Madagáscar é uma das regiões mundiais que apresenta uma maior número de endemismos e uma fauna e flora verdadeiramente extraordinárias. Cerca de uma centena de espécies de mamíferos terrestres, praticamente todas endémicas, povoam aquela grande ilha situada no sudeste africano. Mais de duzentas espécies de aves, metade das quais endémicas, nidificam
A riqueza ecológica ímpar de Madagáscar contrasta com a extrema pobreza em que vive a grande maioria dos seus 17 milhões de habitantes. Uma taxa de crescimento anual superior a 3%, a média de idade da população de apenas 17 anos (!), a muito baixa longevidade média e elevadíssima natalidade (quase 7 filhos por mulher), denunciam a o elevado nível de pobreza das suas gentes.
A necessidade de criação de novas áreas agrícolas e pastagens, a exploração de madeiras exóticas e o corte de vegetação arbustiva e arbórea para lenha e produção de carvão, têm contribuído decisivamente para drásticas perdas de área florestal. Ao longo do último século, mais de 90% da floresta original de Madagáscar foi destruída pelo Homem. Com ela, muitas espécies foram extintas e muitas outras encontram-se muito ameaçadas.
Há alguns anos atrás, quando visitava Madagáscar, surpreendeu-me a falta de sensibilidade de uma organização internacional que, diabolizando as gentes locais que destruíam floresta para obter lenha e carvão, pressionava as autoridades para o impedirem, aparentando uma confrangedora indiferença relativamente às necessidades de sobrevivência - por que é disso que estamos a falar - daquelas gentes. "Eles que arranjem outras soluções"... era evasiva fácil, ditada por quem vive com salários e condições que em nada se assemelham com os da ampla maioria do povo malgaxe.
Confesso que sempre me arrepiou a frieza, egoísmo e arrogância com que muitos ocidentais tentam fazer conservação de natureza em África. Boa parte dos problemas de conservação naquele (e noutros) continente resolver-se-iam per si com o incremento do nível de vida das populações locais.
6 comentários:
Caro gonçalo, É certo mas não é matando a galinha dos ovos de ouro que se consegue melhorar as condições de vida e a verdade é que a função das ONGA não é substituir o Estado nem as empresas privadas. O seu a seu dono...
No caso concreto, a população local utiliza o carvão e a lenha como combustível. O gás, não é solução, por que puro e simplesmente não existe. Quando falamos de salários médios de muito escassas dezenas de dólares (20-30) para os que têem trabalho, privá-los de um bem tão essencial como o combustível que lhes permite cozinhar, sem lhes propor alternativas viáveis, é puro egoísmo.
Cabe aos Governos, às ONGA's, enfim, aos que pretendem ter uma intervenção concreta na conservação da natureza em países subdesenvolvidos compreender que, para ter sucesso, é necessário no mínimo não degradar mais o já muito baixo nível de vida dos locais e, de preferência, incrementá-lo.
E, Miguel, é por isso mesmo, por tentarmos impôr cegamente a nossa "galinha dos ovos de ouro" aos outros, que não raras vezes perdemos a noção que podemos estar a matar a galinha dos outros.
A questão é muito interessante.
Mas como para todos os problemas complexos me parece difícil que haja soluções simples deixa-me dizer-te que quando em 1996 estive em Angola, vi pessoas a percorrer mais de 15 kilómetros para arranjar uma pouca de lenha à cabeça, vi os sapais do Lobito completamene degradados, vi as árvores de arruamento da cidade completamente descascadas porque eram usadas na medicina tradicional, etc..
Claro que havia uma situação pós guerra, com uma concentração de um milhão de pessoas numa cidade preparada para metade (os números são razoavelmente imprecisos mas a ordem de grandeza permite dizer o que pretendo).
E isso era um problema amiental mas era também um problema de sobrevivência.
Se a sensibilidade à miséria endémica desaconselharia a adopção de restrições regulamentares a estes usos (que aliás naquelas circunstâncias seriam inaplicáveis) a verdade é que a sensibilidade à dinâmica de sistemas e aos limites à sua resiliência desaconselha a retirada de qualquer instrumento útil para a resolução simultânea dos problemas da sobrevivência das pessoas e da conservação.
henrique pereira dos santos
Henrique,
Também não acho que a maioria dos problemas complexos tenham soluções simples, embora hajam excepções.
No entanto, o facto de estarmos perante uma "urgência" em termos conservação da natureza, não pode servir de pretexto para nos estarmos a borrifar nas consequências colaterais das medidas de conservação que tentamos aplicar, como constatei, tanto para mais que estas pôe em causa a sobrevivência de populações que vivem em extrema pobreza e, a prazo, acabam, por isso mesmo, por não terem aplicação prática.
No início deste ano estive em Bali (Indonésia), e constatei que, após algumas décadas de destruição massiva do recife de coral no norte da ilha, com o recurso a explosivos, para fins comerciais, este recuperava de forma muito satisfatória. A solução passou pela valorização deste recurso de forma bem mais amiga do ambiente e sustentável, quer através da criação de pequenas reservas costeiras vocacionadas para o turismo ambiental, quer através da promoção de actividades mais "aquáticas" - mergulho, pesca desportiva - com claros ganhos para as populações locais.
A valorização do património ambiental é, não raras vezes, boa resposta a problemas de conservação.
Afinal estamos de acordo: se a urgência ambiental não é razão para não avaliarmos as consequências laterais para as sociedades do que propomos, também a urgência social não é razão para não avaliarmos os efeitos ambientais do que propomos.
henrique pereira dos santos
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