terça-feira, julho 01, 2008

Fogo e estatística

Todos os anos nos confrontamos com um número impressionante de números que pretendem traduzir a realidade dos fogos rurais. E com base nesses números há toda uma construção estatística que pretende avaliar o problema.
Os números e as estatísticas são fundamentais para nos ajudar a pensar mas não são a realidade.
Vem isto a propósito de alguns comentários recentes de Pedro Vieira sobre os fogos rurais no seu blog.
Neste, que comentei, Pedro Vieira anuncia para o meio desta semana o início de fogos a valer se não chover e neste outro Pedro Vieira defende a tese de que a eficácia do combate este ano é a mais baixa dos últimos seis anos.
Tenho mantido com Pedro Vieira uma dicussão longa sobre o assunto porque acho que o Pedro sobrevaloriza a estatística e porque o Pedro acha que a minha relativização da estatística é uma forma de desresponsabilizar os responsáveis pelo estado de coisas.
Nesta discussão provavelmente nenhum de nós continua exactamente onde começou: o Pedro tem integrado mais a estatísticas na interpretação qualitativa do problema, eu tenho sido obrigado a olhar mais para os números do que teria intenção.
Apesar das temperaturas altas destas últimas semanas, da falta de chuva, das humidades atmosféricas baixas e mesmo de alguns avisos do Instituto de Meteorologia o que tem ardido continua a ser pouco (e a manter-se o vento continuará a ser pouco nos próximos dias), não tendo chegado, até hoje, aos mais de cem fogos num dia e os poucos incêndios têm sido pequenos e controláveis.
Foi aliás nesse sentido que comentei o primeiro post do Pedro que referi.
Repare-se que aqui na Ambio se falava em no ínício de Abril de fogos mais complicados (um pouco acima dos cem diários, chegando aos 126) apesar de ter chovido há menos tempo e de temperaturas a rondar os vinte graus, por contraste com os mais de trinta destes últimos dias.
Daí que aplauda o Pedro quando usa um indicador de eficácia em vez da área ardida para avaliar o que estamos a fazer.
Mas discorde do facto desse indicador de eficácia (número de ignições que não chegam a ser incêndios) seja meramente estatístico. É que este ano a situação até ao fim de Abril foi bastante mais complicada que em muitos anos anteriores (qualquer surfista lembrará este Inverno por muitos anos pela combinação perfeita de swell e vento leste). O que quer dizer que o dispositivo até pode ter actuado melhor mas contra condições mais desfavoráveis (não estou a dizer que tenha sido o caso, estou apenas a dizer que esta é uma hipótese que a mera análise estatística não exclui).
O mesmo tipo de questões se levantam na comparação de áreas ardidas anuais, que é um indicador muito pouco indicativo. E que dizer das médias rolantes dos últimos cinco anos, de que se usa e abusa para fazer análises sobre fogos? É que para o ano que vem esta média rolante de cinco anos vai cair estrondosamente (vai sair o ano de 2003) e portanto estar abaixo da média dos últimos cinco anos em 2008 pode bem ser um resultado pior que estar acima da média em 2009, quando a média der um trambolhão exclusivamente por continuarmos a querer usar séries temporais curtas na interpretação de fenómenos complexos e muito variáveis.
No caso dos fogos a questão é mesmo bastante mais complexa: o que arde depende em grande medida da existência de condições climatéricas extremas. Ora se há circunstância em que a estatística deve ser usada com muita prudência é exactamente na caracterização dos fenómenos extremos.
Mas a ideia de que um número é objectivo é demasiado apelativa. E por cedermos a esse canto de sereia temos perdido anos na gestão racional do fogo em Portugal.
É pena.
henrique pereira dos santos

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro Henrique,

A forma como o PV analisa a eficácia não leva a qualquer conclusão, porque não reflecte o contexto. Quando digo contexto refiro-me às condições meteorológicas. Apenas uma análise estatística que filtre a meteorologia permite comparar anos diferentes, respondendo à pergunta: com estas condições o que seria expectável que ardesse e o que é que realmente ardeu?

Paulo Fernandes

Anónimo disse...

Fonte da DGRF diz-me que as médias rolantes vão passar para 10 anos. A pedido do INE

P.Fernandes