do ambiente passa a ser banal, antes de se fundarem algumas áreas protegidas, antes de haver uma legislação ambiental razoável, além disso pouca gente a cumpre, esta que continua a ser vaga em muitos aspectos, nem o governo nem os cidadãos a cumprem, por isso até agora ainda não foi um entrave ao desenvolvimento do país.

animah disse...

ora aí está, ou se sai do ego e se vê o todo ... ou se continua na utopia de se poder estar do lado de fora.